Judiciário
O direito ao silêncio do acusado no plenário: garantia constitucional inegociável

No âmbito do Tribunal do Júri, o direito ao silêncio do acusado é uma garantia fundamental prevista na Constituição e reafirmada pelo Código de Processo Penal. Este artigo busca abordar a legalidade desse direito, sua extensão no procedimento do júri e os limites impostos à argumentação da acusação, visando a impedir interpretações que prejudiquem a defesa.
Este artigo foi pensado após um dos meus últimos plenários do Tribunal do Júri acontecido recentemente, onde o agente do Ministério Público, no momento dos debates diz a seguinte frase: “quem quiser sentar na cadeira de juiz que faça concurso para magistratura”. Este advogado, sem entender absolutamente nada da frase mencionada pelo promotor de justiça, e sendo seu primeiro júri com aquele promotor e naquela cidade, faz um aparte para que o promotor de justiça explique o sentido da frase, que para a minha surpresa ele diz uma outra frase: “o senhor quer sentar na cadeira do juiz novamente?”.
Neste momento, levanto do local onde estava sentado ao lado do réu e vou ao encontro do magistrado para consignar em ata a situação, que, de fato, considero um absurdo. Aliás, é necessário consignar em ata todos os atos, pois isso resguarda a sua atuação e permite futura análise da eventual violação de prerrogativas da advocacia. Comentários como esse do promotor podem configurar tentativa de desqualificação do trabalho da defesa e desrespeito às garantias do acusado.
Por fim, ainda mais absurdo foi, após conversar reservadamente com o promotor e o mesmo me explicar dizendo que na visão dele é “inadmissível” o juiz não poder formular perguntas para o acusado, mesmo sabendo do direito constitucional do silêncio ou mesmo sabendo que suscitando o silêncio do réu em plenário, isso poderá causar a anulação e a dissolução do plenário do Tribunal do Júri.
Não preciso dizer que no momento do interrogatório o acusado reservou-se de ficar em silêncio.
Direito ao silêncio na ordem constitucional brasileira
O direito ao silêncio está expressamente previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição, que estabelece: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Esta prerrogativa se estende não apenas ao momento da prisão, mas a todo o trâmite processual, incluindo também a fase de plenário do Tribunal do Júri.
O Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 678/1992, também resguarda esse direito, em seu artigo 8º, inciso 2, alínea “g”, reforçando a impossibilidade de interpretação do silêncio como confissão ou elemento prejudicial ao acusado.
Legalidade do silêncio seletivo no plenário do Tribunal do Júri
A prerrogativa ao silêncio não impõe ao acusado a obrigação de se manter em total mudez. Ele pode, legitimamente, optar por responder apenas às perguntas formuladas por sua defesa, recusando-se a responder questionamentos da acusação, magistratura, outras advogadas e advogados, assistente de acusação, bem como não responder as perguntas formuladas pelo corpo de juradas e jurados, sem que disso decorra qualquer prejuízo.
Aliás, a prerrogativa ao silêncio é tão plena e séria que o acusado poderá não responder a sua própria bancada defensiva, sendo que isso não poderá causar-lhe nenhum prejuízo.
A jurisprudência pátria, especialmente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tem assentado que o direito ao silêncio deve ser interpretado de forma ampla, garantindo ao acusado não apenas a possibilidade de permanecer calado, mas também de exercer seu direito de defesa da forma que melhor entender, sem sofrer coerção[1].
Importante salientar que o direito ao silêncio é um meio de prova, pois é a primeira oportunidade que tem o acusado em ser ouvido, garantindo a sua autodefesa, quando narrará sua versão do fato, podendo negar a autoria e indicar provas em seu favor. Poderá ainda ficar em silêncio sem que isso cause-lhe qualquer prejuízo à sua defesa ou, então, é possível que assuma a prática do fato criminoso, alegando em sua defesa alguma excludente de ilicitude ou culpabilidade[2].
O direito constitucional ao silêncio do acusado deve ser entendido como um pressuposto do direto de não comparecer à audiência, pois, se o acusado é representado, em juízo, pelo seu advogado e, em acordo com ele, optar por não comparecer em audiência, o Estado não pode obriga-lo a fazê-lo, sob pena de obrigar o acusado a depor contra si mesmo[3].
Ainda, o artigo 186, do Código de Processo Penal, dispõe a seguinte redação: “Art. 186. “Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas”. Ou seja, no sentido de que o acusado não pode ser incriminado por manter-se em silêncio.
Não há como negociar um direito constitucional e infracional do direito ao silêncio. Não há mais espaço no ordenamento jurídico nacional o uso inadequado pelo ministério público mencionando o silêncio do acusado.
Para a defesa, é uma garantia fundamental que protege o acusado contra coerção estatal e evita que ele seja forçado a produzir provas contra si mesmo. Para a acusação, pode parecer um obstáculo na busca pela verdade, já que o silêncio pode impedir o esclarecimento de fatos importantes.
Mas, no fim das contas, essa regra existe para equilibrar o processo penal e garantir que o Estado, com todo seu aparato investigativo, não transfira ao réu o ônus da prova. O Ministério Público tem que provar a culpa, e não o acusado provar sua inocência, conforme preceitua o artigo 156 do Código de Processo Penal, transcrito abaixo:
A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I…
II…
Limites da argumentação da acusação
É vedado ao Ministério Público ou ao assistente de acusação fazer uso do silêncio do réu como estratégia retórica para influenciar as juradas e/ou os jurados de forma indevida. A utilização desse argumento afronta não apenas a Constituição, mas também o entendimento pacífico dos tribunais superiores.
Assim, são condutas ilícitas e passíveis de nulidade do julgamento as seguintes práticas:
- Sugerir que o silêncio do acusado é uma confissão tácita;
- Afirmar que a defesa busca “sentar na cadeira do juiz” ao orientar o acusado a exercer seu direito ao silêncio;
- Insinuar que o réu, ao se calar, é culpado dos fatos que lhe são imputados.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm anulado julgamentos em que houve manifestações acusatórias desta natureza, por comprometerem a paridade de armas e o devido processo legal.
Conclusão
O direito ao silêncio do acusado no plenário do Tribunal do Júri é uma garantia constitucional inafastável, que permite ao réu escolher se manifestação de forma estratégica sem qualquer prejuízo à sua defesa.
O Ministério Público e os assistentes de acusação devem respeitar esse direito, abstendo-se de qualquer referência que possa induzir as juradas e os jurados a interpretar o silêncio como indício de culpa.
O desrespeito a essa prerrogativa compromete a lisura do julgamento e pode ensejar a nulidade do veredicto, reforçando a importância da estrita observância das garantias fundamentais no procedimento do Tribunal do Júri.
[1] RHC 213.849 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, red. do ac. min. Edson Fachin.
Rcl 33.711, rel. min. Gilmar Mendes, j. em 11-6-2019, 2ª T, DJE de 23-8-2019.
RE 971.959, rel. min. Luiz Fux, j. 14-11-2018, P, DJE de 31-7-2020.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal, 2ª ed, rev. e atualizada, com comentários à Lei de Tortura. Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 163.
[3] RANGEL, Paulo. Tribunal do júri visão linguística, histórica, social e jurídica. 6ª ed. Ver. Atualizada e ampliada. Ed. Atlas, 2018, p. 216.