Judiciário
Afinal, o que é preciso para ser um árbitro no Brasil?
Painel na semana de arbitragem em São Paulo destrinchou práticas para profissionais do segmento, relevantes para fortalecer mecanismo extrajudicial
O Brasil se tornou um local estratégico no tabuleiro da arbitragem pelo mundo. Por isso, a formação de árbitros se tornou tanto uma oportunidade de carreira para os profissionais do Direito quanto necessidade para o desenvolvimento do mecanismo extrajudicial no país.
Organizada pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), a programação do XI Congresso de Arbitragem e da 17ª Conferência Bienal da IFCA (International Federation of Commercial Arbitration Institute) reuniu duas árbitras de diferentes gerações. Elas conversaram sobre os desafios da carreira, os requisitos necessários e as possibilidades formativas para quem deseja entrar na área.
Edna Sussman, árbitra e mediadora israelense com nacionalidade americana – e que já atuou em mais 300 disputas comerciais e mais de 200 mediações comerciais complexas domésticas e internacionais – conversou com Giovana Benetti, sócia de Judith Martins-Costa Advogados, árbitra e secretária de tribunais arbitrais desde 2010.
A maioria do público que acompanhou a conversa entre as árbitras era composta por advogados que ainda não atuam em câmaras arbitrais, mas que são entusiastas da área. O Brasil se tornou um dos principais pólos de arbitragem no mundo em número de disputas, o que justifica o interesse que muitos profissionais demonstram em saber mais sobre o tema e o desejo de trabalhar na área.
Um dos motivos para isso é que o Brasil tem alta litigiosidade, o que (entre outros fatores) contribui para o acúmulo e para a morosidade do sistema público de adjudicação de disputas. Para se ter ideia, segundo dados da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud), 82,4 milhões de ações judiciais estão em tramitação em todos os tribunais do país, sendo que 35,2 milhões de novos processos foram iniciados em 2023.
Nesse cenário, e desde a promulgação da Lei da Arbitragem (Lei 9.307/ 1996), tem ocorrido uma significativa evolução do mercado brasileiro de arbitragem. Essa alternativa contribui para a resolução de conflitos de modo mais rápido e com a possibilidade de indicação de árbitros com notório saber nos assuntos discutidos. Além da confidencialidade, em alguns casos, a arbitragem pode também ser menos custosa que o Judiciário.
Com a presença de muitos fundos de investimento, o Brasil atrai cada vez mais investidores e cria um cenário propício para o fortalecimento da arbitragem brasileira, que já recebe destaque internacional.
O que é preciso para se tornar árbitro e se destacar na área?
Para ser árbitro, é preciso demonstrar sólido conhecimento na área da advocacia e, preferencialmente, conhecimento e experiência em assuntos específicos. Isso é primordial para se destacar e ser convidado para arbitrar questões que envolvem o tema de especialidade. Mas, além disso, o que pode ser feito para atuar na área?
Edna Sussman iniciou a conversa compartilhando sua trajetória profissional e o que a atraiu para a arbitragem. Ela contou que teve uma ótima experiência como magistrada em um Tribunal de Justiça, mas em determinado momento começou a ficar frustrada com a duração e complicações dos processos.
“Eu não conseguia fazer as ações caminharem, elas apenas se arrastavam indefinidamente e custavam uma fortuna. Assim, simplesmente não sentia que eu estava fazendo algo muito produtivo”, recordou.
Além disso, ela almejava mais flexibilidade de horários e locais de trabalho. “Estava cansada de voltar tarde do escritório, pois tinha que colocar meus filhos na cama. Queria um trabalho mais flexível e mais gratificante. Então, pensei: a arbitragem parece ser uma maneira muito melhor de resolver disputas. Vou tentar isso! Entrei no painel da AAA (American Arbitration Association) logo depois que deixei o escritório”, conta.
