Saúde
Alto consumo de frutose pelos pais eleva risco cardiometabólico nos filhos
Rico em frutose, o xarope de milho é usado na produção de bolachas recheadas, doces, refrigerantes e vários outros produtos
Frutose industrial
Filhos de pais que ingerem frutose em excesso apresentam precocemente distúrbios nos sistemas nervoso autônomo, cardiovascular e metabólico – o que aumenta o risco de desenvolverem doenças crônicas, como diabete e obesidade, na fase adulta.
Apesar de a frutose ser conhecida como “açúcar natural das frutas”, o consumo desse carboidrato simples (monossacarídeo) que adoça entre 20% e 80% a mais do que a glicose pura, não está necessariamente associado à ingestão de alimentos naturais e saudáveis. Acontece que a frutose compõe também o xarope de milho, amplamente utilizado pelas indústrias alimentícia e de bebidas na produção de bolachas recheadas, doces e refrigerantes. É por isso que seu consumo excessivo tem sido associado às altas taxas de sobrepeso e obesidade na população mundial, incluindo crianças.
Camila dos Santos e colegas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) fizeram experimentos em animais de laboratório para aferir os mecanismos que estabelecem essa associação entre a ingestão excessiva de frutose e os maus resultados para a saúde.
Os resultados confirmam dados da literatura científica relacionados ao surgimento de distúrbios metabólicos – como níveis elevados de triglicérides (a partir de 150 mg/dL) e resistência à insulina.
O mais surpreendente, contudo, é que os efeitos danosos apareceram até mesmo nos descendentes de pais com consumo excessivo de frutose. Além disso, a prole apresentou aumento da pressão arterial e um comprometimento na sensibilidade do barorreflexo, um mecanismo de regulação fisiológica do sistema cardiovascular que ajuda a manter a pressão arterial dentro dos limites considerados normais.
O estudo reforça sobretudo a importância do sistema nervoso autônomo (SNA) na regulação de várias funções corporais, podendo ser um sinalizador para detectar precocemente a propensão de crianças a desenvolver esses tipos de doença na fase adulta – o SNA é o responsável por regular automaticamente funções corporais involuntárias, como frequência cardíaca, pressão arterial, respiração, digestão e regulação da temperatura.
“Se as crianças ou os pais são expostos a um alto consumo de frutose, provavelmente esses filhos vão desenvolver uma disfunção na vida adulta.”
Efeitos sobre os filhos da dieta dos pais
O grande destaque desta nova pesquisa está no efeito que o consumo excessivo do açúcar pode ter sobre as gerações futuras. Nos experimentos, os cientistas submeteram os animais a uma ingestão de 10% de frutose na água por 60 dias antes do acasalamento. A prole foi avaliada 30 dias após o desmame e não recebeu frutose em sua dieta.
Foram observados nos filhotes menor peso ao nascer, níveis elevados de triglicerídeos sanguíneos e resistência à insulina no grupo descendente de pais que consumiram frutose, em comparação ao grupo de controle. Além disso, o primeiro grupo apresentou aumento da pressão arterial média e comprometimento da sensibilidade do barorreflexo, caracterizado por respostas bradicárdicas (desaceleração dos batimentos cardíacos) e taquicárdicas (aceleração dos batimentos) reduzidas.
“Estamos tentando alertar que talvez seja necessário avaliar nas crianças, antes mesmo de elas terem aumento de pressão ou disfunção metabólica, os sinalizadores anteriores, como os ligados ao sistema nervoso autônomo. Se as crianças ou os pais são expostos a um alto consumo de frutose, provavelmente esses filhos vão desenvolver uma disfunção na vida adulta. Se conseguir detectar precocemente, talvez seja possível atenuar ou retardar o aparecimento de doenças,” disse a professora Kátia De Angelis, orientadora da pesquisa.
Agora a equipe está avaliando alternativas terapêuticas e também qual pode ser o impacto do treinamento físico nesses casos. Em pesquisas anteriormente publicadas, o grupo há havia demonstrado benefícios do treinamento físico em animais que consumiram frutose ao longo da vida ou já adultos.
Consumo de açúcar e obesidade
Ao ser metabolizada no fígado, a frutose ingerida em abundância pode aumentar a produção de ácidos graxos, promovendo o acúmulo de triglicérides e o ganho de peso corporal, que está associado à elevação de moléculas inflamatórias envolvidas no desenvolvimento de outras doenças.
A Associação Norte-Americana do Coração recomenda limitar a ingestão de açúcar a 100 calorias por dia para mulheres (equivalente a 26 gramas) e 150 calorias para homem (39 gramas) para uma dieta saudável. Cerca de 350 ml de refrigerante, por exemplo, chega a ter 38 gramas de açúcar.
Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza um consumo máximo equivalente a 10% das calorias diárias – exemplo: para 2 mil calorias seriam 50 gramas de açúcar por dia ou cerca de dez colheres de chá.
Estima-se que mais da metade da população global – o que representa cerca de 4 bilhões de pessoas – estará acima do peso ou com obesidade até 2035 caso não sejam adotadas ações significativas para conter o problema. O Atlas Mundial da Obesidade 2023 revela que o crescimento anual da obesidade é de 2,8% entre adultos e 4,4% na infância.