Educação & Cultura
Jogos e brincadeiras na Educação Infantil para professores explorarem
Entenda o papel da intencionalidade pedagógica e amplie seu repertório de experiências com o brincar
Brincadeira é coisa séria no que diz respeito ao desenvolvimento das crianças. A afirmação é de Djenane Oliveira, diretora da EM Manoel De Paiva Padre, em Guarulhos (SP), e integrante do Time de Autores da NOVA ESCOLA. Com a experiência de quem atuou na Educação Infantil por 15 anos, ela sabe muito bem da importância dos jogos e das brincadeiras para a aprendizagem dos pequenos. “[A brincadeira] é o que a criança faz com extrema dedicação e é a forma pela qual ela vai construir seu conhecimento de mundo e de si mesma”, explica a especialista.
Por isso, nada mais equivocado do que a visão adultocêntrica de que essas atividades não possuem função. “A brincadeira não é uma simples atividade: ela é algo estruturante na vida da criança, quase natural, que faz parte de seu desenvolvimento”, afirma Karina Rizek, consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social e coordenadora pedagógica de uma escola privada em São Paulo (SP).
Brincar, diz ela, é um sinal de saúde e um meio de os pequenos se expressarem, já que é por meio dessa ação que comunicam o que se passa com eles. “[A brincadeira] é totalmente necessária para a criança exercer seus direitos”, complementa.
Karina lembra que os seis direitos de aprendizagem propostos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil estão relacionados às brincadeiras, sendo que um deles é justamente o brincar. O documento expressa o direito da criança de “brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais” (BNCC, p. 38).
Essa intencionalidade pedagógica, no entanto, não deve ser confundida com direcionamento. Marcos Machado, arte-educador, professor na CMEI Carlos Marinho Falcão, em Feira de Santana (BA), e integrante do Time de Formadores da NOVA ESCOLA, rejeita a ideia de professores pensarem as brincadeiras como atividades dirigidas por meio das quais as crianças serão ensinadas a brincar. Para ele, essa ideia vai contra a liberdade e o respeito à aprendizagem e à individualidade da criança.
“Entendo a brincadeira como parte da nossa cultura e como momento de troca de aprendizagens. Por isso, a criança aprende, se desenvolve e se descobre nesse processo. Entendo a atuação do professor muito mais voltada para brincar junto e observar [as crianças] de maneira atenta”, defende.
Segundo ele, a intencionalidade envolve levar uma brincadeira para as crianças com um propósito de aprendizagem que o professor enxerga, sem direcionamentos sobre como os pequenos devem brincar.
Intencionalidade pedagógica nos jogos e brincadeiras
“[Nenhum professor] vai dizer que brincar não é importante, mas há uma diferença entre entender isso e levar para a prática”, afirma Karina Rizek. “O papel do professor é observar as crianças e documentar para colher insumos e indicadores que ajudem na organização de boas propostas pedagógicas, espaços e materiais.”
A especialista retoma que a BNCC considera a interação e a brincadeira eixos estruturantes do currículo na Educação Infantil. “Ou seja, estão intimamente ligados à forma como a criança aprende. Logo, o professor deve criar condições para que a criança interaja e brinque”, explica a especialista do Avante.
Essa perspectiva derruba noções como “hora de brincar” e “hora de aprender”, acrescenta. “A criança vai aprender conceitos matemáticos de forma muito mais significativa quando, por exemplo, brinca com bolas de diferentes tamanhos e pesos. Ou, com o próprio corpo, vai aprender sobre equilíbrio, peso, o que é em cima, embaixo, ao lado, atrás e outras noções matemáticas importantes nessa etapa.”
Segundo Djenane, a brincadeira intencional deve dar espaço para as crianças criarem e explorarem, com os educadores atuando como incentivadores e observadores das construções que os pequenos realizam. “A intencionalidade não é para que eu [professor] direcione a brincadeira e a leve aonde eu quero, mas para que eu possa observar, intencionalmente, os estágios de desenvolvimento que a criança atinge a partir daquela atividade e, então, possa planejar outras possibilidades de crescimento”, afirma a autora.
