Internacional
O que o filme “Superpower” diz sobre Zelenski – e Sean Penn
Documentário do cineasta americano estreado no Festival de Berlim capta a guerra na Ucrânia desde seus primeiros momentos. E a ascensão de um símbolo de esperança. Mas Zelenski não é o protagonista de “Superpower”
Superpower tem lançamento oficial marcado para 18 de setembro, mas seu trailer já pode ser apreciado na internet. Parece cínico, no entanto justamente a catastrófica situação da política mundial confere uma relevância inesperada ao documentário. Originalmente, Sean Penn e seu codiretor, Aaron Kaufman, pretendiam enfocar Volodimir Zelenski e sua inusitada trajetória, de humorista a presidente da Ucrânia.
Protagonista de uma série de TV de 2015, em que representava um professor que de repente vira presidente, Zelenski candidatou-se e obteve quase 73% dos votos nas eleições presidenciais de 2019. A principal motivação do eleitorado foi o fato de ele não pertencer à elite política corrupta. No entanto, grande parte dos cidadãos era cética quanto a sua capacidade de chefiar o Estado ucranianos.
Enquanto a pandemia de covid-19 atrasava o cronograma de Superpower, a crise política entre Kiev e Moscou se agravou. As filmagens começaram no terceiro trimestre de 2021, e quando, apenas poucos meses mais tarde, as tropas de Vladimir Putin atravessaram a fronteira, Penn reuniu-se em Los Angeles com sua equipe e consultores.
União nacional, o “superpoder” dos ucranianos
Em de 24 de fevereiro 2022, o início oficial da invasão russa, o cineasta americano se encontrava em Kiev, atordoado pelos acontecimentos e profundamente impressionado com Zelenski, que honrou o encontro marcado para aquela noite apesar do começo da guerra.
Penn testemunhou uma surpreendente metamorfose: o presidente ucraniano passou a ser o portador da esperança de uma nação ainda jovem e cuja existência estava ameaçada. “Corajoso e emocionante”, comentou com admiração, após o breve diálogo com Zelenski.
Com supreendente franqueza, Sean Penn admite que pouco sabia sobre a situação no Leste Europeu, e que só mais tarde informou-se sobre o Euromaidan, a onda de protestos iniciada em 2013, reunindo na Praça da Independência da capital centenas de milhares de cidadãs e cidadãos ucranianos pró-União Europeia.
A luta pela liberdade o impressionou, assim como a nova unidade da população ucraniana: seu “superpoder”. “Algo que nós perdemos”, comenta Penn nostálgico, referindo-se à trincheira política que divide os Estados Unidos.
Passados 18 meses, a guerra de Putin na Ucrânia tem sido documentada de forma abrangente. Correspondentes in loco fornecem quase diariamente informações e imagens devastadoras. Que nova abordagem um documentário ainda é capaz de fornecer?
Um caso de gonzo journalism?
Na coletiva de imprensa por ocasião da estreia mundial de Superpower, em fevereiro de 2023 no festival de cinema Berlinale, Penn instou a que se ajudasse o país sob ataque russo a equipar-se com armas de longo alcance. “Não é um filme ambivalente por que não é uma guerra ambivalente”, resumiu, indagado por que seu filme só mostrava o ponto de vista da Ucrânia, unilateralmente.
Penn não é um cronista que mantenha a distância e deixe as imagens e os entrevistados falarem por si. Ele próprio se transforma em protagonista, classifica, julga, conecta. No jornalismo, é controvertido esse tipo de reportagem em que o noticiarista vira o objeto: exibicionismo, ou o envolvimento pessoal de fato proporciona ao público um acesso emocional diferente?
Nos EUA, nos anos 1970, cunhou-se o termo gonzo journalism, em que se colocam em primeiro plano as vivências pessoais, numa subjetividade radical. É perda de tempo acusar um superstar como Penn de exibicionismo, mas ele preenche a tela de modo tão central, que leva esse gênero jornalístico a um raro extremo.
O tempo todo veem-se coquetéis sobre a mesa, copos de uísque meio cheios, uma garrafa de vodca. Com seu rosto marcado, cabelos despenteados e guimba de cigarro na boca, Penn parece a imagem do “homem de Marlboro” que chegou para salvar o mundo. Na Berlinale, ele afirmou ter simplesmente mantido os próprios hábitos durante a filmagem, mas em alguns momentos a encenação parece gratuita.
Corajoso ou supérfluo?
Quando, em 24 de fevereiro de 2022, a vice-primeira-ministra da Ucrânia, Iryna Vereshchuk, se apresenta diante das câmeras, o cineasta americano está na primeira fila da sala de imprensa, de óculos escuros. A viagem de carro no dia seguinte, em direção à Polônia, passando por Lviv, é acompanhada por música ritmada, a legenda informa que a equipe só dormiu duas horas.
O que se vê é um astro de Hollywood para quem se desenrola o tapete vermelho até na frente de batalha. Do ponto de vista da Ucrânia, é compreensível: numa guerra marcada por imagens e pelas redes sociais como nenhuma outra antes, um país na defensiva precisa de todo tipo de atenção. Também o ator Ben Stiller e o legendário apresentador do programa Late Night, David Letterman, já visitaram Zelenski em Kiev.
Mas o que os cineastas de Superpower querem provar? Quando decide ir para a linha de defesa avançada na região do Donbass, Penn é alertado que não há como garantir sua segurança. Ele vai, mesmo assim. Ato corajoso ou supérfluo? Os soldados se sentem honrados por ele escolher estar ali, com eles, ou sua visita é antes uma inconveniência, já que agora têm que defender não só o rio próximo, mas também o convidado famoso?
Nas cenas adicionais, vê-se sobretudo o americano acocorado nas trincheiras, de capacete, colete à prova de balas e óculos rayban. O protagonista de Superpower não é Volodimir Zelenski, nem o povo da Ucrânia, mas somente Sean Penn.
Em meados de 2022, ele volta a encontrar-se com o líder ucraniano em Kiev: ambos estão sentados num jardim magnífico, os arbustos bem podados, o sol que brilha. De modo um tanto patético, Penn recorda o primeiro encontro, em 24 de fevereiro, numa salinha sem janelas nem decoração: “Eu vi nos seus ollhos: você nasceu para esse momento.”
Zelenski reage com simpatia e modéstia: “Quem não está pronto para a vitória, não precisa lutar.” Poderia ter sido a palavra final do documentário. Mas o cineasta opta por concluí-lo diante da estante de livros de casa, com suas próprias considerações.