Judiciário
Gilmar Mendes suspende presunção de boa-fé no mercado de ouro
Para o ministro, a presunção de boa-fé torna a fiscalização ineficaz e sabota o controle da atividade de extração de ouro
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, por meio de uma liminar, o artigo da lei federal que presume a boa-fé da empresa compradora de ouro. Até então, bastava que o comprador alegasse a legalidade do metal, portanto, não era necessário nenhum tipo de comprovação da origem do ouro, além das informações prestadas pelo vendedor. Na prática, muitas empresas compravam ouro de extração ilegal, mas informavam à fiscalização que o ouro era proveniente de área de extração legalizada.
Além da suspensão da eficácia do artigo 39, § 4º, da Lei Federal 12.844/2013, o ministro Gilmar Mendes ainda solicitou ao governo federal que, em 90 dias, adote um novo marco normativo para a fiscalização do comércio do ouro, especialmente quanto à verificação da origem legal do metal adquirido por Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs). Determinou também que sejam tomadas medidas legislativas, regulatórias e/ou administrativas para inviabilizar a aquisição de ouro extraído de áreas de proteção ambiental e de terras indígenas. A liminar de Mendes será submetida ao referendo do colegiado do STF.
Para Gilmar Mendes, “as presunções, trazidas no diploma legislativo impugnado, relativas à legalidade do ouro adquirido e à boa-fé do adquirente simplesmente sabotam a efetividade do controle de uma atividade inerentemente poluidora (e nessa medida chocam com o corolário do princípio da precaução, que possui assento constitucional), uma vez que não apenas facilitam, como servem de incentivo à comercialização de ouro originário de garimpo ilegal”. Dessa forma, a lei mostra-se uma opção normativa deficiente quanto à proteção do meio ambiente.
O ministro afirma que as alterações promovidas pela lei de 2013, simplificaram o processo de compra de ouro, o que permitiu a expansão do comércio ilegal e fortaleceu o garimpo ilegal, o desmatamento, a contaminação de rios, a violência nas regiões de garimpo, atingindo os povos indígenas das áreas afetadas.
“É preciso que esse consórcio espúrio, formado entre garimpo ilegal e organizações criminosas, seja quanto antes paralisado. O provimento de medida cautelar, pelo Supremo Tribunal Federal, é o meio adequado e necessário para tanto”, escreveu o ministro.
Na decisão, Gilmar cita que o Setor de Perícias em Geologia (SEPGEO), da Polícia Federal, destaca que 30% da produção de ouro no Brasil pode ser considerada irregular, percentual que tem ligação com a atuação ilícita de DTVMs e com o crescente aumento da exploração de terras indígenas e Unidades de Conservação localizadas na Amazônia.
As ADI 7345 e 7273 foram ajuizadas pelo Partido Verde (PV), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pelo Partido Rede Sustentabilidade. As agremiações se insurgiram contra o art. 39, § 4º, da Lei 12.844/2013 e sustentam que a norma impugnada ofende os princípios da moralidade, transparência, legalidade e eficiência, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à vida e à saúde, os direitos dos povos indígenas e os princípios que orientam a ordem econômica.
Nas petições iniciais, os partidos relatam ainda a existência de extração ilegal de ouro de forma disseminada na região amazônica, especialmente em terras indígenas e unidades de conservação, conforme informações constantes de estudos técnicos e reportagens jornalísticas. Segundo tais estudos, a disseminação do garimpo ilegal aumenta o desmatamento, polui as águas da região, afetando a saúde da população ribeirinha da Amazônia e, especialmente, da população indígena em regiões yanomamis.