Educação & Cultura
Da sondagem à avaliação externa: medindo o progresso na alfabetização
Essenciais para monitorar o aprendizado e orientar políticas educacionais, as avaliações externas ajudam a entender e melhorar o processo de leitura e escrita dos estudantes
Estamos nos aproximando do final do ano letivo, período que traz, além das avaliações finais preparadas pelas escolas, as avaliações externas das Secretarias de Educação municipais e estaduais – também chamadas de avaliações em rede ou em larga escala. Elas têm o objetivo de medir o desempenho escolar de alunos do Ensino Fundamental e Médio e, a partir dos resultados, é produzido um diagnóstico da Educação Básica da rede.
“As avaliações externas trazem dados que subsidiam tomadas de decisões estratégicas das Secretarias de Educação. Esses dados fornecem indicadores que possibilitam às redes de ensino avaliarem o avanço das aprendizagens, o efeito das políticas educacionais implementada, os pontos críticos, bem como a equidade de aprendizagem, seja numa perspectiva global ou com recortes contextuais, como cor e raça, sexo, localização e contexto socioeconômico”, diz Hylo Leal Pereira, coordenador do Núcleo de Avaliação da Associação Bem Comum, instituição responsável pelos programas Educar pra Valer (EpV) e da Parceria pela Alfabetização em Regime de Colaboração (PARC). “A partir disso, é possível estabelecer novas metas e estruturar e atualizar políticas curriculares, de formação continuada de professores, etc.”
No caso específico dos ciclos de alfabetização, as avaliações externas desempenham um papel importante no diagnóstico da aprendizagem das crianças. Elas permitem mapear as habilidades dos alunos em leitura, escrita e matemática, gerando dados essenciais para entender o progresso educacional nos anos iniciais.
“Com as avaliações externas, os professores têm uma visão do desempenho dos seus alunos individualmente e podem compará-los com a avaliação geral. Assim, é possível ter clareza dos pontos fracos e fortes e rever planejamentos, traçar diretrizes, pensar em prioridades e melhorar o trabalho pedagógico na escola”, acrescenta Silvia Gasparian Colello, professora da pós-graduação em Educação, Psicologia e Linguagem da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista.
Vanessa Santos Martins, professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, costuma utilizar os dados das avaliações internas e externas para ter uma visão mais ampla da condição de aprendizagem de seus alunos da UEB Hortência Pinho e da UEB Nossa Senhora das Mercês, em São Luís (MA). “O processo avaliativo na alfabetização é fundamental para analisar o perfil de cada estudante e, a partir disso, traçar metodologias para trabalhar de forma mais individualizada com cada um, focando no que ele precisa desenvolver para avançar na aprendizagem.”
Primeiro passo: sondagem diagnóstica
Antes de pensar em como se preparar para as avaliações externas e o que fazer com seus resultados, os professores têm que saber como os estudantes estão hoje e qual o nível de alfabetização deles. O ideal é partir de uma avaliação diagnóstica para fazer essa verificação. Há três grandes motivos para isso, segundo Débora de Freitas Viégas, assessora da direção na Associação Bem Comum:
- identificação de quais habilidades inerentes ao processo de alfabetização as crianças já consolidaram e quais ainda estão em processo de desenvolvimento;
- possibilidade de o professor replanejar seu fazer docente de acordo com as necessidades observadas para cada turma de estudantes e, às vezes, para alunos específicos;
- mobilização não apenas do professor, mas de toda a escola e a comunidade em torno das aprendizagens já garantidas e a serem desenvolvidas pelas crianças. “Isso faz com que o professor não se sinta tão só nesse árduo desafio que é o de garantir as aprendizagens básicas aos alunos. Podemos dizer que o bom teste de sondagem é aquele que consegue ter uma linguagem clara o suficiente para comunicar-se com todo esse grupo”, aponta a assessora.
De olho na qualidade da avaliação
Na sondagem, é importante que o professor fique atento às hipóteses de escrita, que são a pré-silábica, a silábica, a silábica alfabética e a alfabética. Mas é preciso ir além. “A alfabetização é um processo muito mais complexo, que envolve muitas outras frentes cognitivas. E a capacidade de reflexão metalinguística? Como anda a consciência fonológica? A relação da oralidade com a escrita?”, questiona Silvia. “São tantos os eixos cognitivos que fazem parte desse processo, que eu acho muito reducionista a gente fazer uma sondagem diagnóstica contando só com um deles. E ela deve ser feita ao longo de todo o ano letivo”, orienta.
