Internacional
O que está por trás da mudança de postura da Turquia na Otan
Depois de um longo e amargo processo que durou mais de um ano, Erdogan concordou em apoiar a adesão da Suécia à aliança militar. Por que o presidente turco mudou de ideia?
Por duas vezes no mesmo dia, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, conseguiu surpreender o Ocidente: primeiro com uma exigência adicional para aprovar a adesão da Suécia à Otan, e depois com um acordo surpreendente de última hora.
Na segunda-feira, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, anunciou que Erdogan concordava em encaminhar ao Parlamento turco a candidatura da Suécia para ingressar na aliança militar “o mais rápido possível”.
Antes que a confirmação de Ancara fosse anunciada, Erdogan fez um último movimento que surpreendeu a todos. Em uma coletiva de imprensa antes de deixar Istambul para a cúpula da Otan em Vilnius, ele levantou outra condição para a adesão da Suécia à aliança.
O presidente turco afirmou que seu país espera nos portões da União Europeia (UE) há mais de 50 anos e, se dirigindo a Bruxelas, disse: “Abram caminho para a Turquia na União Europeia, e então abriremos o caminho para a Suécia [na Otan], assim como abrimos caminho para a Finlândia.”
Mas Bruxelas rejeitou a exigência de Erdogan, sublinhando que a Otan e a UE têm processos separados. No entanto, uma declaração conjunta emitida após o acordo da Otan disse que a Suécia “apoiaria ativamente os esforços para revigorar o processo de adesão da Turquia à UE, incluindo a modernização da união aduaneira entre UE e Turquia e a liberalização de vistos”.
Reaproximação com o Ocidente?
Embora a mídia pró-governo na Turquia tenha retratado o apoio da Suécia como uma vitória para Erdogan, especialistas dizem que essa não é uma conquista nova para Ancara, já que a Suécia é um dos países da UE que tem sido favorável à adesão da Turquia.
Ozgur Unluhisarcikli, diretor do escritório do think tank German Marshall Fund em Ancara, acredita que a ação de Erdogan ainda pode ser considerada uma mensagem importante. “Acho que, depois das eleições, Erdogan está buscando relações mais positivas com os EUA e a Europa e quer ser aceito por eles”, diz Unluhisarcikli. “Pegue suas palavras sobre abrir caminho para a UE, por exemplo; nada acontecerá a esse respeito, e ele sabe disso. Mas o que ele quer dizer é: ‘Não me exclua’.”
Outra teoria é que a Turquia, com taxas de inflação recordes e uma lira em rápida depreciação, está mudando sua política de equilíbrio entre a Rússia e o Ocidente em favor do Ocidente, principalmente por razões econômicas.
Ancara poderia obter vantagens econômicas ao modernizar a união aduaneira da UE com a Turquia. Essa modernização visa expandir a união para incluir produtos agrícolas, setores de serviços e compras governamentais, além de produtos industriais. As empresas turcas também procuram se proteger contra os sofisticados acordos comerciais da UE com países terceiros.
A rota da Turquia à UE e os direitos humanos
As negociações sobre a adesão de Ancara à UE, que começaram em Bruxelas em 2005, não conseguiram fazer progressos concretos. Especialmente após a tentativa de golpe em julho de 2016, as negociações foram paralisadas, pois as medidas antiterroristas tomadas por Ancara levaram a violações dos direitos humanos.
Observadores na Europa argumentam que, para um renascimento significativo nas relações Turquia-UE com uma perspectiva de adesão, a Turquia deve primeiro normalizar suas relações com o Conselho da Europa, uma organização internacional fundada para defender os direitos humanos, a democracia e o Estado de Direito na Europa. É independente da UE, mas nenhum país jamais aderiu ao bloco sem antes pertencer ao Conselho da Europa.
A Turquia é membro do conselho, mas o relacionamento deles tem sido difícil nos últimos anos. Ancara não seguiu a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o órgão mais conhecido do conselho, de “libertar imediatamente” Osman Kavala, ativista e filantropo turco que está preso desde 2017, e Selahattin Demirtas, proeminente político curdo que está preso desde 2016.
Se não houver progresso no caso Kavala, o Conselho da Europa começará a negociar possíveis sanções contra a Turquia no segundo semestre deste ano. Portanto, há muito mais que Ancara precisa fazer para o processo de adesão à UE do que aprovar a adesão da Suécia à Otan.
Ancara conseguirá os F-16?
Embora a jornada da Turquia na UE não esteja rumando a um destino realista no futuro próximo, a decisão de Ancara sobre a Suécia pode ser o início de novas negociações com Washington. Contatos diplomáticos recentes com os Estados Unidos também contribuíram para o consenso alcançado em Vilnius.
Na véspera da cúpula da Otan, o presidente dos EUA, Joe Biden, saudou a decisão de seu colega turco. “Estou pronto para trabalhar com o presidente Erdogan e a Turquia para melhorar a defesa e a dissuasão na área euro-atlântica”, disse Biden em comunicado divulgado pela Casa Branca.
Antes da cúpula, outra declaração vital veio de Vilnius. O conselheiro de segurança nacional americano, Jake Sullivan, disse que os EUA provavelmente prosseguiriam com a transferência de jatos F-16 para a Turquia, em consulta com o Congresso.
Embora Ancara e Washington argumentem que não há ligação entre as duas questões, os desenvolvimentos levaram à especulação de que a decisão de Erdogan de desbloquear o caminho da Suécia para a Otan trouxe a Turquia um passo mais perto de um acordo sobre os F-16.
Ancara tem repetido seu desejo de comprar 40 novos caças Lockheed Martin Corp F-16 e cerca de 80 kits de modernização para seus aviões de guerra existentes. No entanto, apesar dos esforços de Biden para obter o apoio do Congresso sobre o assunto, alguns membros do Congresso, principalmente o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, Bob Menendez, não ficaram convencidos da venda por causa da compra pela Turquia dos sistemas de mísseis russos S-400, bem como outras preocupações – incluindo o bloqueio da adesão da Suécia à Otan pela Turquia.
Depois que Erdogan deu sinal verde para a adesão da Suécia, Menendez também mandou uma mensagem cautelosamente otimista. O senador americano disse que, apesar de suas ressalvas, está discutindo o assunto com o governo Biden e pode decidir em breve sobre a questão dos caças.
“Se eles [o governo Biden] puderem encontrar uma maneira de garantir que a agressão da Turquia contra seus vizinhos cesse, que tem havido uma pausa nos últimos meses, isso é ótimo, mas deve haver uma realidade permanente”, disse Menendez.
“Os F-16 podem não vir imediatamente, mas é provável que tenham sido dadas fortes garantias de que serão entregues”, argumenta Asli Aydintasbas, ex-jornalista da Turquia, em seu artigo no Washington Post.
De acordo com Aydintasbas, uma redefinição mais ampla pode estar em andamento se a Turquia e o Ocidente jogarem suas cartas da maneira certa. Só o tempo dirá se os novos desenvolvimentos da Otan iniciarão um novo capítulo para a Turquia com seus aliados ocidentais.