Internacional
Mulheres reinavam no Peru há mais tempo do que se pensava
Consenso entre arqueólogos era de que povos guerreiros peruanos, como os moche, eram dominados por homens. Um trono de pedra, cabelos humanos e pinturas murais indicam a existência de um matriarcado no século 7
Um achado arqueológico fornece novos indícios de que cerca de 1.300 anos atrás as mulheres dominavam a civilização moche, no litoral noroeste do Peru. No sítio de Pañamarca, escavações revelaram em julho de 2024 um salão cercado de colunas em que se encontra um trono de pedra.
Datando do ano 650, ele apresenta marcas de uso no encosto. Sobre a peça foram encontrados cabelos humanos e pedras coloridas. E elaboradas pinturas murais mostram uma poderosa mulher coroada, acompanhada por uma lua crescente e animais marítimos.
Os cabelos encontrados levam à conclusão de que a figura não representa uma deusa, mas uma mulher real, possivelmente uma soberana, explica Jessica Ortiz Zevallos, diretora da equipe de pesquisa peruana-americana.
“Até agora nunca se tinha visto uma sala do trono para uma rainha, nem em Pañamarca, nem em nenhum lugar do Peru”, declararam os responsáveis pelo projeto arqueológico no centro religioso e político dos moche.
Célebre também por suas belas sepulturas, essa sociedade teve seu ápice entre 350 e 850.
O atual achado não é o primeiro levando a concluir que nela as mulheres detinham o poder: em 2006 foi encontrada a múmia da Señora de Cao, que teria reinado lá 1.700 anos atrás.
Tratou-se de uma grande sensação arqueológica, pois até então partia-se do princípio de que o povo guerreiro dos antigos peruanos fosse liderado por homens. Os arqueólogos costumam denominar a Señora de Cao “Cleópatra da América do Sul”. Porém o atual achado indica que ela não era a única mulher numa alta posição de poder entre os moche.
Papéis de gênero no Peru antigo de cabeça para baixo
“Pañamarca está sempre nos surpreendendo”, comenta Lisa Trever, professora de História da Arte da Universidade de Columbia. “Não só pela criatividade incansável de seus pintores, mas também porque suas obras colocam de cabeça para baixo as nossas concepções dos papéis de gênero no mundo arcaico dos moche.”
O sítio arqueológico é conhecido pelas coloridas e detalhadas pinturas murais lá reveladas. Além da sala do trono, um espaço com colunas amplas chamado Salão das Serpentes Entrelaçadas tem nas paredes imagens de grandes serpentes com pernas humanas, de guerreiros e uma criatura fabulosa aparentemente caçando um homem.
“Tudo é pintado e finamente decorado com cenas e figuras mitológicas”, confirma o arqueólogo José Ochatoma à agência de notícias Reuters, comparando a sala com a Capela Sistina do Vaticano, povoada com os afrescos do italiano Michelangelo.
Os murais “capturam cenas próprias da ideologia moche”, observa. “Essa iconografia não existia na época, no mundo pré-hispânico.” Após o fim da civilização moche desenvolveu-se na região o reino inca.
No momento, os murais de Pañamarca não estão acessíveis aos turistas, por serem excessivamente sensíveis. “Nós cobrimos as escavações para garantir a manutenção de longo prazo desse importante patrimônio cultural“, conta Ochatoma.
Os interessados pela cultura moche, porém, podem visitar outros sítios, como as pirâmides de El Brujo, nas proximidades da cidade litorânea Trujillo. Lá encontra-se também o Museu Cao, onde se pode admirar, entre outras peças, a múmia da Señora de Cao, a primeira soberana conhecida dessa antiga cultura.