Internacional
Coreanos na Ucrânia: entre tradição e cotidiano de guerra
Até a invasão russa, 300 famílias de origem coreana viviam num vilarejo no sul do país. Como chegaram até lá, como subsistem na guerra, que perspectivas veem para seu futuro no país do Leste Europeu?

“Por que nós, coreanos, viemos para a Ucrânia? Para trabalhar no campo! As condições aqui são boas para o cultivo de legumes”, diz Olena Pak, moradora da comunidade de Shevchenkove, no sul do país do leste europeu. Seus pais, assim como os de seu marido, Oleh, também de etnia coreana, vieram do Uzbequistão para a Ucrânia na década de 1970. “Eles arrendaram terras estatais, trabalharam nelas e fizeram planos. Havia muitos trabalhadores rurais coreanos”, lembra Oleh Pak.
Na região de Mykolaiv, no sul, existe há mais de meio século um dos maiores assentamentos de coreanos da Ucrânia. O caminho deles até lá foi longo. Eles imigraram principalmente nas décadas de 1950 e 1960, a maioria da Ásia Central, onde chegaram na década de 1930 como resultado das deportações do extremo oriente pela antiga União Soviética. Muitos deles haviam fugido para aquela área para escapar da ocupação japonesa da Coreia no início do século 20.
Língua materna e produção de kimchi
O casal tem passaportes e nomes ucranianos, mas ainda fala bem sua língua materna. Suas famílias sempre falaram coreano em casa, e eles ainda cultivam a tradição de fazer o típico kimchi, uma conserva de legumes fermentados. “É passado de geração em geração, sem o kimchi não teríamos sobrevivido nem um único inverno”, diz Olena.
Assim como seus antepassados, os Pak trabalham na agricultura. Nos anos 2000, expandiram seus negócios, passando a cultivar legumes em três estufas. Mas quando começou a guerra de agressão em grande escala da Rússia contra a Ucrânia, a família perdeu quase tudo. Metade da comunidade ficou sob ocupação russa por nove meses em 2022, e a outra metade estava na linha de fogo. Apenas uma das estufas foi mantida, onde eles continuam a cultivar ervas e legumes.
No seu tempo livre, Olena Pak faz trabalho voluntário, indo ao centro cultural local todos os dias para tecer redes de camuflagem para o Exército ucraniano. “Não queremos ir embora, nos sentimos em casa aqui, este é nosso lar e nosso país.”
Idas e vindas
Cerca de um terço das famílias de ascendência coreana deixou a comunidade, pois a terra foi minada durante os combates e muitas casas foram destruídas. Alguns foram para a Coreia do Sul como parte de programas de voluntariado. Entretanto, outros retornaram a Shevchenkove, inclusive a família Kogai, que inicialmente havia fugido para a capital sul-coreana, Seul.

Lá, Ksenia Kogai, de 12 anos, frequentou a escola e começou a aprender o idioma local. Entretanto, assim como sua mãe, ela não queria ficar na Coreia do Sul. “Eu queria voltar porque percebi que esta é a nossa casa e não quero ir embora”, explica a estudante.
A casa dos Kogai foi destruída por bombas em 2022, e por enquanto a família está vivendo num barracão no jardim. Tradicionalmente, uma árvore de Natal permanece na casa até a primavera, pois eles comemoram o Ano Novo coreano no fim de janeiro, exatamente como foi ensinado por seus ancestrais.
A mãe de Ksenia, Alyona, nasceu na região de Mykolaiv, filha de um coreano e de uma ucraniana, casados em 1975. Na época, conta, os coreanos ainda eram algo fora do comum para os habitantes da comunidade, e gente de diferentes vilarejos foi ao casamento para ver o noivo coreano.
“Na escola que eu frequentava, aqui no povoado, sempre disse a todos os meus colegas que nunca me casaria com um coreano. Mas o destino tinha outros planos”, lembra Alyona Kogai com um sorriso. Os casamentos com coreanos agora são comuns em Shevchenkove, dizem ela e o marido, Leonid.
A família Kogai jamais poderia imaginar que um de seus membros optaria pelo serviço militar em vez da agricultura. Em 2022, o irmão de Alyona, Serhiy, entrou para a defesa territorial da região de Mykolaiv pela primeira vez. Atualmente ele está lutando nas Forças Armadas ucranianas na linha de frente da região de Kursk, na Rússia.
Do outro lado da frente, no Exército russo, coreanos também estão servindo, mas da Coreia do Norte. A família do soldado está indignada com esse fato. “Eles também vêm da Ásia, mas são muito diferentes dos sul-coreanos, como se fossem zumbis”, diz Alyona Kogai.
Sentindo-se ucranianos
Alguns coreanos de Shevchenkove se juntaram aos combatentes ucranianos durante a ocupação russa e apoiaram ativamente as Forças Armadas nacionais nos primeiros meses da invasão russa, enfatiza o prefeito da aldeia, Oleh Pylypenko.
Oleksandr Hwan também ajudou o Exército ucraniano quando estava na defensiva, no primeiro semestre de 2022. Sua casa foi rapidamente convertida num hospital por médicos militares ucranianos. Os soldados também construíram uma espécie de bunker em seu quintal. Hoje, ele mostra com tristeza sua fazenda, lamentando que nada tenha sido poupado.

Apesar de todas as experiências de guerra, Hwan não quer ir embora de Shevchenkove. “Eu poderia fugir para algum lugar, mas quero manter a minha propriedade aqui. Vim para cá depois de meu serviço militar soviético, construí uma vida para mim e formei uma família.”
A maioria dos coreanos locais se descreve como ucranianos de ascendência coreana, assim como o chefe administrativo da região de Mykolaiv, Vitaliy Kim. A geração mais jovem fala ucraniano fluentemente, como confirmam os professores da escola local frequentada por crianças com sobrenomes como Zoi, Li, Kim ou Hagai.
A professora Lilia Kusevich diz que os coreanos étnicos têm até mesmo notas muito boas em ucraniano. “Por exemplo, Elisaweta Zoi obteve o número máximo de pontos no exame. São crianças muito esforçadas.”
Um quinto dos alunos de Shevchenkove é de etnia coreana. Como o prédio da escola foi danificado pelos ataques russos, atualmente só é possível o ensino à distância, via internet. Alguns alunos têm aulas até de outras cidades e do exterior.
Embora muitos jovens tenham deixado o vilarejo, os coreanos que vivem em Shevchenkove esperam poder reconstruir suas casas junto com os ucranianos e revitalizar a comunidade.