Educação & Cultura
Mario Sergio Cortella: “Educação tem que lidar com o novo e não se amarrar à novidade”
Em entrevista exclusiva à Nova Escola, Cortella fala sobre os impactos das urgências sociais na escola e como os educadores devem perceber e incorporar as transformações tecnológicas
Como a Educação convive com as mudanças tecnológicas? Como a escola pode lidar com tantas urgências? O professor, escritor e filósofo Mario Sergio Cortella falou sobre esses e outros assuntos em uma conversa exclusiva com a Nova Escola. A entrevista aconteceu momentos antes da palestra do educador para um auditório lotado, durante o Congresso Eduko 2024, que aconteceu em Belo Horizonte (MG), nos dias 27 e 28 de setembro, e foi realizado pelo Sesc e pelo Senac, que integram o Sistema Fecomércio MG.
Cortella falou como a Educação e os professores são peças fundamentais para lidar com desafios sociais, como as mudanças climáticas e o agravamento de questões de saúde emocional, e também ressalta a necessidade de ver a tecnologia como uma ferramenta importante, mas que precisa ser utilizada com intencionalidade, sem modismo. Confira a seguir:
NOVA ESCOLA: A palestra do senhor no Congresso Eduko tem o tema “Cenários turbulentos, mudanças velozes”. Vivemos um momento de urgências climáticas, tecnológicas e emocionais. Esse cenário se reflete na escola, que não está apartada da sociedade. Como o professor consegue lidar com tudo isso de uma forma efetiva, mas também preservando sua saúde mental?
MARIO SERGIO CORTELLA: Todas as urgências que você mencionou só serão lidadas se a gente tiver uma educação mais efetiva, resolutiva, harmônica, com uma capacidade técnica mais expressiva, uma solidariedade social mais densa, uma percepção crítica e autônoma de cada pessoa e de todas as pessoas. Então, não haverá como ultrapassar esses impasses que se colocam sem que a educação escolar, especialmente, mas não exclusivamente, ganhe essas capacidades.
Por isso, em um mundo de mudança, o maior risco é tornar-se anacrônico ou anacrônica. Isso é, ficar fora do tempo. Ficar com uma nostalgia em relação a outro momento como se ele fosse, primeiro, paradisíaco, o que não era. E, segundo, como se pudesse retornar ao que já foi. Isso conduz ao sofrimento e não à energia. A nossa energia vem do futuro. O passado é um lugar de reverência, de referência, mas ele não é para onde nós estamos indo.
Quando alguém me diz: “ah, porque o passado nos inspira”. É verdade, mas ele não é a nossa direção. Então, é preciso atualizar, tal como a gente faz em relação aos aplicativos. É preciso atualizar a cabeça, a prática e a percepção. E aí, sim, todas essas urgências ganham uma possibilidade de enfrentamento, de maneira que não sejam consideradas barreiras, mas desafios. A barreira é uma impossibilidade de ultrapassar. O desafio é aquilo que se coloca e que a gente tem não só o dever, como, eventualmente, o gosto de ultrapassar.
O senhor falou da questão do passado, de, às vezes, existir um saudosismo prejudicial. Nessa realidade, o que muda ou deveria mudar na forma de ensinar?
Tudo aquilo que for arcaico, que não tiver mais lugar [precisa mudar]. Por exemplo, eu farei hoje uma reflexão de uma hora em uma aula expositiva, sem utilização de nenhuma tecnologia, exceto o microfone. E, dependendo do tamanho do auditório, eu poderia fazê-lo sem. Isso significa que não é a tecnologia que torna uma atividade moderna. Uma atividade que se deseja moderna, utiliza a tecnologia quando necessário.
Nesse sentido, nesse mundo de mudança, o que precisa ser alterado? Primeiro, a nossa concepção em relação aos métodos de ensino-aprendizagem. Nós ainda padecemos de uma dificuldade que são professores do século XX, alunos do século XXI e metodologia do século XIX. Então, nós temos colisões. Nós temos vários momentos em que, no lugar de se produzir uma energia de movimento coletivo, cria-se fossos.
Essa atualização exige, primeiro, que a tecnologia nos auxilie, mas que ela não seja entendida como sendo definitiva. Nem informatolatria, que é a adoração do mundo digital, e nem informatofobia, que é o pânico do mundo digital.
Por exemplo, a plataforma mais antiga de conhecimento é o livro. Em papiro, em pergaminho, em papel, em plataforma digital, seja o que for. Nesse sentido, a gente não pode descartar a intenção maior de uma sociedade que se renova: ter condições de convergências e não de exclusões.
Várias coisas que a gente fazia no campo pedagógico mudaram. [Por exemplo], o uso autoritário da docência. A autoridade é necessária, mas o autoritarismo é descartável. Uma atenção aos conteúdos, sem ser conteudista, isto é, sem supor que só o conteúdo importa, entendendo que importam também as formações de convivência, as percepções de solidariedade. A escola não é um lugar só de treinamento, no sentido técnico do termo, mas um lugar de convivência social. E, acima de tudo, de experiências socioculturais.
Nessa hora, quando as pessoas imaginam um mundo de mudança, é observar, daquilo que já fizemos, o que ainda tem validade para levar adiante e aquilo que não cabe mais, deixar para trás.
Hoje a tecnologia muda em alta velocidade e tentamos acompanhar esses movimentos. Qual a melhor forma de se adaptar e de colocar essa tecnologia no dia a dia, sem entrar em uma corrida sem sentido?
De maneira geral, é difícil você cortar um legume com um martelo. É muito difícil você conseguir descascar uma laranja com uma chave de fenda. É até possível, mas não só estraga como dá um trabalho imenso. Por isso, tudo que é ferramental dependerá do objetivo que você tem. Pensar que a gente tem que introduzir a tecnologia que se renova o tempo todo? Não. Tudo dependerá do objetivo.
A ideia mais clara não é o que nós usamos no dia a dia, é para onde nós queremos ir. Portanto, é preciso clareza em relação a qual é o objetivo, e, aí, sim eu escolho as ferramentas que são úteis para isso.
Senão, se cai na armadilha de supor que vamos acompanhar uma tecnologia que, inclusive, tem um nível de obsolescência que é muito mais forte. Eu tenho 50 anos de magistério, várias das coisas que já fiz, deixei de fazer. Mas algumas que eu fazia, eu faço meio século depois e elas têm resultado.
Isso significa que as ações que continuam relevantes não podem se ancorar em algo que tem uma velocidade de passagem e que, em vários momentos, pode ser moda [como alguns recursos tecnológicos].
E, por último, há uma diferença entre o novo e a novidade. Novo é aquilo que, ao chegar, reinventa, recria, refaz e segue. Novidade é passageira. Ela chega, faz um certo movimento, uma certa turbulência e, então, desaparece. O mundo da moda é o mundo da novidade. É disso que se vive, isto é, da substituição contínua. A área de Educação não pode ser uma questão de moda. Ela tem que lidar com o novo e não apenas se amarrar à novidade.