Internacional
Olaf Scholz: como é governar a Alemanha em tempos de crise
Em meio a inflação, ascensão da ultradireita e guerra, chanceler federal chega à metade do mandato com coalizão em conflito e baixa popularidade. Apesar de tudo, a autoconfiança do social-democrata parece inabalável
A coletiva de imprensa de verão do chanceler federal alemão é uma tradição em Berlim. Todos os anos a ex-chefe de governo Angela Merkel passava mais de uma hora e meia respondendo todo tipo de perguntas dos jornalistas. Na sexta-feira (14/07) foi a vez de seu sucessor, Olaf Scholz.
O governo liderado pelo social-democrata foi eleito em setembro de 2021. Agora, no meio do mandato de quatro anos, o balanço não parece muito positivo para a coalizão formada pelos partidos Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda, o ambientalista Verde, e o Liberal Democrático (FDP).
Pelo menos a julgar pelas pesquisas de opinião, três em cada quatro cidadãos da Alemanha estão pouco ou nada satisfeitos com o trabalho do governo federal. Desde o terceiro trimestre de 2022, as consultas indicam que a coalizão não contaria mais com o apoio da maioria, no caso de novas eleições.
O SPD de Scholz caiu para terceiro lugar na preferência do eleitorado, atrás da União Democrata Cristã e sua irmã bávara, União Social Cristã (CDU/CSU), de centro-direita, e da Alternativa para a Alemanha (AfD), de ultradireita. Os níveis de popularidade dos verdes são os mais baixos em cinco anos. E o neoliberal FDP, parceiro minoritário da coalizão, perdeu um terço de seu apoio desde as últimas eleições gerais.
Olaf Scholz, o sabichão
Essas e outras más notícias, porém, não parecem preocupar o social-democrata, o qual, como afirmou em entrevista à emissora ARD, está seguro de que “este governo obterá um novo mandato” em 2025.
Na coletiva da sexta-feira na Haus der Bundespressekonferenz, Scholz abordou especificamente as apreensões quanto à ascensão da ultradireita: “Estou bastante confiante de que na próxima eleição do Bundestag [Parlamento alemão] a AfD não terá um desempenho muito diferente do que na última.”
Ele se refere consequentemente aos populistas de direita como “partido do mau humor”, que só prospera em popularidade durante as crises: “A crise climática está alcançando um ápice, a guerra voltou à Europa, o equilíbrio de poder global está se deslocando”, comentou ao Bundestag em março. “Esses são os desafios que o governo federal está enfrentando. A grande guinada resultará bem para nós, e má para a AfD, pois ela vai ficar sem o seu ramo de atividade.”
Scholz parece cem por cento convicto que suas decisões são lógicas – e portanto corretas – e é abençoado com uma confiança aparentemente inabalável. Manter a calma, seguir em frente e nunca duvidar de si mesmo: assim o chefe de governo de 65 anos vem fazendo política há mais de três décadas.
Seus críticos o acusam de muitas vezes dar uma de sabichão, chegando a soar condescendente, sobretudo quando ao ser interrogado. “Se eu realmente me desse ao trabalho de refutar toda a lista de afirmativas incorretas, este breve tempo de que disponho não bastaria”, comentou durante uma arguição pelos deputados, antes do recesso de verão.
Se o SPD interpreta tal atitude como liderança clara e forte; para outros ela está no limite da arrogância. Scholz é mestre de fazer as perguntas ricochetearem, dando respostas vagas e tortuosas, num tom de voz sempre calmo e monótono. Esse estilo robótico de elocução lhe valeu o apelido “Scholzomat” (que une o nome do chanceler à palavra Automat, autômato em alemão).
Segundo seus correligionários no Parlamento, contudo, ele também sabe agir diferente, quando quer: consta que, ao discutir com os colegas por trás dos bastidores, o social-democrata seria muito mais apaixonado – um lado que, infelizmente, é raro ele manifestar em público.
Brigas intestinas e “scholzing”
Dentro da coalizão de governo, Scholz tampouco se deixa abalar. Ao assumir o mandato, SPD, verdes e FDP prometeram “novo começo e progresso”, dispondo-se a abordar projetos-chave nos setores de proteção climática, digitalização e transformação econômica.
