AGRICULTURA & PECUÁRIA
Sistema de produção auxilia produtores de mandioca do Semiárido
O objetivo é impulsionar o cultivo da raiz na região, melhorando a renda e a qualidade de vida das populações locais
A Embrapa oferece aos agricultores do Semiárido brasileiro a segunda versão do Sistema de Produção para a Mandioca no Semiárido.
O objetivo é impulsionar o cultivo dessa raiz na região, melhorando a renda e a qualidade de vida das populações locais.
A mandioca é um dos cultivos mais relevantes do Semiárido, representando 12,3% das 18,2 milhões de toneladas produzidas pelo Brasil em 2020, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses números se mantêm a despeito das condições de extrema escassez hídrica dessa zona climática localizada no bioma Caatinga e que ocupa 12% da área do País.
O sistema de produção traz as informações técnicas necessárias ao cultivo da mandioca, destacando as fases de estabelecimento da cultura, manejo e conservação do solo, adubação e nutrição de plantas, cultivares, produção e obtenção de mudas ou manivas-sementes, tratos culturais, manejo de irrigação, doenças e pragas e seus métodos de controle, uso de agrotóxicos, colheita, pós-colheita e processamento, mercado e comercialização, além de coeficientes técnicos, custos, rendimentos e rentabilidade.
O pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) Laércio Duarte Souza conta que a mandioca é conhecida como a “raiz do Brasil”, pois é capaz de ser cultivada de Norte a Sul do País, no clima frio ou no calor. “Essas características também a tornam merecedora do predicado de heroína”, relata Souza.
“O sistema de produção é a nossa contribuição para ajudar o agricultor sertanejo a produzir em cenário tão adverso. Agora, o grande desafio é fazer com que as informações do sistema cheguem a esse agricultor. A grande maioria não tem acesso à internet. Por isso, o nosso público, neste caso, são os técnicos, os extensionistas rurais, verdadeiros sacerdotes, que têm a missão de fazer chegar as informações ao agricultor do Semiárido”, afirma Souza, editor técnico da publicação, com a pesquisadora Alineaurea Florentino Silva, da Embrapa Semiárido (PE) – 24 autores assinam o documento, disponível em formato on-line.
Associação de fatores: adubação adequada e qualidade da maniva
“Não adianta escolher uma variedade boa, se a maniva está fraca. E não adianta escolher uma maniva boa, de uma variedade boa, se o solo está mal fertilizado. Então, esses dois aspectos, qualidade da maniva e correção do solo, fazem muita diferença no sistema de produção que tem falta de água como o nosso.”
Ela explica que o agricultor do Semiárido normalmente escolhe os solos mais arenosos para facilitar a colheita. Acontece que esses solos são mais fáceis para colheita, porém, geralmente, são fracos na questão da fertilidade.
“Ao longo dos anos, temos observado vários agricultores relatarem que a mandioca não produz mais como antigamente porque a área está cansada. Claro, porque, geralmente, eles plantam em áreas de latossolo ou neossolo, que são pouco mais velhas, com menos nutrientes, e que não são corrigidas, porque a mandioca é muito tolerante e produz alguma coisa assim mesmo, mas ao longo do tempo acaba se deteriorando”, acrescenta.
O sistema de produção indica a aplicação do calcário para correção do solo. Segundo Silva, é o insumo mais barato e permite uma boa resposta da planta. “Não adianta indicarmos um insumo caro porque a mandioca não vai pagar esse preço todo de início, então temos que começar com uma opção mais adequada.”
De acordo com o documento, realizando-se a calagem e a adubação nas doses, épocas e modos de aplicação recomendados, estima-se um rendimento médio de raízes de 20 toneladas por hectare (t/ha) – a média nacional de produtividade de raízes é de cerca de 13 t/ha.
Souza acrescenta que a maioria dos solos do Semiárido é rasa. Ele faz comparação com o solo de Cruz das Almas, por exemplo, onde se localiza a sede da Embrapa Mandioca e Fruticultura, no qual em qualquer área se alcança de 10 a 30 metros (m) de profundidade até bater na pedra.
“No Semiárido, quando achamos um solo com 1 metro, 1,5 m de profundidade, ficamos satisfeitíssimos, já dá para plantar uma série de coisas. A mandioca tem que ter no mínimo 1 metro, 1,5 m, porque, se não tiver essa profundidade, quando caem as chuvas, o solo é raso, encharca e a raiz apodrece.”
Um dos procedimentos do agricultor em relação a solo muito raso, como informa o pesquisador, é o que se chama de camalhão (amontoas contínuas do solo) ou matumbos (amontoas isoladas do solo). Ele junta a terra, faz um monte e planta a maniva em cima daquele monte.
