Internacional
Arqueólogos em busca da “Atlântida do Mar do Norte”
Mitos cercam a outrora próspera cidade comercial na Frísia do Norte, que foi destruída por uma tempestade devastadora na Idade Média. Hoje, arqueólogos analisam os vestígios no meio do lodaçal
Em janeiro de 1362, uma enorme tempestade varreu grande parte da costa norte da Frísia. Na primeira “Grote Mandrenke”, ou Enchente de São Marcelo, as ondas alcançaram mais de dois metros acima do nível das represas. Dezenas de diques se romperam, e o assentamento de Rungholt desabou junto com outras sete comunidades no mar Frísio.
Com o passar dos séculos, Rungholt se tornou um lugar místico, a “Atlântida do Mar do Norte” na Frísia. Segundo os mitos, Rungholt teria sido rica como Roma, e sua queda, uma punição de Deus por uma vida cheia de vícios, blasfêmia e soberba.
No início do século 20, arqueólogos encontraram vestígios do local submerso. Há um ano, pesquisadores descobriram então os contornos de uma igreja medieval no meio do lodaçal. Estima-se que o templo tenha medido 40 por 15 metros, oferecendo espaço para muitos fieis.
Tempestades e sedimentos submersos
O local onde fica hoje o Mar do Norte já conectou o continente europeu às Ilhas Britânicas no passado. Devido ao aumento do nível do mar, às tempestades e ao afundamento dos sedimentos, a costa do Mar do Norte sofreu mudanças dramáticas, forçando as pessoas a recuarem cada vez mais para longe do mar.
Não passou um século sem que houvessem enchentes catastróficas, e milhares de pessoas morreram afogadas nas inundações ao longo dos anos. Onde antes haviam pastagens férteis, hoje se projetam apenas algumas ilhas do mar imprevisível.
Vestígios de assentamento na lama
Apenas cerca de meio metro abaixo da superfície pantanosa, a cor do solo lamacento muda do típico cinza para um tom vermelho – supostamente os fundamentos da antiga igreja.
A equipe de pesquisadores tenta agora obter uma imagem completa da paisagem do assentamento, apesar do pouco material disponível, explica o geofísico Dennis Wilken, da Universidade de Kiel. “Estamos literalmente extraindo do solo as últimas informações possíveis.”
Para os arqueólogos, o lamaçal – esta mistura de areia e lodo – é particularmente interessante devido à sua capacidade de preservação. “Aqui vemos um recorte de uma paisagem cultural medieval que está como que congelada”, diz Bente Sven Majchczack, da Universidade Christian Albrechts, de Kiel.
Em contraste, as paisagens culturais do continente atual mudaram frequentemente ao longo dos séculos. “Nos lodaçais temos uma foto congelada, por assim dizer”, diz Majchczack.
Os pesquisadores examinam agora mais de dez quilômetros quadrados nos lodaçais. Desde o ano passado, com a ajuda de medições geofísicas, foram encontradas lá dezenas de habitações medievais elevadas, as chamadas Warften, como as que ainda hoje existem nas ilhas Halligen. Além disso, também foram descobertos sistemas de drenagem, um dique e um porto.
Quão grande era o assentamento medieval?
Após a tempestade devastadora de janeiro de 1362, o cronista Anton Heimreich relatou 21 diques rompidos na costa norte da Frísia e 100 mil mortos. Esse número elevado, no entanto, é provavelmente um exagero.
“A ideia de que este era um lugar com 2 mil habitantes ou mais, como uma cidade medieval, é simplesmente uma besteira”, diz o arqueólogo Majchczack. Para ele, tratavam-se muito mais de colinas residenciais em uma paisagem pantanosa. Achados anteriores sugerem que cerca de mil pessoas viviam lá.
“Os pântanos foram removidos, drenados e transformados em terras agrícolas.” A igreja descoberta era provavelmente o centro da área povoada.
Um agitado centro comercial
Embora provavelmente não tenha existido um centro na cidade, o assentamento mantinha contato ativo com viajantes e comerciantes de áreas distantes. A conclusão parte dos próprios achados arqueológicos, compostos tanto por objetos locais, como por aqueles vindos de áreas distantes.
“Encontramos pequenos pesos e carrinhos. Isso significa que havia comércio aqui. Aos poucos, começamos a ter uma ideia das dimensões”, explica a arqueóloga Ruth Blankenfeldt, do Centro Leibniz de Arqueologia Báltica e Escandinava.
Embora a tempestade de 1362 tenha destruído grande parte de Rungholt, a cidade não desapareceu repentinamente no mar. Em vez disso, as pessoas retiraram-se gradualmente do assentamento.
“Sabemos disso muito bem devido às tempestades posteriores. Tais coisas sempre trazem um abandono gradual, um recuo gradual”, diz Majchczack. Em algumas áreas, os habitantes de Rungholt inclusive conseguiram fechar lacunas nos diques após a inundação devastadora.
Em alguns casos, os próprios moradores contribuíram para a queda. Amostras de sedimentos mostram que a terra foi rebaixada pela mineração de turfa. “Isso facilitou para as tempestades”, disse a geógrafa Hanna Hadler, da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz.