Judiciário
Como a suspensão das emendas impositivas federais afeta estados e municípios
Decisão liminar do ministro Flávio Dino na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.697, referendada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, reconheceu e determinou:
- 1) o impedimento de “[…] qualquer interpretação que confira caráter absoluto à impositividade de emendas parlamentares”;
- 2) que é dever do Poder Executivo, motivada e transparentemente, aferir a aptidão à execução das emendas frente a critério técnicos presentes em normas jurídicas;
- 3) a execução de emendas parlamentares impositivas de quaisquer modalidades somente ocorrerá caso atendidos requisitos jurídicos tais como: a) existência e apresentação prévia de plano de trabalho aprovado; b) compatibilidade com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e com o Plano Plurianual; c) efetiva e eficiente entrega de bens à sociedade; d) cumprimento de regras de transparência e rastreabilidade do gasto público; e) obediência a todos as normas que estabeleçam normas fiscais ou limites de despesas.
Por fim, também determinou a sustação de emendas impositivas até que os Poderes Legislativo e Executivo, em diálogo institucional, regulem novos procedimentos de acordo com os critérios anteriormente elencados, sem prejuízo de obras efetivamente iniciadas e em andamento ou de ações para atendimento de calamidade pública formalmente declarada e reconhecida.
Insegurança administrativa quanto à decisão do STF
Como o dispositivo da decisão se referiu aos poderes da República e ao instituto das emendas parlamentares impositivas de modo geral, surgiram uma série de dúvidas sobre como os demais entes federativos devem levar em consideração a decisão do STF. Dentre elas, como municípios e estados devem lidar com a execução das emendas impositivas de origem estadual e municipal.
Há insegurança na administração pública sobre como órgãos de controle irão interpretar a decisão do STF, de modo que a execução de emendas a nível municipal já está sendo suspensa como medida a evitar problemas jurídicos para gestores públicos. Isso pode ser observado, por exemplo, na não execução de emendas impositivas parlamentares que destinam recursos a projetos de organizações da sociedade civil. Opera, mais uma vez, o fenômeno deletério do “apagão das canetas” na administração.
Em que pese a decisão referendada pelo STF cause certa perturbação nos demais entes federativos, entende-se que não se deve deixar o sentimento de insegurança paralisar a execução de políticas públicas por meio de emendas parlamentares municipais e estaduais.
Essa posição pode ser defendida se levarmos em conta o texto exato do dispositivo decisão e como o STF interpreta a chamada teoria da transcendência dos motivos determinantes.
Decisão de Dino pode atacar legalidade em outras esferas
A decisão do STF atribuiu, especificamente em sua página 36, interpretação conforme a dispositivos da Constituição sem se referir a municípios e estados. Se buscarmos esclarecimentos em sua fundamentação, não encontraremos qualquer menção ao alcance da interpretação construída pelo ministro Flávio Dino. O que permanece, contudo, é que os fundamentos da decisão poderiam ser facilmente transportados para atacar a legalidade da execução das emendas em outros níveis federativos.
Em que pese do ponto de vista moral e político sempre possam surgir desafios à execução das emendas, há bom argumento para defender a legalidade das emendas de estados e municípios: a forma como o STF tem entendido a teoria dos motivos determinantes.
Em primeiro lugar, é importante considerar que as normas jurídicas possuem pressuposto de validade até que seja decidido o contrário. Sendo assim, não havendo a suspensão expressa de outras normas jurídicas, a princípio, elas devem ser seguidas. Além disso, os dispositivos sobre emendas não são considerados normas de reprodução obrigatória dos demais entes federativos, de modo que podem não existir ou obter conformações não idênticas nos demais entes.
Emendas impositivas estaduais e municipais seguem valendo
A teoria dos motivos determinantes pode ser interpretada de forma restritiva ou extensiva. De acordo com a teoria extensiva, além da parte dispositiva de uma decisão, os seus fundamentos (ratio decidendi) devem ser transportados para a decisão e aferição de constitucionalidade em outros casos. A teoria restritiva, por outro lado, nos diz que apenas a parte dispositiva de um acórdão, por exemplo, teria efeitos vinculantes. Esta teoria é a adotada pelo STF, como podemos ver em Rcl 4448 AgR; Rcl 9778 AgR; Rcl 6204 AgR; Rcl 11473 AgR; Rcl 8168 e Rcl 22012/RS.
Sendo assim, vemos que, de acordo o próprio STF, não devemos dar maior alcance do que aquele expressamente dado na decisão de suspensão de emendas impositivas parlamentares. Assim, as emendas impositivas ao nível federal se encontram suspensas, mas as emendas impositivas estaduais e municipais podem ser utilizadas enquanto não houver determinação judicial em contrário.
Esse cenário não significa, contudo, que devam ser ignoradas as determinações da decisão, pois ela aponta para uma tendência a maior controle da utilização de emendas impositivas. Diante disso, é recomendável aos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal e estadual que se antecipem, buscando implementar regras e procedimentos que atendam pontos ressaltados pela decisão do STF, pois é uma questão de tempo para que questionamentos semelhantes surjam no âmbito dos Tribunais de Justiça dos estados. Fazendo isso, os responsáveis nestes entes estarão muito mais protegidos e garantirão a estabilidade da execução das políticas públicas almejadas.
AUTOR
- Caio Ferrari de Castro Meloé advogado, mestre em Direito pela Faculdade de Direito da USP e bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.