Internacional
“Estamos no século 21 e tem um país que quer restaurar seu império continental”, diz chanceler ucraniano
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, concedeu uma entrevista exclusiva à RFI na terça-feira (28), em que reconheceu a perda de Severodonetsk, na região do Donbass, mas apontou que este não será o fim da guerra. Segundo o chanceler, Kiev está disposta a negociar, mas o único objetivo da Rússia é que a Ucrânia se renda. Kuleba ressalta as intenções imperialistas da Rússia e diz que o conflito na Ucrânia é uma guerra “contra o mundo democrático”.
“São necessários dois para negociar. Ora, atualmente, um dos protagonistas, a Rússia, privilegia claramente a guerra e não as discussões”. Por isso, segundo Kuleba, a guerra terá um fim quando “Moscou quiser dialogar com sinceridade”.
Questionado sobre a atual estratégia militar, em um momento em que o país perdeu Severodonetsk, um dos bastiões do leste, o ministro ressalta que “a Ucrânia não perdeu a guerra”. “Nossa estratégia é simples: manter nossas posições à condição que recebamos a quantidade de armas necessárias da parte de nossos parceiros e que produzamos algumas armas por conta própria”, diz.
O chanceler elogiou o heroísmo e a resistência dos combatentes ucranianos, no entanto, voltou a fazer um apelo aos países ocidentais por material bélico. Ele agradeceu a condenação dos países do G7 do bombardeio de um centro comercial de Kremenchuk (centro), na segunda-feira (27), mas enfatizou que esse apoio precisa ir além.
“Apreciamos os discursos, mas seríamos ainda mais gratos se as condenações verbais fossem seguidas por atos, como o reforço das entregas de artilharia à Ucrânia e novas sanções contra a Rússia. É a melhor forma de impedir a Rússia de continuar matando civis e de vencê-la no terreno militar”, diz.
O ministro defende que o planeta inteiro tem interesse que a Ucrânia saia vitoriosa. “Essa não é unicamente uma guerra da Rússia contra a Ucrânia, é a guerra do regime autoritário contra o mundo democrático. Se Putin ganhar, o que não vai acontecer, mas se trabalharmos com a hipótese que a Rússia vença, haverá consequências para o resto do mundo. É uma questão de princípio: é preciso impedi-la de ganhar para evitar esse perigo”, adverte.
Por isso, Kuleba ressalta a urgência da entrega de armas às tropas ucranianas: “precisamos disso o mais rápido possível”. “Quanto mais esperarmos pela chegada de armas pesadas, mais o número de soldados mortos será elevado. Eles sacrificam suas vidas se mantendo no fronte e protegendo a nossa terra. Então, repassar armas à Ucrânia significa salvar vidas e territórios das destruição”.
Sensibilização dos países africanos
Em busca de apoio, o chanceler tenta sensibilizar os líderes africanos; muitos deles se recusam a condenar Moscou, outros preferem se manter neutros. “Essa é uma guerra imperial da Rússia e os países africanos deveriam ter facilidade para compreender o que é confrontar uma nação que não reconhece a nossa identidade, o nosso direito a ter nosso próprio território e administrá-lo livremente”, diz.
Kuleba compara a situação da Ucrânia à vivida pelo continente africano no século 19, quando foi invadido por colonizadores. “O problema é que estamos no século 21 e tem um país que ainda quer restaurar seu império continental”, sublinha, lembrando os princípios de integridade territorial e soberania nacional, regidos pelas leis internacionais.
O ministro reforçou a constatação do presidente Volodymyr Zelensky de que Putin está usando a crise alimentar na África para fazer chantagem. “Em relação às exportações de cereais, não sei de nenhuma sanção que impeça a Rússia de desbloquear os carregamentos. A Rússia simplesmente está tentando inverter os papeis: no lugar de deixar a Ucrânia exportar os cereais por vias marítimas, quer fazer os países e povos africanos reféns de sua política para impor a retirada das sanções”, reitera.
Kuleba enfatiza que Kiev não tem nenhum interesse em reter os carregamentos. “Gostaria que todos os povos da África saibam que estamos no mesmo barco: da mesma forma que eles precisam desesperadamente de nossos cereais, nós queremos desesperadamente despachá-los. Não temos nenhum interesse em guardar todos esses produtos agrícolas na Ucrânia; queremos vendê-los, exportá-los, queremos plantar para preparar uma nova colheita e avançar. Então, somos todos vítimas da política exterior cínica da Rússia”, alega.
O ministro também tentou relativizar as críticas do governo ucraniano ao presidente francês, Emmanuel Macron, cuja atuação na mediação do conflito foi considerada ineficaz diversas vezes. “Não diria que houve incompreensão entre Kiev e Paris. Mas quando ouvimos algo que desaprovamos, dizemos diretamente. Sempre tivemos trocas e uma relação franca com o presidente Macron e seu governo”, diz.
O chanceler elogiou especialmente o apoio da França na candidatura da Ucrânia à União Europeia. “Apreciamos que isso tenha ocorrido durante a presidência francesa do Conselho do bloco. Não esqueceremos jamais disso”, conclui.