Para aqueles que estão entrando na carreira, o conselho de Giovana Benetti é unir-se a grupos com o mesmo interesse e ter paciência para iniciar cumprindo papeis menores dentro dos processos, mesmo já tendo experiência em outras áreas. Esse foi o caminho seguido por ela, que desde a época em que cursava Direito participava de grupos de estudos sobre arbitragem.
“Esse primeiro contato me motivou muito. Iniciei na orientação de estudos, mais tarde trabalhei como secretária de arbitragem e um tempo depois passei a atuar como sênior. Como qualquer jovem, eu não tinha experiência prévia, o que é um dos maiores desafios para ingressar em qualquer área, mas felizmente encontrei pessoas que me deram uma oportunidade”, contou.
Outra dica dada por Edna é estabelecer uma boa reputação. Segundo ela, isso pode ser feito de diferentes maneiras, desde que o profissional evidencie sua capacidade analítica, crítica e sua ponderação. Ela contou que participava de listas de discussões sobre arbitragem, onde postava muitos textos e comentários sobre o assunto. Assim, começou a ser conhecida no meio em diversos locais do mundo.
“Nem todo mundo gosta de escrever, nem todo mundo gosta de falar, mas todo mundo gosta de fazer algo útil para colocar seu nome em evidência. Portanto, empenhe-se em descobrir o que funciona para você”, aconselhou.
Além de fortalecer a imagem profissional pessoal, é essencial estabelecer uma rede de contatos com outras pessoas, o famoso networking. Os eventos, nacionais e internacionais, são uma boa oportunidade para isso, além de serem importantes momentos formativos. Entretanto, é preciso estratégia e esforço para que a participação vá além de acompanhar discussões – para, de fato, oportunizar uma interação mais próxima entre pares.
“Uma amiga minha convida pessoas para um jantar no final de dias de evento. Eu me arrependo de não ter feito isso ao longo dos anos. Já nos acostumamos a estabelecer muitos contatos rápidos, então por que não sentar-se com quatro ou cinco pessoas e realmente solidificar essas relações e estabelecer um contato verdadeiro? Você pode fazer amigos em todo o mundo”, sugeriu Edna Sussman.
Aumentando a rede de contatos
Essa mesa de discussão fez parte da 7ª edição da São Paulo Arbitration Week (SPAW), a semana internacional de arbitragem de São Paulo, que ocorreu de 14 a 18 de outubro. A programação contou com uma série de painéis e entrevistas com especialistas brasileiros e estrangeiros sobre os caminhos e tendências na resolução de conflitos que envolvem múltiplas partes e setores.
A realização de eventos internacionais no Brasil indica a forte oportunidade do estabelecimento de uma rede de contato abrangente.
Árbitros lidam com pessoas o tempo todo, e segundo Edna e Giovana, a capacidade de manter uma boa relação, ética e respeitosa, com a equipe e com as partes envolvidas nos processos é uma habilidade essencial para um árbitro de sucesso. Nesse aspecto, a maior dificuldade para alguns é alcançar o equilíbrio entre boas relações, flexibilidade para a tomada de decisões e ética profissional. Faz parte da profissão considerar diferentes opiniões, mas também é preciso ser firme e não renunciar a certas convicções.
Sobre o futuro da arbitragem, Edna destacou a importância da adaptabilidade para o novo, o que inclui aprender a utilizar a inteligência artificial (que também foi discutida no evento) para facilitar e enriquecer processos de trabalho.
“Meu irmão era advogado na Polônia na década de 1930 e quando lançaram pequenos gravadores, com apenas quatro botões, não conseguiu usar porque era ‘tecnologia demais’ para ele. Hoje, as mudanças são muito mais rápidas e todos nós teremos que ser flexíveis e muito ativos para acompanhar o avanço. Ao contrário do meu irmão, não podemos mais nos dar ao luxo de recusar as mudanças, ou ficaremos para trás”, concluiu a árbitra.