Judiciário
“ATENTADO À DEMOCRACIA” – MPF pede o cancelamento de outorgas da Jovem Pan por desinformação
O órgão solicita ainda que a Jovem Pan pague R$ 13,4 milhões como indenização por danos morais coletivos
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública na Justiça Federal de São Paulo pedindo o cancelamento das três outorgas de radiodifusão concedidas à Jovem Pan. Consoante o órgão, a emissora tem veiculado, de forma sistemática, conteúdos que desinformam e atentam contra o regime democrático. Portanto, não pode usar o serviço público de transmissão em rádio e TV para violar a Constituição.
O MPF solicita ainda que a Jovem Pan pague R$ 13,4 milhões como indenização por danos morais coletivos – o valor sugerido corresponde a 10% dos ativos da emissora apresentados em seu último balanço. O Ministério Público pleiteia também que a Justiça Federal obrigue a Jovem Pan a veicular, ao menos 15 vezes por dia entre as 6h e às 21h mensagens com informações oficiais sobre a confiabilidade do processo eleitoral.
Para o MPF, campanhas de desinformação levaram o Brasil aos atos de 8 de janeiro – que resultaram na depredação dos prédios dos Três Poderes, em Brasília, e a Jovem Pan contribuiu para esse cenário de desconfiança institucional, dessa forma, embora submetida ao regime jurídico de radiodifusão, transgrediu limites, ao praticar condutas que configuram abusos previstos em lei e violações aos princípios e às finalidades públicas que dão lastro a suas outorgas.
“A Jovem Pan, por meio de vários de seus programas, ocupou, ao menos entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, uma posição destacada na comunicação social que minou a confiança cidadãos e cidadãs do país em seus processos cívicos e na própria importância de preservação de nosso regime democrático”, diz a peça assinada pelos procuradores Yuri Corrêa da Luz e Ana Letícia Absy. “A Jovem Pan, na qualidade de detentora de outorgas de serviço público de radiodifusão sonora, está submetida a um regime jurídico marcado por limites estritos à liberdade de discurso”, acrescentam os procuradores.
De acordo com o MPF, a Jovem Pan atuou em quatro grandes planos de abuso:
1 – Veiculação de conteúdos desinformativos sobre a higidez dos processos democráticos realizados no país e sobre o funcionamento dos Poderes constituídos;
2 – Veiculação, sem qualquer fundamento idôneo, de conteúdos incitatórios à desobediência à legislação e a decisões judiciais, pela população em geral e por forças policiais;
3 – Veiculação de conteúdos incitatórios à rebeldia, à indisciplina e à intervenção das Forças Armadas brasileiras sobre as instituições e os Poderes civis constituídos;
4 – Veiculação de conteúdos incentivadores e legitimadores da subversão da ordem política e social e de manifestações ilegais.
“Abusos da liberdade de radiodifusão”
O MPF afirmou que realizou, ao longo dos últimos meses, “uma análise detida e minuciosa da programação da emissora”, e constatou que de 1 janeiro de 2022 e 8 de janeiro de 2023, a Jovem Pan praticou um “enorme número de atos que configuram, à luz do ordenamento jurídico vigente, abusos da liberdade de radiodifusão, veiculando notícias falsas que engendraram riscos concretos à ordem pública do país, caluniando membros dos Poderes Legislativo e Judiciário, incitando a desobediência da legislação e de decisões judiciais, incitando a rebeldia e a indisciplina das Forças Armadas e de forças de segurança pública, e fazendo propaganda de processos de subversão social”.
Na visão dos autores da ação, o pedido de cancelamento da outorga, o direito de resposta e a indenização pedida contra a Jovem Pan não configuram desrespeito à liberdade de expressão, jornalística e de radiodifusão, uma vez que as condutas praticadas pela emissora “extrapolaram, em muito, os marcos constitucionais e legais de tais liberdades”.
Na peça, os autores sustentam que a Jovem Pan, por meio de vários de seus programas, veiculou sem evidência conteúdos (entre reportagens, debates ao vivo e comentários no formato de coluna e opinião) convergentes com campanhas de desinformação.
“A Jovem Pan veiculou ainda diversos conteúdos com flagrante mote incitatório à desobediência à legislação e a decisões judiciais, assim como com patente potencial de incitação de animosidade das Forças Armadas contra os Poderes constituídos, e legitimadores de insurgências contra a ordem pública, por parte de grupos radicalizados.
O Ministério Público ressaltou o grande alcance da emissora, uma vez que o conteúdo veiculado pela Jovem Pan, não se limita ao alcance das três outorgas, pois cerca de 103 empresas atuam como associadas. Assim, a chamada “Rede Jovem Pan” seria composta por uma cabeça (a Jovem Pan detentora das referidas três outorgas), mas também por numerosas afiliadas que chegam a centenas de municípios brasileiros, distribuídos em ao menos 19 estados da federação.
Os procuradores destacam ainda a presença da Jovem Pan em redes sociais, como o YouTube, com foco aos programas “Os Pingos nos Is”, “3 em 1”, “Morning Show” e “Linha de Frente”, e no canal Jovem Pan News. Na análise do MPF, a emissora se afastou das notícias factuais e tornou-se mais opinativa, no entanto, as opiniões corroboraram para a desinformação e não para o debate público, como deve ser o serviço prestado por uma emissora com concessão pública.
Por exemplo, nesses comentários, uma linha de discurso que cresceu na Jovem Pan foi a de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estaria “apostando na confusão” e de que, diante de supostas atuações arbitrárias de seus ministros, o Presidente do Senado estaria “se omitindo” (em referência à sua competência para deflagrar processos de impeachment contra magistrados de Cortes Superiores).
“Os diversos programas da Jovem Pan ventilavam, por exemplo, um grande número de teses vagas (e por vezes com ares conspiratórios) sobre como membros dos Poderes constituídos estariam conluiados para impedirem que a eleição que ocorreria naquele ano se desse com auditabilidade e segurança, e sistematicamente sustentavam que decisões por ele tomadas seriam arbitrárias, ilegais e inconstitucionais – semeando, com isso, uma ideia que floresceria na sequência: a de que tais autoridades não mereceriam qualquer mínimo respeito, e suas decisões, sequer observância”, diz o texto.
“A tônica geral, em dado momento, passou a ser de que o Poder Judiciário e o Poder Legislativo estariam ‘fora da lei’ e ‘à margem da Constituição’. Em uma escalada, a emissora chegou ao ponto de ventilar, sem apontar qualquer prova que o embasasse, que um Ministro do Supremo Tribunal Federal estaria envolvido em uma arapongagem para monitorar, ilegalmente, as conversas de um Deputado Federal sob investigação”, acrescenta.
Além da ação civil pública, o MPF expediu uma recomendação à Controladoria-Geral da União (CGU) para que instaure processo administrativo de modo a impedir a Jovem Pan de celebrar contratos com a Administração Pública federal. O pedido se baseia no parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) logo após os ataques de 8 de janeiro que considera que empresas envolvidas em atos antidemocráticos devem ser consideradas inidôneas para contratar com o Poder Público.
Ação citada na matéria: 5019210-57.2023.4.03.6100