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Eleições 2024: como ler, entender e não se perder no mundo das pesquisas eleitorais
Além das pesquisas quantitativas, as campanhas realizam pesquisas qualitativas, conhecidas como “qualis”
Nas eleições de 2022, as pesquisas eleitorais foram duramente criticadas em razão das divergências entre os levantamentos divulgados na véspera do primeiro turno e os resultados efetivamente apurados nas urnas. Um dia antes da eleição, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) aparecia com 37% e 36% dos votos válidos nas pesquisas do Ipec (ex-Ibope) e Datafolha, mas acabou recebendo 43% dos votos. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) marcava 51% e 50% nos mesmos levantamentos, mas terminou com 48%. Discrepâncias também foram observadas nas disputas estaduais e na eleição para o Senado.
Embora tenham tomado conta das discussões há dois anos, diferenças inesperadas entre as pesquisas eleitorais e os resultados das urnas não são exclusivas do último pleito e, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, ocorrem em todas as eleições. Em 2018, por exemplo, as pesquisas de véspera não indicavam que Romeu Zema (Novo) e Wilson Witzel, então filiado ao PSC, terminariam o primeiro turno na liderança. Naquele mesmo ano, Bolsonaro, então do PSL, tinha 41% na pesquisa de véspera do Ibope, enquanto Fernando Haddad (PT) tinha 25%. O resultado nas urnas foi 46% para Bolsonaro e 29% para o petista.
A campanha eleitoral deste ano deve colocar as pesquisas eleitorais novamente em evidência. Para esclarecer dúvidas de eleitores de todo o País que vão às urnas em outubro, o Estadão conversou com especialistas em pesquisas eleitorais para explicar, detalhadamente, como os levantamentos são realizados e quais cuidados são necessários ao interpretá-los.
Com o aumento das pesquisas autofinanciadas (aquelas pagas pela própria empresa que realizou o levantamento), a atenção aos detalhes metodológicos se torna ainda mais crucial. Especialistas alertam sobre práticas e problemas que podem comprometer a qualidade dos resultados, exigindo maior cautela dos eleitores.
“Por norma, quanto menos detalhes sobre sua metodologia o instituto divulgar, se atendo apenas ao que é minimamente obrigatório segundo o TSE, mais cuidado deve-se ter com relação às suas pesquisas”, afirma Raphael Nishimura, membro da Associação Americana para Pesquisa de Opinião Pública (AAPOR) e diretor de amostragem na Universidade de Michigan.
Outro ponto destacado pelo especialista é verificar a fonte de dados utilizada para a amostragem ou ponderação de dados. Se o instituto usa apenas dados do Censo 2010, isso deve acender um grande sinal de alerta, pois há dados mais recentes da população, como os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
“O questionário também é importante: se a pesquisa não utiliza um disco para apresentar os candidatos (em pesquisas presenciais) ou não realiza uma rotação aleatória da ordem em que os candidatos são apresentados na pergunta de intenção de voto estimulada (em pesquisas telefônicas ou online), há um grande risco de ocorrer vieses de mensuração. Como os institutos são obrigados a depositar os seus questionários no site de consulta de pesquisas do TSE, isso é relativamente fácil de verificar”, diz Nishimura.
Outro ponto levantado pelo especialista é a ponderação de dados e o uso de cotas na amostra, sendo as entrevistas com pessoas de determinado perfil que a pesquisa precisa coletar para reduzir potenciais vieses de seleção e não resposta. Por exemplo, se uma população é composta por metade de homens e metade de mulheres, deve-se entrevistar a mesma proporção de cada gênero. Segundo ele, atualmente é impensável conduzir pesquisas de opinião pública sem usar ao menos uma dessas técnicas. A maioria dos institutos utiliza uma ou ambas, mas se não mencionar isso, deve-se levantar um sinal de alerta.
Adicionalmente, é importante verificar se a pesquisa foi registrada no TSE e quem pagou por ela; no caso de pesquisas municipais, assegurar que há entrevistados de todas as regiões da cidade; prestar atenção nas datas de coleta das entrevistas, especialmente se há um espaçamento grande entre elas; e examinar a redação da pergunta para identificar possíveis vieses.
Como as pesquisas afetam o rumo das campanhas?
O Estadão conversou com estrategistas que trabalham para os principais candidatos à Prefeitura de São Paulo para entender como as pesquisas eleitorais são utilizadas nas campanhas. De forma reservada, todos disseram que tanto as pesquisas internas, contratadas pelos próprios candidatos, quanto as de institutos renomados, como a Quaest e o Datafolha, são utilizadas para monitorar o cenário político-eleitoral.
No dia a dia, as campanhas estão com os olhos voltados para a pesquisa de trekking, realizada diariamente com uma amostra menor de eleitores. Essa metodologia permite acompanhar a evolução da curva de intenção de voto de cada candidato e avaliar rapidamente os efeitos de eventos como debates e sabatinas sobre a disputa eleitoral.
Além das pesquisas quantitativas, as campanhas realizam pesquisas qualitativas, conhecidas como “qualis”. Essas pesquisas são importantes para entender o que está na cabeça do eleitor – quais são seus desejos, anseios e visões sobre os candidatos. Elas ajudam a direcionar a mensagem das peças de comunicação dos candidatos, ajustar posicionamentos e testar materiais de comunicação, além de verificar se as propostas desenhadas fazem sentido para o eleitorado.
Segundo esses profissionais ouvidos pela reportagem, que pediram anonimato, as campanhas não mudam sua estratégia com base em uma única pesquisa, mas sim a partir de um conjunto de informações. No entanto, tendências verificadas em pesquisas externas, como do Datafolha, podem acender “alerta” e iniciar discussões dentro das campanhas.
Por que as pesquisas diferem do resultado das urnas?
Amplamente utilizadas pelas campanhas, as pesquisas eleitorais podem ser um recurso valioso para os eleitores. A premissa básica para que esses levantamentos ajudem e não atrapalhem é enxergá-los como uma fotografia do cenário político atual.
Embora as pesquisas sejam úteis para diagnosticar a conjuntura política e até mesmo orientar as campanhas em suas estratégias, elas não devem ser vistas como uma tentativa de prever o resultado das urnas, pois o contexto político é dinâmico e o voto dos eleitores é influenciado por fatores que as pesquisas muitas vezes não conseguem captar, especialmente aqueles que surgem nos momentos finais do pleito. A única pesquisa que tem o objetivo de alcançar o resultado das urnas é a de boca de urna, que não foi feita em 2022.