Alguns questionamentos podem nortear a prática pedagógica relacionada às brincadeiras na Educação Infantil, segundo a educadora:
- Como as crianças se relacionam com os aspectos do mundo à sua volta?
- Como cada criança se apropria de conhecimentos?
- Em qual estágio de percepção de si mesma a criança está?
Para Marcos, notar as maneiras como as crianças brincam no começo, no meio e ao final do ano também são importantes observações que os professores de Educação Infantil devem fazer, bem como perceber como os pequenos brincam entre si e também com os adultos.
Exemplos de jogos e brincadeiras para usar na Educação Infantil
Brincadeiras funcionais, de faz de conta, cantigas, entre outras. São muitas as maneiras de brincar e cada uma delas pode estimular diferentes funções cerebrais, que vão desde as motoras até aquelas relacionadas a socialização, empatia e resiliência. Por isso, ao compreender os diferentes grupos de brincadeiras, o professor pode oferecer um número maior de possibilidades para o desenvolvimento das crianças.
Djenane aconselha que as atividades sejam escolhidas considerando o objetivo pedagógico, e não necessariamente a idade. “Caso contrário, [os professores] podem achar que crianças maiores só podem realizar jogos ou brincadeiras com funções para articulação de memória verbal, por exemplo”, diz.
Para ela, os professores devem entender os objetivos das atividades, as possibilidades de desenvolvimento de cada uma delas e a importância de ampliar o rol de brincadeiras.
Brincadeiras funcionais
As brincadeiras funcionais são o primeiro estágio do brincar. Elas envolvem o próprio corpo da criança e a produção de sons e estão presentes na vida desde o começo, especialmente até os 18 meses. “Os pequenos na creche, por exemplo, brincam ao estender e encolher os braços, balançar as pernas, fazer ruídos e mesmo com o choro, que é um tipo de brincadeira por ser um modo que permite à criança ver como o outro irá reagir e como essas ações interferem no mundo ao seu redor”, explica a diretora Djenane.
Esse tipo de brincar é espontâneo para as crianças, mas representa para os professores possibilidades de observação. “É possível notar, por exemplo, se elas usam o choro como brincadeira ou para chamar a atenção. Momentos como o banho e a troca podem ser oportunidades para observar como os pequenos reconhecem o próprio corpo. Os momentos de alimentação também podem ser interessantes para perceber como a criança manuseia o prato ou se relaciona com o outro”, complementa a autora da NOVA ESCOLA.
Faz de conta
Brincar de faz de conta envolve níveis mais complexos do desenvolvimento das atividades cognitivas das crianças, afirma Djenane. “Essa brincadeira traz possibilidades infinitas de ampliação de interpretação do mundo, pois, no faz de conta, qualquer coisa é possível. A criança pode testar suas hipóteses e, inclusive, experimentar aquilo que não é factível no mundo real.”
Essas atividades representam também “possibilidades para as crianças criarem proposições, definirem papéis, situações e, também, construírem e trabalharem percepções que têm da sociedade, por exemplo, percepções de gênero”, complementa a educadora.
Karina também destaca como as brincadeiras de faz de conta estão ligadas a funções simbólicas de representação de papéis. “São mil representações que as crianças fazem do mundo à sua volta, como brincar de ser mamãe, de estar em um escritório, de ser jardineiro, de ser astronauta etc.”
Por isso é importante que professores organizem os ambientes escolares com materiais variados, para criar condições para essas brincadeiras acontecerem.
A especialista menciona que esse tipo de brincar costuma envolver elementos da vivência cotidiana da criança e de seu entorno. “Por exemplo, crianças urbanas brincam muito de carrinho, de estrada e de caminhão, mas crianças ribeirinhas brincam muito de barco”, conta.
