Educação & Cultura
Enem 2024: mais inscritos, mas menos motivados
“Me sentindo nervosa, ansiosa, incapaz e incompetente, como se tudo que estudei ao longo dos anos fosse desaparecer a qualquer momento”
A frase acima é a resposta da Maria Fernanda, estudante do último ano do ensino médio da rede pública piauiense, à pergunta “Como está sua motivação em relação ao Enem 2024?”
A edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano contou com mais de 4 milhões de inscrições confirmadas, o maior número desde a pandemia, mas ainda bem longe dos mais de 8 milhões que o exame alcançava entre 2014 e 2016.
Em relação à quantidade de inscritos, é possível falar sobre uma recuperação pós-pandemia, mas é perigoso, e até mesmo ingênuo, universalizar essa inferência para todos os aspectos envolvendo o exame. O ponto é que a motivação dos estudantes ainda está bem distante da que podia ser facilmente vista no período pré-pandemia.
Lidero uma ação social de educação há 8 anos e tenho contato direto com jovens de todo o país. Para mim, tendo como base uma amostra diária de milhares de jovens, é nítido como a relação deles com o exame mudou. Vou além e digo até que nunca os vi assim tão desmotivados nos dias e semanas antecedendo a prova.
Falei com 63 jovens de 18 estados sobre o assunto para me ajudar com a missão de entender os bastidores por trás dessa problemática. Já adianto que é complexo e envolve mais camadas do que eu poderia trabalhar aqui nesta coluna. Portanto, nem tenho a pretensão de conseguir trabalhar todos os pontos.
Escola pública versus rede privada
“Acredito que na maioria das vezes é por conta de não se sentirem preparados, principalmente os estudantes de escola pública, que em muitas ocasiões não tem uma boa estrutura e grade curricular na escola onde possa ser dedicada somente ao Enem. A comparação também é um fator importante nesses momentos”, diz Dayse dos Santos, concluinte do ensino médio na rede do Amapá.
Dayse não está só. Milhões de jovens da rede pública sabem que há diferenças gritantes entre a rede que estudam e a privada. É claro que há escolas públicas que focalizam bastante nos exames e com altos índices de aprovação, como também há escolas particulares sem aprovação alguma. No entanto, na média, é fato que as escolas particulares se modelam quase que integralmente para o vestibular, diferente da rede pública.
Para além disso, há questões de infraestrutura que diferenciam essas redes e, por último, mas longe de ser menos importante, o perfil socioeconômico dos estudantes. No Brasil, a máxima para as famílias ricas é colocar o filho em uma boa, e cara, escola privada para que ele ingresse em uma boa, e pública, universidade.
Essa diferença entre os modelos de ensino abre margem para que comparações constantes sejam feitas entre os próprios estudantes e, como consequência, muitos acabam se sentindo não preparados e ainda mais desmotivados.
Escola pública e o novo ensino médio
Outro ponto presente nos relatos foi a questão do novo ensino médio. Sobre isso, Vitória da Silva, concluinte na rede Alagoense, diz: “Dificultou o aprendizado das principais matérias exigidas na prova Enem, os alunos mal têm aulas de filosofia, sociologia, física e química. Como não estar desanimado ao fazer uma prova onde vai cobrar tudo aquilo que não teve? Isso claro, falando sobre o ensino público brasileiro. Eu como estudante de escola pública a minha vida acadêmica inteira, em escolas do interior e região metropolitana de Alagoas, posso falar sobre o quão decadente o meu ensino fundamental e médio foi”
Acredito, que há uma tendência para que os vestibulares em geral, especialmente o Enem, se adaptem ao novo ensino médio, mas isso não é uma realidade atual e o exame segue cobrando disciplinas que muitos estudantes da rede pública, diferente dos da rede privada, tiverem as aulas sobre significativamente reduzidas ou até excluídas em algum momento da trajetória.
Para a Giovanna Aparecida, estudante do último ano do ensino médio na rede sul-mato-grossense, o Enem não apenas não ajudou como, muito pelo contrário, atrapalhou a preparação para o exame.
Pensam no futuro, mas não o associam com a educação
“O Enem é bastante complicado e muitos jovens não conseguem associar os estudos com o mercado de trabalho”, responde a jovem baiana Ana Clara, quando perguntada sobre sua opinião acerca da baixa motivação de seus colegas.
Taiara, sua conterrânea, concorda e vai além: “Acho que atualmente na sociedade que vivemos, o importante é trabalhar e não ter conhecimento e isso vem cada vez mais se espalhando entre os jovens”
Esse tópico abre uma verdadeira caixa de pandora. Às vezes, preciso confessar, pautada em algumas verdades, mas na maioria das vezes em desconcepções.
“Ah, o filho do vizinho fez engenharia e nunca conseguiu trabalho. Hoje trabalha como repositor em um mercado”. Quem nunca ouviu frases como essa? Eu, inúmeras vezes. Esse é um dos temperos essenciais para esse tópico e bem delicado. De um lado, é fato que o mercado de trabalho está em constante mudança e que no Brasil há sim inúmeros profissionais desempregados. O problema é quando esse argumento tenta sustentar a tese de que já não há mais relação entre escolaridade e salário e isso não é verdade. A literatura ainda mostra essa clara relação, ou seja, na média, quanto mais anos de escolaridade maiores os salários.
Agora misture o ingrediente acima com um jovem que é ansioso e imediatista. O resultado é uma maior propensão a consumir conteúdos de influenciadores digitais. Não apenas consumir pontualmente, mas a se viciar e a ter esses indivíduos como uma referência máxima, tanto no quesito padrão de vida, quanto, mais perigoso ainda, no quesito de os ter como referência intelectual.
Esses jovens, que na maioria são de baixa renda, que sofrem privações do mais básico e que anseiam por um futuro com mais conforto, simplesmente estão, em uma velocidade assustadora, não mais acreditando que isso virá através da educação. Afinal, estudar leva mais tempo, gasta mais energia, é mais duvidoso e, portanto, não tão vantajoso.