Segurança Pública
Especialistas Criticam Interferência dos EUA em Contrato de Caças Gripen
A recente intimação feita pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos à fabricante sueca Saab, exigindo esclarecimentos sobre o contrato firmado com a Força Aérea Brasileira (FAB) para a compra de 36 caças Gripen NG, levantou um debate importante. A ação dos EUA foi vista por muitos especialistas como uma interferência injustificada em um acordo estratégico entre o Brasil e a Suécia, dois países soberanos que conduziram a negociação com base em seus interesses nacionais.
A intimação da Saab ocorreu no último dia 10 de outubro, revisitando questionamentos sobre o real alcance das investigações americanas em transações comerciais internacionais. Para Evandro Carvalho, professor de Direito Internacional na FGV-RJ e na UFF, a intervenção é uma clara mistura de interesses econômicos e geopolíticos por parte dos Estados Unidos, algo que, segundo ele, vem se tornando cada vez mais comum em operações de defesa.
Carvalho destacou que transações envolvendo tecnologia militar, como a compra de caças, são naturalmente delicadas e frequentemente alvo de tentativas de controle por potências estrangeiras. “Trata-se de uma rede complexa de exigências jurídicas que visa promover a política externa dos EUA. O que surpreende é o fato de o Brasil, soberano em suas escolhas, se tornar alvo dessa investida”, afirmou.
Ainda segundo o especialista, o Departamento de Justiça dos EUA não possui autoridade para interferir diretamente no contrato entre a Saab e a FAB, a menos que haja um vínculo jurídico que imponha restrições sobre o compartilhamento de tecnologias sensíveis entre as partes. “A única legitimidade para tal intimação poderia residir em uma possível violação de acordos tecnológicos que a Saab tenha com os Estados Unidos, o que justificaria mais informações. Fora isso, não há razão para a interferência”, pontuou.
Carvalho também sugeriu que a preocupação dos Estados Unidos pode estar relacionada à capacidade do Brasil de desenvolver e operar caças militares com tecnologia avançada, em cooperação com empresas estrangeiras, o que reforça ainda mais o caráter estratégico da aquisição dos Gripen NG.
Para Marcos Barbieri, economista e especialista em indústria aeroespacial pela Unicamp, a escolha dos caças Gripen NG foi acertada. Ele lembrou que o modelo sueco superou concorrentes de peso na licitação realizada em 2008, como o F-18 Super Hornet, da Boeing, e o Rafale, da Dassault Aviation. O contrato, fechado em 2014, marcou um momento crucial na modernização da frota da FAB.
“A grande vantagem do Gripen NG em relação aos concorrentes foi o custo-benefício. Além de ser mais econômico tanto na compra quanto na operação, o modelo proporcionou a transferência de tecnologia para empresas brasileiras, com a Embraer participando ativamente no desenvolvimento final do caça”, ressaltou Barbieri.
Ele destacou ainda um ponto técnico que diferencia o Gripen NG: enquanto o F-18, por exemplo, opera com duas turbinas, o Gripen utiliza apenas uma, o que reduz significativamente os custos de manutenção e operação. “Esse é um fator que pesa muito na decisão de longo prazo de um contrato dessa magnitude”, explicou.
Outro ponto importante mencionado pelo economista foi o aspecto da transferência tecnológica, crucial para o fortalecimento da indústria nacional. Barbieri lembrou que a Embraer participou de várias fases do projeto, incluindo a integração de sistemas do avião, com destaque para o sistema aviônico, escolhido pelo Brasil, que optou por uma solução da israelense Elbit, parcialmente fabricada em território brasileiro, em vez da tecnologia americana.
Em resposta à intimação americana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista concedida no dia 11 de outubro à rádio O Povo/CBN, classificou a ação como um reflexo do “hegemonismo” dos Estados Unidos. Lula relembrou seu mandato anterior, quando optou por deixar a decisão sobre a compra dos caças para o próximo governo, apesar de sua preferência pelo modelo francês Rafale. “Os americanos nunca gostaram de a gente escolher o Gripen sueco. Eles queriam que comprássemos os aviões deles”, afirmou o presidente.
Por sua vez, a Saab, em comunicado divulgado no dia 10 de outubro, confirmou a intimação e informou que está disposta a cooperar com a investigação americana. A empresa sueca ressaltou que tanto autoridades brasileiras quanto suecas já haviam investigado o processo de licitação e não encontraram nenhuma irregularidade. “As investigações anteriores foram encerradas sem indicar qualquer irregularidade por parte da Saab”, afirmou a companhia em nota oficial.
A venda dos 36 caças Gripen NG, parte de um contrato firmado em 2014 durante o governo de Dilma Rousseff, já foi alvo de investigações no Brasil. Em 2016, o ex-presidente Lula e seu filho, Luis Cláudio Lula da Silva, foram acusados de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa no âmbito da operação Zelotes, que investigava possíveis irregularidades no processo de compra dos caças. Contudo, o processo foi arquivado em 2023 pelo ministro do STF, Ricardo Lewandowski, atualmente ministro da Justiça.
O contrato de compra dos Gripen NG, que envolveu um valor total de 39,3 bilhões de coroas suecas (equivalente à cerca de R$ 21,3 bilhões), inclui não apenas as aeronaves, mas também sistemas, suporte e um robusto programa de transferência de tecnologia, previsto para ser concluído em até 10 anos. Mais de 350 engenheiros brasileiros foram treinados, e os últimos 15 caças serão montados na unidade da Embraer, em Gavião Peixoto, São Paulo, marcando a cooperação entre Brasil e Suécia na área da defesa.
A intimação do Departamento de Justiça dos EUA à Saab pode ser vista como mais um capítulo na disputa por influência geopolítica e econômica no setor de defesa global. No entanto, o contrato dos Gripen NG é amplamente reconhecido como uma escolha estratégica para o Brasil, tanto pelo fortalecimento de sua defesa quanto pela capacitação da indústria nacional. Enquanto os desdobramentos da investigação americana continuam em curso, a parceria Brasil-Suécia segue sendo um marco na modernização da FAB e na transferência de tecnologia de ponta para o país.