Judiciário
A separação judicial não é requisito para o divórcio
A SEPARAÇÃO JUDICIAL NÃO É REQUISITO PARA O DIVÓRCIO
Rogério Tadeu Romano
I – A SEPARAÇÃO E O DIVÓRCIO
A Lei 6.515/77, editada após a emenda do divórcio, deixou patente a distinção entre separação judicial e divórcio.
De início proibia a conversão da separação em divórcio em menos de um ano, fato que apresentava flagrante inconstitucionalidade.
Na separação, faz-se a partilha, o regime de guarda dos filhos, inclusive se for o caso o compartilhamento.
Qual a diferença entre separação e divórcio?
Separação é uma forma de dissolução da sociedade conjugal, que extingue os deveres de coabitação e fidelidade próprios do casamento, bem como o regime de bens. Fica mantido, contudo, o vínculo matrimonial entre os separados, permitindo-se a reconciliação a qualquer tempo, o que os impede de contrair outro casamento, até que seja realizado o divórcio. Já o divórcio é uma forma de dissolução total do casamento por vontade das partes. Somente após o divórcio é permitido aos cônjuges contrair outro casamento. Em caso de reconciliação do casal após o divórcio, é necessário um novo casamento.
Conforme reza o artigo 1.576 do Código Civil a separação põe fim aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens, contudo mesmo após a separação as partes não poderão se casar novamente, o que só poderá ocorrer através do divórcio.
Lembrou Paulo Affonso de Freitas Melro Neto (Diferença entre separação e divórcio) que a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial são inconfundíveis, pois a sociedade conjugal, de forma simples, significa o convívio, os deveres entre os cônjuges, já o vínculo matrimonial seria o casamento válido propriamente dito, sendo o vínculo matrimonial um instituto maior que a sociedade conjugal.
Discorre sobre isso Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 5. Direito de Família. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008):
“O casamento é, sem dúvida, um instituto mais amplo que a sociedade conjugal, por regular a vida dos consortes, suas relações e obrigações recíprocas, tanto morais quanto as materiais, e seus deveres para com a família e a prole. A sociedade conjugal, embora contida no matrimônio, é um instituto jurídico menor do que o casamento, regendo apenas o regime matrimonial de bens dos cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consortes ou de cada um deles. Daí não se poder confundir o vínculo matrimonial com sociedade?”
II – A SEPARAÇÃO DE CORPOS
O CPC de 1973 revogado prescrevia, em seu artigo 888, VI, sobre a chamada “separação de corpos”, a que se denominava “afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal”. O instituto na lição de José Ribeiro Leitão (Direito Processual Civil, 1980, pág. 108) não corresponde necessariamente à separação física do casal.
O juiz autoriza, em geral, o requerente da medida a afastar-se do domicílio conjugal, isentando-o do dever de coabitação, que é inerente ao matrimônio, legitimando o estado de separação de corpos, como ensinou Humberto Theodoro Júnior (Comentários ao Código de Processo Civil, 1978, volume V, pág. 405).
Disse, outrossim, Humberto Theodoro Júnior (obra citada, pág. 104) que essa provisional tem por finalidade precípua isentar os cônjuges do debitum coniugale, não implicando, necessariamente, no afastamento de um deles da morada comum.
Essa provisional não teria a finalidade necessária de obrigar os cônjuges a habitar em lugares diversos, mas apenas legitimar a separação de corpos, enquanto suspensão ainda que temporária do debitum coniugale, sendo admissível a concessão de respectivo alvará ainda que os cônjuges permaneçam habitando o mesmo prédio, mas sem convivência conjugal.
Com essa providência o cônjuge fica liberado do débito conjugal.
Barros Monteiro (Curso de direito civil, direito de família, 19ª edição, 1980, volume II) já afirmou pela desnecessidade da prévia obtenção do alvará de separação de corpos se os consortes se encontrem separados de fato, morando em residências diversas, o que é evidente, uma vez que que o pedido de separação de corpus é uma faculdade concedida ao consorte e não uma obrigação a ele imposta.