“Como se ele criasse um solo acima da superfície para a raiz ter uma área isolada do encharcamento, embora ela vá entrar no solo em profundidade após o período de chuvas. Essa é uma das alternativas mais utilizadas no Semiárido.” A recomendação, como salienta Souza, é que o plantio seja feito, prioritariamente, em área acima de 1 m, 1,5 m, sendo o camalhão indicado apenas como última alternativa, porque “desarruma” o solo.
“O solo é raspado para fazer esse monte, o que o torna limpo e sem cobertura vegetal, fazendo com que perca muita água. É uma solução que pode ser prejudicial, mas se o produtor não tem como plantar de outro jeito, ele abre mão da técnica ideal e planta como é possível.”
Mais destaque ao processamento
Diversos termos definem essa raiz, que está na mesa do brasileiro, de Norte a Sul do País, e pode ser consumida de diferentes formas. A mandioca-mansa, também chamada de aipim ou macaxeira, dependendo da região, é comercializada como vegetal fresco ou na forma de purê, chips e bolinhos, por exemplo.
Já a chamada mandioca-brava, que ganha essa denominação devido ao alto teor de compostos cianogênicos, não podendo ser consumida sem ser processada, é utilizada, por exemplo, na produção de farinhas, tapiocas e beijus.
“É importante que o agricultor familiar tenha conhecimento dessas múltiplas possibilidades de uso e esteja capacitado para a produção. Ele não precisa comercializar o aipim no estado fresco, pois há vários produtos que podem ser produzidos com a mandioca de mesa. Essa atualização do sistema de produção é fundamental para o produtor. Mesmo em relação à mandioca para indústria, é importante conhecer as exigências da legislação para farinha e para a fécula, além das etapas do processo”, informa a também pesquisadora da Embrapa Mandioca e Fruticultura Luciana Oliveira.
A parte do sistema de produção que foi mais incrementada nessa nova edição é a que trata de processamento, que gerou até uma cartilha específica, lançada antes mesmo do sistema de produção. A publicação traz, detalhadamente, as etapas de elaboração de diversos produtos. Aborda aspectos relacionados à colheita e pós-colheita, boas práticas de fabricação, processamento de aipim ou mandioca-mansa (aipim congelado, aipim pré-cozido e congelado, chips de aipim e massa para salgados), processamento de farinha, processamento de fécula ou amido em pequena escala e, por fim, embalagem e rotulagem.
Doenças e pragas e seus métodos de controle
O documento descreve os principais problemas fitossanitários que ocorrem no Semiárido. Na região Nordeste, a podridão radicular é a doença mais limitante para a produção de mandioca. As perdas de produtividade nas áreas de maior ocorrência estão em torno de 30%. Como explica o pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura Saulo Oliveira, as podridões se dividem em seca, negra e mole. No Semiárido, as mais comuns são a seca e a negra, causadas por diversos patógenos diferentes.
As medidas de controle da podridão radicular envolvem a integração do uso de variedades resistentes (indicadas no documento) associadas a práticas culturais, como rotação de culturas, manejos físico e químico do solo, sistemas de cultivo, entre outras. Segundo Oliveira, em áreas mal drenadas e sujeitas a encharcamento, o cultivo em camalhões ou matumbos é indicado, principalmente, no controle da podridão-mole.
“No sistema, foi dada ênfase, claro, à podridão radicular. As demais doenças foram incluídas para que o produtor saiba o que pode suceder em sua plantação. É o caso das manchas foliares, que ocorrem no Brasil todo. A antracnose, a mancha parda, a mancha branca e a queima das folhas ocorrem em todo lugar, normalmente na época mais chuvosa. Mesmo no Semiárido, há períodos de chuva, quando pode ter essas doenças, causando prejuízos consideráveis para a cultura”, informa o pesquisador.
Quanto às pragas, o principal problema observado na região são os ácaros. O controle cultural dos ácaros consiste na realização de práticas que dificultam o desenvolvimento populacional da praga e retardam a sua dispersão. De acordo com Silva, a irrigação, por exemplo, pode ser usada como aliada nesse controle. “A irrigação por aspersão molha a folha e, assim, cria um ambiente adequado para o desenvolvimento de um fungo que consome esse ácaro. Funciona como um controle biológico.”
Outras pragas descritas no sistema de produção são o mandarová – mariposa de hábitos noturnos, sendo uma das pragas de maior importância para a mandioca, pois a lagarta pode causar severo desfolhamento –, o percevejo-de-renda e a mosca-branca. Há também as pragas secundárias, que, esporadicamente, podem provocar danos de importância econômica, como as brocas-das-hastes, as cochonilhas da parte aérea, os cupins e as formigas.