Pouco depois, contudo, a invasão da Ucrânia pela Rússia e o já famoso “discurso da zeitenwende” (ponto de inflexão histórico ou mudança de paradigma) deslocaram as prioridades. Em vez de se construírem 400 mil moradias por ano e cinco turbinas eólicas por dia, 100 bilhões de euros (R$ 540 bilhões) foram para as Forças Armadas alemãs; e mais outros bilhões, para a busca de alternativas ao gás russo e alívio financeiro dos cidadãos afetados pela crise do custo de vida..
Em 2022, a Alemanha acolheu mais de 1 milhão de refugiados, apenas da Ucrânia. Embora Scholz tenha sido acusado de excesso de hesitação em agir, o país em guerra também tem recebido significativa assistência humanitária e armamentista, em coordenação estreita com a União Europeia e os Estados Unidos.
Scholz ainda insiste que a Ucrânia não deve perder – e não que deva ganhar –, mas atualmente seu posicionamento fundamental está bem claro. Ainda assim, no início de 2023 o historiador inglês Timothy Garton Ash ganhou certa notoriedade ao cunhar o termo “scholzing”, significando: “comunicar boas intenções, só para depois usar/encontrar/inventar qualquer razão imaginável que vá adiá-las e/ou evitar que se realizem”.
Raras vezes um governo federal alemão foi confrontado com tantas crises ao mesmo tempo. A coligação de três legendas enfrentou seu primeiro ano em Berlim com uma coesão notável, mas aí as rivalidades da política partidária começaram a vir à tona.
São demasiados os pontos de discordância entre os três partidos e, à medida que a pressão aumenta, com derrotas em pleitos estaduais e quedas de popularidade, torna-se cada vez mais importante cada um reafirmar suas diferenças em relação aos demais.
De orientação centro-esquerdista, social-democratas e verdes são por um Estado que regulamente mais e apoie os socialmente desfavorecidos; enquanto o neoliberal FDP quer o mínimo possível de intervenção estatal. Os verdes rejeitam concessões na proteção climática e ambiental; enquanto os liberais mantêm em mente os interesses do livre mercado. O resultado são brigas internas e bloqueios no já difícil processo de governar.
A coalizão se mostra incapaz de um acordo sobre uma série de questões, como a planejada transição para calefação sem combustíveis fósseis, cortes orçamentários ou segurança financeira básica para crianças. O FDP insiste em que se evite qualquer novo endividamento a partir de 2024 – apelando para polpudos cortes orçamentários, pois elevar os impostos sobre fortunas está fora de cogitação para os liberais democráticos.
Chefe de governo não é caubói
O chanceler federal social-democrata costuma permanecer invisível em meio a tais rixas – o que também lhe rende críticas de certos grupos políticos. O Partido Verde o tem acusado de ficar inativo enquanto os liberais tentam ganhar evidência, e a própria base social-democrata quer que se encurtem as rédeas do FDP.
Mas Scholz permanece Scholz. Como lembrou certa vez à ARD, aludindo ao ator que representava caubóis heroicos nos velhos filmes de faroeste americanos: ele não é John Wayne.
Para o político alemão, personagens como as de Wayne talvez “sejam o modelo padrão que um ou outro acha super”, em termos de liderança política: um homem forte, sozinho contra todos. Mas não é assim que as coisas funcionam.
“Na realidade, esta é uma família de três partidos e mais de 80 milhões de cidadãs e cidadãos, todos com uma opinião sobre todos os temas relacionados a como conquistarmos o nosso futuro.” E um papai autoritário não seria um bom ponto de partida para uma família moderna.
Em sua autoconfiança inabalável, Olaf Scholz diz partir do princípio que a coalizão voltará a navegar águas mais tranquilas. Ele tem a impressão que todos compreenderam que já se fez muito, e ao mesmo tempo há muito trabalho a ser feito. Agora, sua expectativa é que o grupo governamental trabalhará “com menos barulho”, e visando resultados mais rápidos.