Judiciário
Partidos pedem que STF recoloque em pauta ação que contesta portaria sobre aborto
ADPF foi retirada de pauta em 24 de setembro pelo ministro Ricardo Lewandowski
Cinco partidos enviaram nesta sexta-feira (2/10), ao Supremo Tribunal Federal, manifestação solicitando que a corte mantenha o julgamento da ADPF 737. A ação contesta portaria do Ministério da Saúde que estabelece uma série de diretrizes sobre o aborto em caso de estupro.
A ADPF foi movida pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Inicialmente, as legendas impugnavam trechos da Portaria 2.292, de agosto deste ano. A norma exigia, entre outras coisas, que médicos informassem a polícia sobre abortos decorrentes de estupro; que as vítimas fizessem um relato sobre a violência sofrida, oferecendo informações sobre o local do ataque, a descrição do agressor e indicando possíveis testemunhas; e obrigava que os profissionais da saúde oferecessem um exame de ultrassom para que as gestantes vítimas de estupro pudessem ver o feto que iriam abortar.
A portaria também exigia que, ao buscar o aborto, as mulheres assinassem um termo de consentimento, atestando ciência de possíveis complicações geradas pela interrupção da gravidez, como sangramento intenso, danos ao útero e sepse.
No entanto, um dia antes do STF começar o julgamento da ADPF, o Ministério da Saúde editou nova portaria (Portaria 2.561/20) sobre o tema, revogando a norma editada em agosto.
Com isso, o ministro Ricardo Lewandowski, relator da ação no Supremo, retirou o caso da pauta e pediu que os partidos se manifestassem sobre as modificações. Como a medida contestada foi revogada, a ação, em tese, perde objeto.
Copia e cola
Ocorre que, com exceção do trecho que obrigava o exame ultrassom para ver o feto, a nova portaria é praticamente igual a anterior. A vítima, por exemplo, ainda precisa assinar um termo afirmando estar ciente dos riscos da interrupção da gravidez.
A diferença é que o documento é menos explícito que o anterior: a portaria de agosto listava uma série de eventuais riscos, entre eles o de morte da gestante, a depender da idade gestacional em que ela se encontra, e a possibilidade de ter que fazer um segundo procedimento para “remover partes da gravidez que permaneceram no útero”.
Na medida mais recente, publicada em setembro, a extensa lista foi alterada por um parágrafo mais simples, que descreve a possibilidade de “desconfortos e riscos” à saúde da gestante e que disponibiliza um link da Organização Mundial da Saúde contendo outras possíveis complicações.
O governo federal também não retirou a obrigatoriedade de os médicos comunicarem a polícia sobre o estupro. A exigência foi apenas posta em outras palavras. A primeira portaria afirma que os médicos “deverão” comunicar o crime. A nova, diz que os profissionais “deverão observar” a necessidade de comunicar o fato à autoridade policial responsável.
Por conta disso, os partidos afirmam, na manifestação enviada ao STF, que o mérito da impugnação inicial permanece inalterado. Assim, dizem, a ADPF não perdeu objeto e deve ser julgada.
“Não obstante a portaria impugnada por meio da presente ação tenha sido revogada pela portaria 2.561, persiste o interesse processual dos autores, na medida em que a violação aos preceitos fundamentais demonstrada na exordial permanece no ordenamento, ainda que sob nova roupagem”, diz a manifestação.
Artigo 7º
Como o Ministério da Saúde retirou a obrigatoriedade do exame ultrassom, os partidos focam agora no artigo 7º da nova portaria, que dispõe sobre a obrigatoriedade de comunicação do estupro à autoridade policial.
As legendas argumentam que a obrigação cria obstáculos ao acesso ao aborto legal, na medida em que desloca da saúde para o controle policial a centralidade da atenção ao abortamento. A exigência também violaria o dever profissional de segredo, submetendo as mulheres a um processo de tortura psicológica.
Quando a nova portaria foi editada, a advogada Carolina Freire Nascimento, sócia do Aragão e Ferraro Advogados, afirmou à ConJur que ela é, na prática, igual a sua predecessora. Nascimento assina a ADPF junto com outros advogados.
“A nova portaria é uma tentativa de esvaziar a ação às vésperas do julgamento da medida liminar formulada na ADPF 737. Embora tenha o Ministério da Saúde recuado em alguns pontos, manteve a obrigação de denunciar o estupro à autoridade policial. Insiste o Ministério em tornar o aborto legal, que é uma necessidade de saúde e inspira cuidados, em caso de polícia”, disse na ocasião.
ADPF 737