Internacional
Por que Grenoble, no sudeste da França, foi eleita a capital verde da Europa 2022?
Grenoble, no sudeste da França, foi eleita neste ano a capital verde da Europa. O título é atribuído desde 2006 pela Comissão Europeia a municípios com mais de 100 mil habitantes que se destacam promovendo ações ambiciosas em prol do meio ambiente. Não é de hoje que essa cidade, que tem pouco mais de 160 mil moradores, tem fama de ser ecologicamente engajada. Mas o que faz dela a localidade mais verde da Europa hoje? A RFI foi até lá descobrir.
Quando se chega em Grenoble, a mudança de cenário em relação a outras cidades francesas é impressionante. Localizada no pé dos Alpes, a cidade é rodeada de montanhas verdejantes que parecem ditar o ritmo de vida dos moradores. Aqui, dominar a prática do esqui é quase uma obrigação e um programa incontornável no inverno. No verão, a atividade preferida da população é o trekking e outros esportes relacionados às montanhas, como a escalada.
Essa íntima relação dos “grenoblois” com a natureza os sensibiliza e gera um forte engajamento ambiental também no plano político. Tradicionalmente progressista, a cidade é administrada por representantes que priorizam a defesa do meio ambiente. Desde 2014, Grenoble é governada por Éric Piolle, do partido Europa Ecologia Os Verdes, que se autodefine como um “radical e pragmático”, “ecologista e humanista”.
De fato, a cidade é palco de medidas de vanguarda na questão ambiental há décadas. Desde a época dao prefeito socialista Michel Destot (2005-2014), a política de transição ecológica municipal resultou na redução de 30% de gases poluentes. Grenoble foi a primeira grande cidade a limitar a velocidade dos veículos a 30 km/h, tornando-se, em 2019, a maior zona de baixa emissão de CO2 da França.
No país, os moradores de Grenoble também são os que mais utilizam bicicleta para ir ao trabalho. Não por acaso, a cidade conta com 475 quilômetros de ciclovias, das quais 25 quilômetros em rodovias, o que permite aos habitantes realizarem trajetos intermunicipais sobre duas rodas.
18 cidades concorreram ao título de capital verde
O franco-brasileiro Guillaume Thieriot, diretor da agência Grenoble Capital Verde da Europa, explicou à RFI que 18 cidades concorreram ao título de capital verde. Para participar da seleção, todas elas precisam atender a critérios específicos dentro de 12 temáticas, como mobilidade, energias verdes, gestão de resíduos, qualidade do ar e da água, entre outros.
“Grenoble conseguiu algo excepcional porque foi selecionada em sua primeira candidatura. Com exceção de Estocolmo, que foi a primeira a ser eleita, todas as cidades que foram capitais verdes europeias antes de Grenoble tentaram duas, três, quatro vezes antes de serem selecionadas. Grenoble chegou em primeira ou segunda posição nos 11 dos 12 indicadores analisados pelas equipes de avaliação”, destaca.
Para ele, isso destaca o avanço e o pioneirismo da cidade nas questões ambientais. “São décadas de muitas ações em matéria de energias renováveis, de transporte público, com os bondes elétricos que são um modelo para toda a Europa, por exemplo, e os mais de 400 quilômetros de ciclovias, até mesmo nas autoestradas. Então, esse caráter vanguardista que Grenoble tem, há muito tempo, fez com que ela conseguisse esse título logo em sua primeira tentativa”, ressalta.
O prefeito Éric Piolle não esconde a satisfação com o título e destaca os avanços na redução da emissão de gases de efeito estufa e nas áreas de alimentação, mobilidade, moradia, questão energética e preservação da biodiversidade, entre outros. No entanto, segundo ele, há “muitas etapas pela frente” para que a cidade atinja seus objetivos.
“Hoje, oferecemos duas refeições vegetarianas nas cantinas das escolas públicas, mas a partir de setembro, lançaremos uma alternativa vegetariana todos os dias. Vamos criar mais espaços para pedestres, lembrando que já proibimos os carros em duas grandes ruas que atravessavam o centro da cidade e agora estamos fechando as ruas em frente às escolas. Estamos também tentando criar espaços mais verdes para nos adaptarmos às mudanças climáticas e refrescarmos a cidade”, salienta.
O prefeito lembra que atualmente, a França tem, em média, três dias de calor intenso por ano. “Em 2050 serão 46”, diz, ressaltando a necessidade de se preparar para uma situação já considerada irreversível por muitos cientistas.
Moradores se dividem: “é um paradoxo”
No entanto, para parte dos moradores, Grenoble não merece o título de capital verde. É o caso do estudante de informática Emmanuel, que diz não ter a impressão de viver em “uma cidade ecológica”.
