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Uma “PEC dos privilégios” avança no Senado
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deu, na quarta-feira, mais uma demonstração de como a classe política é capaz de aprovar verdadeiras imoralidades com o dinheiro público, privilégios que já seriam inaceitáveis em um país próspero, e o são ainda mais no Brasil de hoje, repleto de miseráveis e incapaz de manter suas contas em ordem. Com 18 votos contra 7, a comissão aprovou o texto de uma PEC que restabelece a farra do quinquênio, eufemisticamente chamado Adicional por Tempo de Serviço: um reajuste automático de 5% nos salários de certos setores do funcionalismo a cada cinco anos de serviço, e que tinha sido extinto em 2006.
O aumento, no entanto, não será concedido aos servidores da “linha de frente” de serviços como educação e saúde; o privilégio só estará acessível aos que já estão no topo do topo da pirâmide do funcionalismo: magistrados, membros do Ministério Público e da Advocacia Pública da União, dos estados e do Distrito Federal, membros da Defensoria Pública, delegados da Polícia Federal, e ministros e conselheiros de Tribunais de Contas. São pessoas que já iniciam suas carreiras recebendo salários que estão além dos maiores sonhos de esmagadora maioria dos brasileiros. E, enquanto muitas vezes esses brasileiros precisam de um ótimo desempenho profissional para simplesmente manter seu emprego, quanto mais receber um aumento, os beneficiados pelo quinquênio, para conquistar o penduricalho, não precisam fazer absolutamente nada, pois já gozam de estabilidade e só deixam seus postos se quiserem ou se cometerem alguma falta muito grave.
Privilégios como o quinquênio já seriam inaceitáveis em um país próspero, e o são ainda mais no Brasil de hoje, repleto de miseráveis e incapaz de manter suas contas em ordem
A própria natureza do quinquênio, portanto, já evidencia seu caráter imoral, acentuando desigualdades dentro do serviço público, que por sua vez já é causador de desigualdade ao remunerar suas carreiras bem acima da média dos mesmos postos na iniciativa privada, conforme atestou um estudo já clássico do Ipea. Mas, não contentes em aprovar o penduricalho, os senadores acrescentaram os chamados “crueldade”, por exemplo, ao atribuir ao quinquênio natureza indenizatória, e não remuneratória, o que de imediato permite que os valores recebidos não contem para efeitos de respeito ao teto constitucional do funcionalismo.
Também não faltou cinismo da parte dos promotores da PEC. O principal deles, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor da PEC, chegou ao ponto de afirmar que “precisamos proporcionar um ambiente atrativo ou perderemos profissionais altamente vocacionados para outras carreiras que remuneram melhor ou que imponham menos sacrifícios para a vida pessoal dessas pessoas”. Pacheco fala como se houvesse pessoas sendo obrigadas a entrar em uma dessas carreiras; como se quem optasse por elas desconhecesse totalmente as exigências que elas trazem; e como se elas já não fossem bastante atrativas, como bem o demonstram as legiões de “concurseiros” que gastam vários anos de suas vidas em busca do objetivo de ingressar no Judiciário, nos MPs, nos TCs e em outros órgãos que serão agraciados com o quinquênio.
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A farra do quinquênio no Senado e no Conselho da Justiça Federal (editorial de 1.º de dezembro de 2022)
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O custo da farra é estimado em R$ 1,8 bilhão neste ano, que já está em curso, mas o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), fala em R$ 42 bilhões por ano. Este valor corresponde a metade do déficit primário previsto para o governo federal este ano. É um dinheiro que o país não tem, e que será destinado a quem já recebe muito, em vez de ir para os brasileiros que mais necessitam dele. O que já seria uma grande imoralidade em um país que estivesse com os cofres transbordando se torna uma mostra de puro desprezo pela população em um país incapaz de prover serviços públicos básicos com a qualidade necessária.
Pacheco pretende colocar a PEC dos privilégios para votação no plenário já na próxima terça-feira, dia 23. Os senadores têm a obrigação moral de derrubar a proposta, que escancara o enorme abismo que existe entre uma parcela já bastante privilegiada da sociedade e a enorme maioria de brasileiros, a quem juízes, promotores, procuradores e outros servidores têm a obrigação de proporcionar justiça. A necessidade de remuneração justa e reconhecimento de carreiras que são, sim, importantíssimas para o país não justifica a adoção de imoralidades, muito menos sua cristalização na Constituição Federal.