Se tem uma lacuna em um desses aspectos, isso pode afetar todo o processo de alfabetização dos alunos e ser detectada tardiamente. “Eu recebi estudantes no 6o ano que não estavam bem alfabetizados em Matemática e nem em Língua Portuguesa”, conta Alessandra Novak, que já foi educadora dos Anos Finais do Ensino Fundamental e hoje é formadora de professores da Ânima Educação, em Joinville (SC). “Quando eu fui trabalhar habilidades relacionadas à temperatura, como mudança de estado físico, os alunos não sabiam o que era reta numérica. Isso deveria ter sido diagnosticado em uma sondagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental.”
Caminhos para uma boa sondagem
Existem várias abordagens, ferramentas e metodologias para realizar a avaliação diagnóstica. Confira cinco possibilidades sugeridas pelos especialistas consultados
1. Uma abordagem amplamente utilizada é a avaliação de fluência leitora. “Seu resultado permite aos professores alfabetizadores identificar habilidades básicas, como a capacidade de ler oralmente palavras e pequenos textos em um determinado espaço de tempo, e avaliar o quanto a criança já internalizou o processo de automatização da leitura”, detalha Hylo.
2. Outra estratégia bastante usada é a sondagem de escrita. “Nessa atividade, a criança pode ser convidada a escrever palavras, frases e/ou textos (a partir de ditados, por exemplo) e sua escrita é analisada conforme as hipóteses de escrita”, diz Débora.
3. Uma terceira atividade de sondagem indicada pelos especialistas da Associação Bem Comum, também muito conhecida, é a aplicação de “provinhas” de múltipla escolha de Língua Portuguesa e de Matemática. Elas seguem o exemplo do que foi a Provinha Brasil, criada em 2007 e posteriormente substituída pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
4. Outra possibilidade ainda é promover atividades mais lúdicas ou até mesmo um bate-papo com as crianças. “Não precisa ser uma avaliação formal. Pode ser uma atividade em grupo, trazendo situações do cotidiano, por meio de uma brincadeira ou diálogo. É uma boa forma de identificar quais são os conhecimentos e as aprendizagens básicas de cada criança”, sugere Alessandra.
5. Além das atividades em grupo, são importantes também as sondagens individuais. “Na semana que é realizada a sondagem, eu passo uma atividade para a turma e chamo cada aluno individualmente na minha mesa. Peço para escrever uma palavra ou uma frase ou ler um texto. Anoto tudo no meu caderno. Assim, eu tenho uma visão mais ampla sobre cada criança e o que ela ainda precisa desenvolver”, conta Vanessa.
Como se preparar para as avaliações externas
Depois da sondagem, o passo seguinte é preparar a turma para enfrentar as avaliações externas. Muitas escolas ficam preocupadas em alcançar bons resultados e fazem um esforço de preparação pensando apenas nas matrizes que caem nas provas. Mas isso é um bom caminho? Os especialistas dizem que não.
“Toda avaliação externa compreende um recorte do currículo. Logo, reduzir os objetivos de aprendizagem dos estudantes à matriz de avaliação, seja qual for, pode ser compreendido como uma forma de não propiciar aos alunos todas as suas potenciais aprendizagens [que devem ser] garantidas pela escola. Isso é muito negativo e não deve, portanto, fazer parte da proposta pedagógica das escolas”, afirma o coordenador Hylo.
Para a professora Silvia, preparar-se para alcançar bons resultados na avaliação é uma verdadeira inversão do processo. “A ordem natural das coisas deveria ser o professor fazer um bom trabalho, as crianças aprenderem, depois serem avaliadas e, por fim, olhar para os resultados. A prova avaliativa está justamente para avaliar um trabalho e não para ser critério de organização do trabalho escolar.”
Alessandra vê mais um risco nisso. “Se a avaliação se torna um objetivo do processo, ela pode camuflar resultados sobre a aprendizagem dos alunos e, consequentemente, impactar a vida acadêmica deles na escola. Além disso, se perderá uma grande oportunidade de o poder público olhar para essa realidade e buscar soluções a partir dos resultados” alerta a professora.
Atividades preparatórias com foco no desenvolvimento
O trabalho de atividades preparatórias deve acontecer ao longo de todo o ano letivo e não apenas às vésperas das provas. E deve ter o apoio da gestão escolar, com orientações, feedbacks e acompanhamento pedagógico.
