Educação & Cultura
Virei prostituta para ter a mesma liberdade que os homens, diz autora
Na biografia Puta História, Fátima Medeiros reconta seus mais de 30 anos como trabalhadora sexual e ativista. “Quero combater preconceitos”
Na Salvador de fins dos anos 1980, havia um casarão muito mal-ajambrado em cujo primeiro andar funcionava um bordel. Era a “Casa de Amanda”: uma cafetina trambiqueira, testemunha de Jeová fervorosa, que gostava de enfeitar móveis e badulaques com paninhos de crochê. Nos dias mais agitados, Amanda insistia que as mulheres sob seu comando vendessem bebidas caras aos clientes. Especialmente vinho ou Campari, que ela substituía por suco. Já nos dias de clientela escassa, Amanda reunia as prostitutas na sala de casa: em círculo, oravam para que o movimento melhorasse.
“Se Jorge Amado aparecesse na Baixa dos Sapateiros, saía de lá com um livro pronto”, brinca Fátima Medeiros, referindo-se a um dos bairros do centro de Salvador. Fátima trabalhou na Casa de Amanda por alguns meses. Saiu de lá porque discordava do conservadorismo da dona, e porque já estava cansada de tanto rezar.
Presidente da Associação das Prostitutas da Bahia (Aprosba), Fátima Medeiros é uma mulher de cabelos castanhos que usa repartidos ao meio. Faladeira, emenda um assunto no outro. A quem quer que pergunte — e mesmo a quem não perguntar — ela conta ser prostituta há 35 anos. Foi esse o trabalho que escolheu ainda na juventude.
Trabalho, sim, e escolha também, ela ressalta. Desde 2002, o ministério do Trabalho e Emprego reconhece o trabalho sexual como ocupação, incluído no Código Brasileiro de Ocupações (COB) sob o número 5198-05. Foi trabalhando como prostituta que Fátima viajou pelo país, alimentou as filhas e construiu uma casa para a mãe. Foi como trabalhadora sexual, também, que Fátima se encontrou no ativismo: desde meados dos anos 1990, organiza as colegas para defender os direitos da categoria. Na ausência de um Jorge Amado para contar sua história, decidiu ela mesma escrevê-la e publicar em livro.
Em Puta História (Ed. Ofícios Terrestres, 106 páginas), Fátima reúne uma galeria de personagens digna da ficção, mas que ela garante terem existido. Apresenta, também, os aprendizados e reflexões acumulados em décadas de ativismo. “Resolvi escrever minha história para combater os estigmas que pesam sobre a profissão”.