Brinquedos ou objetos estruturados
Brinquedos estruturados são aqueles que possuem função definida enquanto objeto de brincar. Apesar de contribuírem para um ambiente escolar convidativo ao brincar e serem interessantes para o desenvolvimento infantil, Karina reforça que esses materiais não são essenciais para as brincadeiras. Isso ocorre principalmente porque as próprias crianças mostram que é possível brincar com outros tipos de objetos.
Brincadeiras com objetos não estruturados
Brincadeiras com materiais não estruturados acontecem quase que naturalmente e envolvem a capacidade da criança de dar sentido e significado a objetos. “É a caixa de papelão que vira fogão, que vira barco ou nave espacial, ou o galho de árvore que pode virar uma varinha mágica, uma espada ou um cavalinho de pau”, explica Karina.
Assim, privilegiar esses materiais estimula o protagonismo das crianças. No ambiente escolar, é possível fazer isso com acessórios diversos, tecidos e outros materiais que estimulem a criatividade dos pequenos.
O professor Marcos Machado, por exemplo, levou uma grande caixa cheia de tampinhas de garrafa de plástico para sua turma da pré-escola brincar. Em vez de idealizar atividades – como agrupar as tampinhas por cores –, o educador, primeiramente, apenas convidou as crianças a brincar livremente.
“Queria ver o que elas me traziam ao brincar com as tampinhas. Algumas as jogaram para cima, outras recolheram as tampas do chão; ou seja, foram inúmeras possibilidades. Eu, como professor, não preciso, necessariamente, direcionar a brincadeira, pois a própria criança pode me ensinar [a brincar]”, explica.
Isso não impede que outras sugestões possam ser feitas. “Em outro momento, posso sugerir para elas pegarem só as tampinhas azuis [para trabalhar cores]. Nem preciso ensinar qual é a tampa dessa cor: uma criança pode pegar a azul enquanto é observada por outra que está com uma tampa amarela. Essa segunda criança pode se questionar: ‘Será que essa tampinha que está comigo é mesmo azul?’. Isso pode acontecer sem que eu precise dizer que a tampinha amarela é a errada”, exemplifica Marcos.
Cantigas de roda e parlendas
As cantigas e parlendas são brincadeiras que podem abranger tanto o faz de conta quanto atividades do campo da aquisição, que são aquelas que trabalham atenção, percepção e construção de vocabulário. “A brincadeira da dança das cadeiras, [aquela que] quando se canta uma música, as crianças rodam e as cadeiras são retiradas até sobrar só uma, é um tipo de atividade que trabalha aspectos de aquisição”, afirma Djenane.
Já as parlendas trabalham funções verbais, de articulação de memória e de numeração, o que é importante, por exemplo, para as crianças maiores.
A tradição cultural também é transmitida por meio dessas brincadeiras, de geração para geração. É o caso de cantigas como Ciranda cirandinha e Fui no Itororó e outras que estão presentes em diversas culturas, como a indígena e a afro-brasileira. “São várias as brincadeiras que misturam canções, danças e usos do corpo”, complementa Karina.
Brincadeiras de fabricação
Essas atividades envolvem manusear, combinar e transformar elementos. “Com as brincadeiras de fabricação, vamos trabalhar com as crianças funções do desenvolvimento cerebral como movimentos para juntar, combinar, modificar e transformar”, diz Djenane.
As possibilidades de experimentação podem ir desde criar coisas com blocos e misturinhas até a manipulação de elementos da natureza, como areia, água e terra.
Jogos com regras e brincadeiras sociais
Pega-pega, queimada/baleado e esconde-esconde são alguns exemplos de jogos que trabalham funções de sociabilidade, por exemplo. Essas brincadeiras são importantes, segundo Karina, porque mostram para a criança variados conceitos, como “respeitar o outro, esperar a minha vez, entender regras de convivência e dividir materiais”.
Dentro desse grupo, estão ainda jogos como o dominó e jogos de tabuleiro e de trilha, que podem ser feitos pelas próprias crianças.
Fonte: Nova Escola