Com o diagnóstico, o educador pode checar quais são as aprendizagens que ainda precisam ser desenvolvidas ou consolidadas e, a partir daí, criar atividades específicas em grupo ou individualmente. “Se o objetivo de aprendizagem a ser alcançado é a de fazer listagens, o professor pode propor uma atividade escrita, oral, um desenho, um esquema, um mapa mental, um fluxograma, inúmeras estratégias diferentes. Tudo vai depender dos resultados do diagnóstico”, sugere Alessandra.
Outra possibilidade é abrir uma roda de conversa com a turma para tratar do assunto. “Fale sobre o que é a avaliação, para que ela existe e como cada um tem que se comportar nessa prova. Diga para fazerem o melhor que puderem, do jeito que aprenderam. Assim, os alunos se sentirão à vontade, sem tensão, com tranquilidade. A ideia não é o professor ensinar ‘truques’ para ter um bom resultado”, aconselha Silvia.
A professora Vanessa costuma fazer pequenos simulados com seus alunos. Assim, eles aprendem a marcar o gabarito e compreendem como é a estrutura de uma avaliação externa. “Todo esse processo é realizado não com o intuito de treinar a criança para uma avaliação, mas de desenvolver nela a habilidade de leitura, de escrita, de autonomia, de independência e de proatividade, para que ela compreenda que é capaz”, reforça.
Depois da prova, é hora de analisar os resultados
Não basta apenas fazer a avaliação e ter o dado pelo dado. Posteriormente, é importante a equipe escolar se reunir e analisar os resultados para traçar estratégias, utilizando essas informações a seu favor.
A assessora Débora sugere que os resultados sejam examinados com a maior brevidade possível para que as ações consigam ser planejadas em tempo hábil para reverter casos mais desafiadores. “É importante que essa análise inicial seja realizada pela gestão da escola, que poderá pensar em ações estruturantes, como a elaboração, junto aos professores, de planos de ação pautados nos resultados das avaliações.”
Os professores também podem traçar o perfil da sua turma e de cada estudante, observando quais conseguiram alcançar os melhores resultados e os que ainda precisam desenvolver determinadas habilidades. A partir daí, devem pensar em planos de ação. “Para afinar esse olhar, o educador deve entender se, no grupo de estudantes com baixo desempenho, existem fatores comuns. Caso isso ocorra, é relevante que ações pedagógicas direcionadas a esse grupo reflitam o esforço de superar os fatores externos ou internos enfrentados por cada uma das crianças”, recomenda Hylo.
A professora Vanessa compartilha como analisa os dados e replaneja ações para seus alunos. “Eu realizo atividades diferentes e específicas para cada grupo de alunos: os leitores de textos, os de frases, os de palavras, os de sílabas e os não fluentes. Assim, a criança cria sua autonomia e independência na resolução dos exercícios, cada uma no seu tempo.”
As avaliações por si e como um fim em si mesmo não alcançam a relevância necessária dentro do processo de aprendizagem. “Para que o uso de seus resultados seja efetivo, é importante que a estratégia de avaliação da aprendizagem esteja acompanhada de um processo de formação continuada tanto de professores quanto de gestores escolares. E também deve haver um acompanhamento contínuo das atividades desempenhadas no âmbito da escola e da sala de aula”, conclui o especialista Hylo.
Ferramenta de sondagem da NOVA ESCOLA
Recurso permite comparar os resultados ao longo do ano, observar o progresso de cada aluno e o nível de alfabetização da turma
A NOVA ESCOLA tem uma ferramenta de sondagem que pode auxiliar os professores a registrar os resultados da avaliação diagnóstica. Com ela, é possível acompanhar o progresso de cada estudante, ter acesso a gráficos do desempenho da turma, além de sugestões de planos de aula.
“A ferramenta é bem intuitiva, de fácil utilização e visualização dos dados. Os professores conseguem, por exemplo, cadastrar suas turmas e inserir, mensalmente, os resultados das sondagens realizadas com cada um de seus alunos. Após a inserção, é possível ver como está a distribuição dos resultados por turma”, afirma a assessora Débora.
“Usei a ferramenta logo que voltamos das férias escolares, em agosto. Achei muito prática e criativa. Pude registrar todas as sondagens específicas de cada aluno e ter uma visão geral da turma em gráficos. Além disso, utilizei também as sugestões de planos de aula, que são condizentes com as várias realidades das escolas do Brasil. É possível fazer adaptações de acordo com a região, como é o meu caso aqui no Maranhão”, conta a professora Vanessa.
Fonte: Nova Escola