CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Como a água na Lua difere da que existe na Terra?
Que haja água na Lua, e possivelmente em abundância, não é novidade. No entanto, estudos muito recentes sugerem que ela pode estar se formando continuamente através de um processo que é impossível na Terra
A água é uma substância especial, as suas propriedades são verdadeiramente particulares, e acredita-se que a sua existência no estado líquido seja o requisito fundamental para que a vida exista e se desenvolva em outros planetas além da Terra.
A distribuição da água na superfície da Terra é mais que enganosa. Por cobrir cerca de 70% de toda a superfície, dá a impressão de estar presente na Terra em grande abundância. Esta impressão enganosa talvez tenha produzido a crença errônea de que podemos nos dar ao luxo de desperdiçá-la, dada a sua imensa quantidade… mas isso está errado!
Quanta água existe na Terra?
A quantidade total de água presente em nosso planeta não é tão grande, aliás podemos dizer que é relativamente pequena. Sua massa mal chega a 0,2% da massa total da Terra. Para cada “quilograma” de Terra, existem apenas 2 “gramas” de água. A percentagem cai para 0,005% se nos limitarmos apenas à água doce. Para cada 1.000 quilos de terra existem apenas 5 gramas de água doce.
A imagem de capa desse artigo nos dá uma ideia muito boa da proporção entre a quantidade total de água, imaginando-a toda contida numa esfera, e a água doce, contida na menor esfera, em comparação com o tamanho da Terra.
De onde vem a água na Terra?
A origem da água na Terra tem sido objeto de numerosos estudos que, especialmente nos últimos anos, tiveram desenvolvimentos significativos. Inicialmente pensava-se que a água vinha do espaço e era transportada para a Terra por cometas, asteroides e meteoritos.
Nas fases iniciais da vida da Terra, todo o sistema solar era muito rico em asteroides e cometas, então a frequência dos impactos era particularmente elevada.
Recentemente, surgiu com sucesso a hipótese de que, em vez disso, a água já estava presente no disco protoplanetário a partir do qual a Terra foi formada. Portanto, de acordo com esta hipótese, a Terra teria se formado imediatamente com o seu suprimento de água. Talvez no início, a quantidade de água tenha sido maior, e depois parcialmente evaporada e escapada da gravidade terrestre devido à temperatura inicialmente muito elevada do planeta.
Mais recentemente, esta hipótese encontrou apoio na observação do Telescópio Espacial James Webb da presença de água no disco protoplanetário da estrela PDS70. Especificamente, a presença de água no estado de vapor d’água foi localizada dentro do disco no qual dois exoplanetas (PDS 70 b e PDS 70 c) estão se formando.
Esta observação mostra que a água já está presente nos discos de poeira e gás nos quais os planetas se formam, como aconteceu há cerca de 4,6 bilhões de anos com a Terra.
Como a água foi descoberta na Lua?
Sabemos que a Lua não emite luz própria, mas reflete a luz solar direta e indireta. Esta luz refletida tem, portanto, todas as características da luz solar. No entanto, também possui algumas peculiaridades (especificamente linhas e bandas de absorção) que são adicionadas ao espectro solar dependendo da natureza das rochas lunares que a refletem.
A observação de bandas moleculares de água no espectro solar refletido da Lua revelou a presença de água em algumas regiões.
A confirmação da presença de água na Lua aconteceu graças ao SOFIA (Stratospheric Observatory for Infrared Astronomy). Trata-se de um telescópio da NASA com 2,5 m de diâmetro montado em um Boeing 747. Esta aeronave voou em altitudes superiores a 12,5 km, ou seja, acima da estratosfera onde já não existe vapor de água terrestre, e observou a luz lunar no infravermelho em que revelou a presença de água.
Mas como é formada?
Mais recentemente, um estudo publicado na revista Nature Geoscience, assinado pela primeira vez por Huicun He, da Universidade da Academia Chinesa de Ciências, anunciou a descoberta da presença de água em amostras de rochas lunares coletadas por um robô chinês, o Chang-e5, e então trazidas à Terra para serem analisadas. A água foi encontrada presa na superfície de esferas de vidro que se formaram durante impactos de meteoros.
Quando um impacto meteórico ocorre na superfície lunar, devido às altas temperaturas durante o impacto, as rochas de silício no local do impacto derretem e evaporam formando esferas de vidro.
Essas esferas de vidro possuem uma superfície porosa capaz de capturar água. Mas a descoberta sensacional é que a água presente nas esferas está em formação contínua devido ao efeito do vento solar que envolve continuamente a superfície lunar.
Ao contrário da Terra, a Lua não possui um campo magnético para protegê-la do vento solar.
As moléculas de água se formam a partir da interação dos prótons presentes no vento solar com os elétrons já presentes nas rochas, formando átomos de hidrogênio; estes então se ligam ao oxigênio já presente na superfície dessas esferas, formando moléculas de água.
A interação do vento solar com a superfície lunar resulta na formação de moléculas de água que permanecem presas na superfície das esferas de vidro.
Isto significa que tanto em regiões sombreadas, como no interior de crateras de impacto, como em regiões diretamente expostas ao Sol, como observado pelo SOFIA, há uma produção contínua de água.
Este mesmo mecanismo de produção de água é impossível de operar na Terra porque graças ao campo magnético terrestre o vento solar não consegue atingir a superfície (felizmente, pois é um vento elétrico).
Qual é o benefício para nós da água na Lua
A presença de água na Lua é importante para o programa Artemis. Este é o projeto que visa a permanência humana de longo prazo na Lua. A descoberta da água revela-se crucial, pois pode alimentar plantas permanentes e futuros assentamentos humanos.
Contudo, o objetivo mais ambicioso para o homem é Marte. No entanto, por “conveniência”, a Lua oferece uma forma mais barata de se preparar para uma possível colonização do planeta vermelho. Na verdade, devido à sua proximidade e acessibilidade mais fácil, a Lua nos permite praticar a vida num ambiente hostil e experimentar vários sistemas e métodos que podem ser utilizados em Marte.
Na Lua seremos capazes de construir habitats humanos e testar tecnologias e práticas que poderão nos ajudar a construir postos avançados autossustentáveis em Marte.
A corrida para a Lua foi retomada com grande vigor. Depois do fracassado pouso lunar da sonda russa Luna-25, ocorreu no dia 23 de agosto o pouso lunar da sonda indiana Chandrayaan-3, cujo rover já iniciou sua missão de exploração científica do solo lunar.