Saúde
Síndrome do coração partido pode levar à morte – principalmente os mais idosos
Os homens mais idosos têm maior dificuldade em lidar com a perda da parceira.
Síndrome do coração partido
Há muito se sabe que a chamada síndrome do coração partido pode matar.
Se você acha que é apenas uma figura poética dizer que uma pessoa pode morrer por decepção amorosa, saiba que o impacto emocional pode gerar um enfraquecimento súbito do músculo cardíaco, impedindo-o de bombear o sangue de forma eficaz, levando ao que os médicos chamam de cardiomiopatia de takotsubo.
A professora Maria Júlia Kovács, do Instituto de Psicologia da USP, destaca que o luto pode ser uma forma específica de perda que pode ser ainda mais grave do que o término de um relacionamento.
As consequências da morte de alguém conhecido nunca são fáceis, mas quando se trata da morte de um parceiro a situação se agrava e pode se estender além do adeus. Essa situação pode desencadear um quadro de consequências prejudiciais à saúde, como distúrbios do sono, episódios depressivos, ansiedade, diminuição da função imunológica e até mesmo um declínio significativo na saúde física. Esse panorama é comum e recebe o nome de “efeito viuvez”.
O efeito viuvez também pode ser enquadrado na síndrome do coração partido, quando a perda de uma pessoa é vivida de uma forma tão intensa e tão dolorosa, ou com tanto sofrimento, que acaba levando à morte do enlutado. A condição foi descrita pela primeira vez em 1990, no Japão, e nessa síndrome o coração fica tão parecido com uma armadilha para capturar polvos, chamada takotsubo, que os médicos começaram a denominar a doença de cardiomiopatia de takotsubo, ou cardiomiopatia induzida por estresse.
Um luto forte demais pode causar forte inflamação no corpo, em um nível capaz de colocar a pessoa em risco de vida.
Efeito viuvez
Apesar do estado clínico crítico, que pode levar à morte, Maria Júlia comenta que não é uma regra que aqueles que sofrem da síndrome do coração partido tenham um desfecho tão drástico.
“É importante a gente considerar que, mesmo que a pessoa não queira mais viver, não quer dizer que obrigatoriamente ela vai ter um processo de adoecimento direto ou vai cometer o suicídio,” afirmou. Além disso, na maioria dos casos, quando o estresse emocional agudo se dissipa, o coração se recupera e volta à sua forma normal.
Mas o efeito da viuvez é mais forte conforme aumenta a idade do enlutado. Além de documentar o efeito em todas as idades e raças ao redor do mundo, uma pesquisa realizada pelos professores Nicholas Christakis (Universidade de Yale) e Felix Elwert, (Universidade de Wisconsin), mostrou que o risco de um idoso morrer por qualquer causa aumenta entre 30% e 90% nos primeiros três meses após a morte do cônjuge, e cai para cerca de 15% nos meses seguintes.
O estudo ainda revelou que, quando um parceiro morreu de forma súbita, o risco de morte do cônjuge sobrevivente aumentou. O mesmo acontecia com doenças crônicas como diabete, doença pulmonar obstrutiva crônica e câncer de pulmão ou cólon, que exigiam tratamento cuidadoso do paciente para tratar ou prevenir.
No entanto, se um cônjuge morreu de doença de Alzheimer ou Parkinson, não houve impacto na saúde do parceiro sobrevivente – possivelmente porque o cônjuge teve tempo adequado para se preparar para a perda do parceiro.
Para enfrentar uma separação, pegue leve consigo mesmo.
Como lidar com o luto
Pessoas da terceira idade e os viúvos homens são os mais propensos a sofrerem da síndrome de takotsubo, uma vez que as pessoas mais idosas vivem muito tempo juntas e muitas vezes não conseguem conceber uma vida sem a pessoa querida. Os homens têm maior dificuldade em expressar seus sentimentos, no preceito de que se abrir e conversar sobre suas emoções é equivalente à fragilidade, o que pode explicar o impacto maior sobre sua saúde.
De fato, os homens correm um risco maior de morrer após perder a parceira: Após estudar dados de quase 1 milhão de cidadãos dinamarqueses casados, pesquisadores descobriram recentemente que os homens tinham 70% mais chances de morrer do que os que não perderam a parceira. No caso das mulheres, 27% eram mais propensas à morte do que as que não se tornaram viúvas.
Mas também aqui cada caso é distinto, e não se pode generalizar. “Quando, por exemplo, a pessoa é muito idosa ou já tem um processo de adoecimento, ou alguma condição que requer atenção psicológica ou psiquiátrica, que dificulta o processo de elaboração do luto, pode ser que ela seja mais propensa à síndrome do coração partido em um período curto de tempo; outras pessoas têm um processo de luto mais longo, que pode ser chamado de complicado, porque a intensidade, o sofrimento é muito grande e a capacidade e vontade de viver nesse mundo sem a pessoa querida é tão penosa que o luto se arrasta por anos,” explicou Maria Júlia.
E existe também outra possibilidade de luto: “Existem circunstâncias em que a vida pode ficar melhor, porque às vezes o relacionamento era tóxico, era difícil, havia muito conflito e muita briga e, portanto, a viuvez se transforma nessa possibilidade de retornar ao bem-estar e à simplicidade da vida,” ilustrou a pesquisadora.
O importante, portanto, é ficar atento aos sinais da síndrome do coração partido para que, se necessário, se faça a intervenção e a busca por ajuda. “Os cônjuges sobreviventes podem sofrer de distúrbios do sono, episódios depressivos, ansiedade, função imunológica prejudicada e saúde física geral precária,” ilustra a psicóloga, enfatizando a necessidade de um acompanhamento, apoio e de opções como grupos terapêuticos, terapia individual ou até mesmo medicação.
“Não finja que está tudo bem e cerque-se de pessoas para as quais você não precisa fingir que está bem. O luto é um ato de coragem e força. Quanto mais significativa a perda, mais profunda ela é e mais longo é o processo de recuperação. Procure ajuda se necessário,” concluiu Maria Júlia.