“As ruas são arborizadas e há muitas montanhas, mas eu não percebo que, no comportamento das pessoas, elas sejam engajadas. Conheci cidades que realmente merecem ser chamadas de ecológicas, como Angers, no nordeste da França. Tem bairros aqui em Grenoble que têm muita sujeira nas ruas e mereceriam mais atenção das autoridades”, aponta.
Loïc, engenheiro de tecnologias verdes, reclama da poluição que se acumula entre as montanhas e da grande quantidade de carros que circula na cidade. “É um paradoxo. Na verdade, esse título ‘capital verde’ é mais uma vontade do que uma realidade. É assim que eu vejo. Em comparação com Paris, claro, podemos dizer que Grenoble é mais verde. Mas ao mesmo tempo, para uma cidade com quase 200 mil habitantes… Tem lugares mais ecológicos na França”, observa.
Em sua bicicleta, o pesquisador Pierre se diz satisfeito com a administração de Piolle. “Foram tomadas várias medidas para diminuir a circulação de veículos e a emissão de gases de efeito estufa. Não apenas a prefeitura, mas também vários organismos incitam trajetos de bicicleta, o que é muito bom porque é um meio de transporte ecológico”, opina.
A brasileira Rebeca vive em Grenoble desde 2016 e faz uma comparação entre a cidade francesa e outras no Brasil. “É muito fácil você encontrar natureza aqui em Grenoble. Quando eu morava perto do centro da cidade, por exemplo, eu caminhava um pouco e já estava perto do rio, em contato com as árvores. Essa proximidade das montanhas incita um comportamento ecológico por parte da população”, afirma.
Ao lado dela, o amigo Thierry, brasileiro e ex-morador de Grenoble, sente que “a cidade tem um objetivo de ser verde, junto a ações da prefeitura e da população em prol do meio ambiente”. Ele ressalta, por exemplo, a possibilidade dos moradores de darem ideias à administração local para o desenvolvimento de iniciativas ecológicas.
É o caso da Sicklo, uma cooperativa de entregadores ciclistas fundada em 2019. “Nosso serviço é ecológico porque todos os entregadores se deslocam em bicicletas, sem assistência elétrica. São bicicletas clássicas. O modelo que usamos hoje são de uma marca dinamarquesa e com elas podemos transportar até 70 quilos de mercadorias. Então trabalhamos com a força de nossas pernas, o que faz que sejamos engajados em um serviço ecológico e ético também. Nosso slogan é ‘entregas locais e éticas’, diz Fredo, cofundador e entregador da Sicklo.
Como a cooperativa, dezenas de outros empreendedores da cidade se envolveram no programa Capital Verde 2022. A cidade também conta com uma programação cultural intensa e promove colóquios, fóruns, debates e atividades centradas na transição ecológica até o final deste ano.
Grenoble não merece esse título, dizem ambientalistas locais
Mesmo assim, ONGs e associações acreditam que é preciso ir além. Essa é uma das demandas do coletivo Cidadãos pelo Clima Grenoble, que lidera as manifestações ambientalistas locais.
“Consideramos que Grenoble é uma cidade onde há coisas interessantes do ponto de vista do clima e do meio ambiente. Mas o nível dos esforços que são feitos aqui provavelmente não justifica esse tipo de selo que serve como um autoelogio. Consideramos que há pontos graves que, diante dessa publicidade de Grenoble como capital verde da Europa, é preciso denunciar”, afirma Valentin, membro do coletivo.
Justine, que também integra a associação, cita como exemplo, a polêmica expansão da rodovia A480, que desagrada parte da população e enfurece os militantes ecologistas. “A incoerência é querer construir ciclovias e, ao mesmo tempo, expandir estradas. Essa rodovia vai mais aumentar o fluxo de veículos do que regulá-lo. Há uma dissonância com este tipo de ação e é contra isso que protestamos, porque não faz sentido”, defende.
A central sindical Solidaires Isère também aponta que boa parte das ações previstas pela cidade dentro do programa Grenoble Capital Verde se concentram nos bairros mais ricos da cidade, deixando as populações desfavorecidas à margem dos eventos e projetos verdes.
“Os pobres são as primeiras vítimas das mudanças climáticas. Apesar disso, nada é feito em favor das classes sociais mais baixas aqui”, afirma Jean Paul, um dos porta-vozes da Solidaires Isère. “Nas áreas nobres da cidade, há serviços públicos, comércios de proximidade, ruas para pedestres, mas os bairros pobres são submetidos à desertificação das atividades públicas e culturais. A expansão da rodovia A480 passa debaixo das janelas desses habitantes, além da instalação de imensos centros comerciais”, denuncia.