Internacional
Oposição pressiona Meloni após ato fascista na Itália
Governo ultradireitista italiano é cobrado para explicar falta de ação da polícia após centenas de manifestantes fazerem saudação fascista banida por lei
O governo ultradireitista da primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, está sob forte pressão da oposição para explicar como as autoridades permitiram que centenas de apoiadores do fascismo se manifestassem em praça pública com gestos proibidos por lei, sem que houvesse nenhuma intervenção da polícia.
Um evento em Roma no domingo (07/01) reuniu centenas de pessoas em frente à antiga sede do partido Movimento Social Italiano (MSI), legenda fundada por apoiadores do ex-ditador Benito Mussolini após a Segunda Guerra Mundial, e atualmente extinta.
O local é palco de uma manifestação anual que lembra o assassinato de dois jovens neofascistas por militantes esquerdistas, em 7 de janeiro de 1978, e de um terceiro que morreu em confronto com a polícia em um protesto subsequente. Ninguém foi condenado pelas mortes.
No evento deste domingo, em um dado momento, um grande número de apoiadores em trajes pretos ergueram seus braços e fizeram a saudação fascista enquanto gritavam “presente”, após os nomes dos três jovens mortos serem anunciados pelos oganizadores.
As imagens viralizaram nas redes sociais e geraram enorme controvérsia no país, reavivando o debate em torno da proibição a grupos que apoiem publicamente o fascismo e o totalitarismo.
Lembranças de um passado sombrio
“Roma, janeiro de 2024. Parece 1924”, afirmou Elly Schlein, líder da maior legenda de oposição na Itália, o Partido Democrático (PD), em seu perfil no Instagram, se referindo à época em que Mussolini estava no poder.
Schlein está entre várias lideranças que exigem a presença de Meloni no Parlamento para explicar por qual motivo a polícia não interveio para pôr fim ao protesto.
A social-democrata e outros líderes políticos destacaram o contraste com a ação tomada contra uma pessoa que gritou “longa vida à Itália antifascista” durante uma ópera no Teatro Scala de Milão. O homem acabou sendo retirado do local pela polícia antiterrorismo. “Meloni não tem nada a dizer sobre isso?”, questionou Schlein em postagem na rede social X.
Ela exigiu que Meloni condene publicamente o ocorrido e que o governo atue para dissolver grupos neofascistas como está previsto na Constituição, além de “reprimir os apologistas do fascismo de todas as maneiras possíveis”.
O partido eurocético Movimento Cinco Estrelas anunciou que apresentará uma queixa junto ao Ministério Público em Roma pela acusação de “apologia ao fascismo”, pedindo que os investigadores avaliem quais crimes foram cometidos pelos manifestantes.
Grupos neofascistas como o Movimento Social Italiano foram banidos pela Constituição Italiana do pós-guerra, mas conseguiram contornar a lei ao utilizarem nomes diferentes, sob a fachada de novos movimentos políticos. O Irmãos da Itália, partido fundado por Meloni, é considerado um descendente político do MSI.
Lideranças da comunidade judaica italiana também expressaram revolta com o ocorrido. “É correto lembrar as vítimas da violência política, mas, em 2024, isso não pode acontecer com centenas de pessoas fazendo a saudação romana”, afirmou Ruth Dureghello, que há muitos anos atua como líder da comunidade na Itália.
As leis antissemitas de Mussolini abriram caminho para a perseguição aos judeus italianos durante a ocupação nazista em Roma nos últimos anos da Segunda Guerra.
Meloni se distancia de passado neofascista
“Somos uma força que certamente não é fascista, somos antifascistas”, afirmou o vice-premiê e ministro do Exterior, Antonio Tajani, ao ser pressionado por jornalistas para se pronunciar a respeito do caso. Tajani é o líder do partido de centro-direita Força Itália, fundado pelo ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi e que integra a coalizão de governo.
O ministro lembrou que a lei italiana baniu o fascismo e disse que todos os eventos “em apoio a ditaduras devem ser condenados”.
Meloni tenta se distanciar da imagem de Mussolini, apesar de seu partido possuir raízes no neofascismo. Ela costuma afirmar que “há décadas a direita italiana deixou o fascismo para a história”. Em nota, sua legenda acusou os críticos de “usarem a memória da morte trágica de três jovens pelo ódio comunista para fazerem propaganda macabra”.
Fabio Rampelli, vice-presidente do Parlamento italiano e membro do Irmãos da Itália, disse nesta segunda-feira que seu partido está a “anos-luz” de distância dos manifestantes fascistas.
Ele afirma que, embora não renegue a memória dos três jovens mortos em 1978, a legenda ultradireitista “não toma parte nesse tipo de manifestação”. “Não é nosso estilo, não é nossa filosofia”, assegurou.
“O mais incrível é que essa demonstração de apologia ao fascismo seja permitida na Itália, enquanto na Alemanha e em outros países todos teriam sido presos”, afirmou o jornalista italiano Paolo Berizzi, do jornal italiano La Repubblica, ao diário britânico The Guardian.
Nos anos 70, a Itália sofreu uma forte onda de violência política entre extremistas de esquerda e de direita, com atentados a bomba, ataques, sequestros e assassinatos por grupos extremistas como as Brigadas Vermelhas, entre outros.