Saúde
Ressurreição Digital: É aceitável usar IA para recriar pessoas que morreram?
59% dos entrevistados discordaram da sua própria ressurreição digital
Clonagem digital dos mortos
A era digital e as mídias sociais trouxeram um novo aspecto ao luto e ao direito de herança: será que companheiros, filhos, amigos e parentes enlutados têm direito de “ressuscitar digitalmente” aqueles que morreram?
Em um episódio de 2014 da série de ficção científica Black Mirror, uma jovem viúva enlutada se reconecta com seu falecido marido usando um aplicativo que vasculha sua história nas redes sociais para imitar sua linguagem, humor e personalidade online. Funciona, e ela encontra consolo nas primeiras interações – mas logo quer mais.
Esse cenário não é mais ficção. Em 2017, a empresa Eternime pretendia criar um avatar de uma pessoa morta usando sua pegada digital, mas esse “Skype para os mortos” não pegou – os algoritmos de aprendizado de máquina e inteligência artificial (IA) simplesmente não estavam prontos para isso.
Agora, em meio ao uso explosivo de programas do tipo ChatGPT e Bard, esforços semelhantes estão a caminho. Mas a ressurreição digital deve ser permitida? E estamos preparados para as batalhas jurídicas sobre o que constitui consentimento?
O Dr. Masaki Iwasaki decidiu reunir uma equipe da Faculdade de Direito de Harvard (EUA) e da Universidade Nacional de Seul (Coreia do Sul) para fazer uma das primeiras abordagens sobre este assunto, focando em como as pessoas pensam a respeito dele.
Morte na era digital: o que fazer com nossa herança virtual?
As pessoas não querem
A pesquisa consistiu em apresentar aos voluntários uma situação na qual uma mulher de 20 anos morre em um acidente de carro e uma empresa se oferece para trazer de volta uma versão digital dela. Os voluntários receberam duas situações aleatoriamente: uma em que a mulher havia concordado em vida com a ressurreição digital e outra em que ela não opinara a respeito. O que seus amigos deveriam decidir?
Os resultados mostraram que o consentimento expresso aumentou muito a aceitabilidade da ressurreição digital em comparação com o não consentimento. “Embora eu esperasse que a aceitabilidade social da ressurreição digital fosse maior quando o consentimento fosse expresso, a grande diferença nas taxas de aceitação – 58% para consentimento versus 3% para dissidência – foi surpreendente,” disse Iwasaki. “Isso destaca o papel crucial dos desejos do falecido na formação da opinião pública sobre a ressurreição digital.”
Além disso, 59% dos entrevistados discordaram da sua própria ressurreição digital, e cerca de 40% dos entrevistados não consideraram qualquer tipo de ressurreição digital socialmente aceitável, mesmo com consentimento expresso. “Embora a vontade do falecido seja importante para determinar a aceitabilidade social da ressurreição digital, outros fatores, como preocupações éticas sobre a vida e a morte, juntamente com a apreensão geral em relação às novas tecnologias, também são significativos,” disse Iwasaki.
Os resultados refletem uma discrepância entre a lei e o sentimento público: os sentimentos gerais das pessoas – de que os desejos dos mortos devem ser respeitados – não são, na verdade, protegidos na maioria dos países. O John Lennon recriado digitalmente no filme Forrest Gump, ou o holograma animado de Amy Winehouse revelam que os “direitos” dos mortos são facilmente anulados por aqueles que estão na terra dos vivos.
Então, o seu destino digital é algo a considerar ao escrever o seu testamento? Provavelmente deveria ser, mas na atual ausência de regulamentação legal clara sobre o assunto, a eficácia de documentar os seus desejos desta, forma é incerta.