Esporte
Temporada do sumô chega à decisão do título no Japão e ‘enlouquece’ o país
Seus praticantes são considerados seres abençoados, purificados por rituais xintoístas que buscam harmonia com a natureza; lutas em Fukuoka encerram a temporada
Enquanto milhões de espectadores se voltam para o futebol da Copa no Catar, outro esporte, de tradição milenar, também reúne milhões de fãs acompanhando lutas na TV. Com o encerramento das competições em Fukuoka, a última de seis etapas (chamadas de bashô) do Grande Torneio de Sumô do Japão, será anunciado o primeiro do ranking da temporada profissional de 2022, com lutadores que chegaram à média de 160 kg. “O sumô é patrimônio dos japoneses. Pertence à sociedade”, explica Willian Takahiro Higuchi, 39 anos e dez títulos brasileiros. Com 2.400 anos e torneios organizados há pelos menos 400, o esporte nasceu entre agricultores e por isso mesmo carrega muitos rituais e símbolos do xintoísmo, que prega a harmonia com a natureza.
O ringue (dohyō) é elevado e a luta se dá em um círculo argiloso assinalado com palha de arroz, dentro de um quadrado com cerca de 16 m2. Os pontos cardeais estão assinalados e cada oponente entra por uma “porta”: do leste ou do oeste. A cobertura imita um templo, de onde pendem cordões de cores diferentes, representando animais guardiões do cosmos, segundo a astrologia chinesa. Antes da luta, os dois adversários jogam sal para purificar o dohyō, ao lado do árbitro principal, o gyouji, trajado com muitas cores. Os “seres” que sobem ao dohyō e participam desse ritual são considerados muito especiais.
Taka Higuchi, hoje fora dos ringues e atarefado dono de dois izakayas (um “barzinho” japonês) em São Paulo, explica que os lutadores não são considerados semideuses, como se ouve falar, mas “tratados, sim, como seres abençoados, como se emanassem uma energia especial, porque participam dos rituais xintoístas”. Daí o costume de levar bebês para um lutador de sumô carregar — é como se recebessem uma bênção.
Como no futebol, também são milhares os espectadores japoneses que acompanham os combates, hipnotizados diante das tevês ou em algumas plataformas. Chegam a comprar ingressos com até um ano de antecedência, como no caso do Ryōgoku Kokugikan, o templo sagrado de lutas marciais, próximo a Tóquio, que recebe três das etapas do Grande Torneio. O encanto se estende aos lutadores, que vão mudando de divisão e de status de acordo com as vitórias que somam. Na elite, são 60 os profissionais que sobem e descem do ranking, atualizado de acordo com a performance em cada etapa do Grande Torneio (que duram 15 dias e são realizadas apenas em meses ímpares). Assim, o primeiro do ranking é determinado pelas disputas em Fukuoka (agora em 2022, de 12 a 26 de novembro).
Para chegar ao sumô profissional, é preciso mudar para o Japão e ser aceito em uma academia (são 50 delas nos arredores de Tóquio, calcula Higuchi, e por volta de 600 lutadores). Ali, recebe um novo nome, não pode ter bens ou contato com a família, não é remunerado, cozinha, lava… e não pode se casar. “Essa história de terem quem lave a bunda porque não a alcançam deve ter sido invenção de algum engraçadinho”, diz Higuchi, bem-humorado. “Mesmo porque no alojamento não é permitido a presença de ninguém que não sejam os lutadores, o proprietário e sua esposa — que cuida de finanças e nem podem encostar neles.
Apenas quando ascendem aos 60 melhores os lutadores podem receber dinheiro, se casar e ter um empregado, espécie de faz-tudo. “Precisam de motorista, por exemplo, porque mesmo no topo não podem dirigir veículos motorizados”. E bicicleta? “Bicicleta pode.”
O sumô renovou sua popularidade, depois de escândalos nos anos 1900 e 2010, com fraudes, apostas, brigas e até um lutador morto. Hoje, há mesmo um movimento forte para valorizar os amadores, visando a entrar no programa olímpico. Por isso, foi permitida a luta entre mulheres, até então vetadas porque “manchariam o ringue” se estivessem menstruadas. A própria esposa de Taka, Luciana Montgomery Watanabe Higuchi, é lutadora e treina cerca de 100 crianças em núcleos de Suzano e Itaquaquecetuba.
E São Paulo tem o único ginásio público fora do Japão: o Sumô Aikokai, no bairro do Bom Retiro. “Adaptamos regras que são muito arcaicas, não condizentes com os tempos modernos. Tiramos o que acaba atrapalhando e ficou mais redondinho, com acesso a mais gente. Tiramos o tapa na lateral da cara, por exemplo, permitido no profissional. É feio, pode ser humilhante… Afinal, temos de prezar nossos oponentes. Sempre. Porque sem adversários não evoluímos.”