Judiciário
Ser nomeado assessor na Suprema Corte dos EUA é como ganhar na loteria
Juíza Ketanji Brown Jackson tenta dar mais transparência ao processo de recrutamento
Cada juiz da Suprema Corte dos EUA tem direito a nomear quatro assessores de livre nomeação e livre exoneração. Por regra de tradição, cada assessor permanece na Corte por apenas um ano, raramente por dois (neste caso para juízes diferentes). Em geral, os assessores são jovens, recrutados entre graduados com cerca de dois anos de experiência, e escolhidos pessoalmente pelos juízes constitucionais, com base em currículo, entrevista e recomendações pessoais. O salário é relativamente bom se o candidato for solteiro e não tiver filhos, cerca de US$ 8.000 por mês, considerando que um aluguel de um aparamento minimamente decente em Washington D.C. custa US$ 3.000.
O salário é o de menos, pois ser nomeado para trabalhar durante um ano na Suprema Corte significa que o indicado está com a vida ganha. Após esse período, grandes firmas de advocacia vão disputar os ex-assessores à tapa, pagando “passes” de até US$ 400 mil pela simples assinatura do contrato e salários que começam em US$ 200 mil anuais. É óbvio que esses grandes escritórios não estão pagando essa fortuna porque os ex-assessores são gênios do direito (são no máximo promissores advogados). Eles estão comprando a expertise destes jovens profissionais no funcionamento interno da corte, no conhecimento que detêm sobre o perfil, personalidade e tendências de seus antigos patrões e, claro, na rede de relações pessoais que construíram enquanto trabalhavam na corte.
Além disso, em um futuro alongado, as chances de um antigo assessor se tornar ele próprio um juiz da Suprema Corte não são desprezíveis. Dos nove juízes da atual composição, nada menos que cinco foram assessores na corte quando jovens, e três deles substituíram seus antigos chefes: John Roberts, presidente, ocupou o posto do ex-chefe e também presidente William Rehnquist; Elena Kagan trabalhou para Thurgood Marshall como assessora; Neil Gorsuch teve a sorte de passar dois períodos na assessoria, com juízes diferentes (Byron White e Anthony Kennedy); Brett Kavanaugh também trabalhou com Kennedy, cuja cadeira veio a ocupar quando ele se aposentou; e, finalmente, Ketanji Brown Jackson, ex-assessora de Stephen Breyer, sucedeu-o no ano passado quando ele também requereu a aposentadoria.
Segundo consta, os ex-assessores são tratados como membros da família dos magistrados e há mesmo listas de WhatsApp integrando todos os assessores que trabalharam para um juiz (que não participa, ao que se sabe). Esse clubinho de membros da “irmandade”, como se veem os ex-assessores, vem sendo bastante criticado por acadêmicos, pela mídia e pelo público em geral. O obscuro processo de seleção é uma mostra de como o órgão de cúpula do Judiciário é elitista e protetor da classe privilegiada: estudos mostram que cerca de dois terços dos assessores, ao longo da história, foram recrutados em apenas três universidades de elite: Harvard, Yale e Princeton.
Reagindo a esses questionamentos, a juíza Ketanji Brown Jackson, por motivos óbvios sensível aos argumentos que defendem maior pluralidade nestes postos, inovou ao criar uma espécie de procedimento formal, semelhante a um “edital”, para os interessados em concorrer ao disputado cargo. Ela pediu que os interessados enviassem: a) uma carta pessoal de 500 palavras dirigida à juíza, explicando a razão de seu interesse em trabalhar com ela, narrando as habilidades e características do candidato; b) currículo de no máximo duas páginas; c) histórico escolar e d) uma lista com no mínimo quatro e no máximo seis referências profissionais, informando qual foi a relação profissional com o subscritor. Em uma etapa posterior, a juíza Jackson informa que pode requerer peças processuais elaboradas pelo candidato ou pedir que eles desenvolvam uma hipotética.
O mais interessante é o que se encontra ao final do seu informe: “Nenhuma informação será considerada além do que consta deste procedimento formal. Nenhum dos candidatos, os aqueles que os recomendam ou os referendam, ou qualquer tipo de patrocinador, deverá contatar a juíza Jackson ou qualquer membro atual ou antigo do seu gabinete, com o fim de tratar de uma candidatura pendente ou futura”.
Parece uma mensagem bastante clara para evitar o costumeiro e arraigado círculo de influência e apadrinhamento que comanda as indicações políticas em Washington, inclusive na mais alta cúpula do Judiciário. A ver se essa saudável moda vai pegar nos demais gabinetes da Suprema Corte.