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O que mudou no PL das Fake News após ataques de Elon Musk a Moraes
Em menos de uma semana, a polêmica envolvendo o empresário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), fez o “PL das Fake News” (PL 2.2630/2020) quase voltar à pauta da Câmara, para na sequência retornar à estaca zero.
No último final de semana, o magnata publicou uma série de críticas em seu perfil na rede da qual é dono, acusando o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de atentar contra a liberdade de expressão. Musk ameaçou desbloquear perfis retidos na rede por determinação judicial — e cumpriu.
Os ataques de Musk motivaram uma campanha para que o Congresso retomasse a discussão sobre a regulação das plataformas digitais. A seguir, explica por que o debate acabou resultando no enterro do PL 2.630/2020 e discute o que deve acontecer agora.
1. POR QUE O “PL DAS FAKE NEWS” VAI RECOMEÇAR DO ZERO?
Com a polêmica envolvendo o dono do X, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), levou ao colégio de líderes a proposta de retomar a votação do “PL das Fake News”. Na reunião, porém, o presidente da Câmara, Arthur Lira, voltou a constatar que não havia apoio para aprovar o texto.
Lira já se posicionou a favor do “PL das Fake News” e chegou a apresentar uma notícia-crime contra as plataformas no ano passado, por causa da campanha de assédio sobre os deputados. A desistência de colocar em votação o projeto que estava na mesa veio da constatação de que a resistência na Câmara era incontornável.
Na terça-feira (9), Lira declarou que, embora tenha havido um “esforço gigantesco” dos líderes para votar a proposta, nunca foi possível encontrar consenso. “Ele estava fadado a ir a canto nenhum”, avaliou o deputado após a reunião com as lideranças.
Ao justificar a decisão, o presidente da Câmara considerou que “o texto foi polemizado”, devido ao excesso de disputas políticas e ideológicas. “Quando um texto ganha uma narrativa como essa, ele simplesmente não ganha apoio. Não é questão de governo e oposição.” Lira também afastou o relator do projeto, Orlando Silva (PCdoB-SP).
“O Lira percebeu que, com o texto do Orlando e com o Orlando, não ia virar”, relata uma fonte que acompanha as negociações. Na sua avaliação, o afastamento do relator se deve mais à polarização do que a falhas do deputado na condução das negociações. “O Orlando foi tachado de ser comunista por ser de um partido com esse nome.”
2. O QUE DEVE ACONTECER DAQUI EM DIANTE?
Na tentativa de contornar a polarização e reduzir resistências ao projeto, Lira buscou envolver outros partidos na construção do texto. Por isso, anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir o projeto.
Segundo o regimento da Câmara, o procedimento para criação de um grupo de trabalho começa com a publicação de ato normativo informando o prazo dos trabalhos e nomeando seus integrantes, entre eles um coordenador e um relator. Todos os membros são indicados pelas lideranças dos partidos.
O ato que criará o novo grupo ainda não foi publicado, mas Lira já afirmou que, após a instalação do GT, os parlamentares deverão ter de 30 a 45 dias para “chegar um texto mais maduro ao plenário”.
O tempo de discussão sugerido por Lira, porém, é menor do que o dos quatro grupos criados no ano passado pela Casa, que tiveram prazo inicial de 90 dias de trabalho. Todos eram compostos por 13 ou 14 parlamentares.
Fontes que acompanham as negociações relataram que ao menos três deputados já teriam demonstrado interesse na relatoria do projeto:
- Hugo Motta (Republicanos-PB);
- Elmar Nascimento (União Brasil-BA);
- Any Ortiz (Cidadania-RS).
O posto deve ser disputado porque o futuro relator, caso consiga desatar o nó, sairá fortalecido nas negociações da disputa para a sucessão de Lira na presidência da Câmara, em fevereiro de 2025. Para isso, porém, o relator precisará encontrar uma fórmula que vença as resistências dos deputados sem abandonar as preocupações do governo.
“Se aprovar, o relator fica bem com o governo e sinaliza para a sociedade que existe regra no Brasil”, avalia o especialista ouvido pelo Aos Fatos em condição de anonimato.
Para contornar a rejeição à proposta, o relator deve precisar acenar a parlamentares que são contrários à regulação das redes, como integrantes da bancada evangélica, reafirmando a proteção à liberdade de religião.
A solução pode incluir também o reforço da blindagem de parlamentares e outros detentores de mandatos eletivos em relação a decisões do STF. O texto anterior já previa estender a imunidade parlamentar às redes sociais. Parte dos deputados gostaria de mecanismos que evitassem casos como o do ex-deputado Daniel Silveira, preso após publicar um vídeo atacando o STF.
3. POR QUE A VERSÃO DO ‘PL DAS FAKE NEWS’ EM DEBATE ATÉ AGORA FOI DESCARTADA?
O PL 2.630/2020 prevê a regulação das plataformas digitais à semelhança do modelo em vigor na União Europeia. Uma primeira versão do texto chegou a ser aprovada pelo Senado em 2020. O projeto foi retomado pela Câmara no ano passado, após os ataques de 8 de janeiro e a onda de atentados e ameaças às escolas.
A última versão do texto, apresentada no primeiro semestre do ano passado pelo relator, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), trazia regras para serem cumpridas por redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria instantânea com mais de 10 milhões de usuários no país.
O principal impasse do “PL das Fake News” dizia respeito a qual órgão deveria ser o responsável por fiscalizar o cumprimento da lei, instaurar processos administrativos e aplicar sanções às plataformas que descumprissem obrigações.
No texto original, o governo havia sugerido a criação de uma entidade autônoma de supervisão, que deveria ter independência administrativa e contar com a participação de diversos setores. A proposta, no entanto, foi retirada do parecer final do relator após se tornar alvo de ataques da extrema-direita, que acusou o Executivo de querer criar uma espécie de “Ministério da Verdade” para controlar o que circula nas redes.
O Congresso passou, então, a discutir alternativas para a entidade autônoma, como a possibilidade de delegar a função à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ou até permitir que as plataformas se autorregulassem. Nos últimos meses, Orlando Silva tentou costurar um consenso sobre o tema, embora admitisse a possibilidade de que a decisão fosse tomada apenas na votação no plenário.
Aofato