Há diversos julgados, à época apontados por Silvio Rodrigues (obra citada, pág. 105) citados na Revista dos Tribunais (132/683, 154/138, 163/710, 438/141 e 446/80), em que se indeferiu o pedido de separação de corpos formulado por um dos esposos, alegando sua inutilidade diante da separação já existente.
Para Silvio Rodrigues, decisões em tal sentido, a despeito de seu grande número, são gritantemente ilegais, pois a mera circunstância de ser desnecessário o pedido de separação de corpos não significa deva ser indeferido o alvará uma vez pleiteado. Disse ele: “Pois embora seja reconhecido, tanto pela doutrina, como pela jurisprudência, que a falta de alvará não invalida o processo judicial, é inegável que a parte interessada tem o direito de pleiteá-lo, se o quiser, e o direito de obtê-lo se o pedir.”
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento do AI 70036931384 entendeu que”exsurgindo dos autos que a animosidade entre as partes já existe há muito tempo, sem fato novo a justificar a liminar pleiteada, não há razão para a concessão do pedido de separação de corpos. Por conseguinte, ausente a necessidade da recorrente quanto aos alimentos provisórios.”
Já se decidiu que a separação de fato não obsta ao pedido de separação de corpos (RT, 810:391, dentre outros).
Na matéria se entendeu que o alvará de separação de corpos, achando-se os corpos separados, é considerada, na jurisprudência, uma medida perfeitamente admissível (RT 541/97, 525/66, 515/83, dentre outros).
A medida provisional de separação de corpus a que o Código de Processo Civil de 1973 se referia era denominada de afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal.
O juiz em geral autoriza o requerente da medida a afastar-se do domicílio conjugal, isentando-o do dever de coabitação, inerente ao matrimônio, e por tal modo legitimando a separação de corpos. Mas além desses casos poderá o juiz conceder alvará de separação de corpos ao cônjuge requerente, ordenando que o outro se afaste do domicílio comum, como ensinou Jorge Americano, Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, 1960, 3º volume, pág. 32).
A provisional de separação de corpos não é medida cautelar. É simples medida antecipatória de provável sentença favorável a ser proferida na ação matrimonial correspondente. Liebman (Manuale di diritto processuale, 4ª edição, volume I, pág. 196) separou “os provimentos interinais dos cautelares”para mostrar que os primeiros são atos do processo em que são proferidos, ao passo que as cautelares verdadeiras não fazem parte da lide principal.
Estamos diante das chamadas providências interinais.
Lembro, na oportunidade, a lição de Paulo Affonso de Freitas Meiro Neto (obra citada) ao trazer o ensinamento de Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011):
“[…] a separação de corpos é a alternativa para quem deseja pôr fim aos deveres conjugais e ao regime de bens, mas não quer dissolver o casamento. Muitas vezes, os cônjuges invocam até razões religiosas para não desejarem o divórcio”
III – A SEPARAÇÃO JUDICIAL
Disse-nos Paulo Affonso de Freitas Melro Neto (obra citada):
“A separação, portanto, é considerada uma dissolução da SOCIEDADE CONJUGAL, ou seja, um instituto que visa pôr fim aos deveres implícitos em uma relação matrimonial, qual sejam, fidelidade recíproca, vida em comum, no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e consideração mútuos, todos contidos no art. 1.566 do Código Civil, porém os cônjuges não podem contrair novas núpcias, justamente por não romper com o vínculo matrimonial já detalhado anteriormente.”
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através da formulação da súmula 39 acabou com uma discussão que já levava tempo, qual foi, a extinção da separação judicial após a criação da possibilidade de divórcio:
Súmula 39. A Emenda Constitucional 66/2010, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, não baniu do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, dispensados, porém, os requisitos de um ano de separação de fato (quando litigioso o pedido) ou de um ano de casamento (quando consensual).
Referência: Incidente de Prevenção ou Composição de Divergência em Apelação Cível nº 70045892452, julgado em 05.04.2012. Sessão do 4º Grupo Cível. Disponibilização DJ nº 4820, de 27.04.2012, Capital, 2º Grau, p. 210.
De acordo com Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 5. Direito de Família. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009):
“Duas são as espécies de separação judicial: a) consensual ( CC, art. 1.574), ou por mútuo) consentimento dos cônjuges casados há mais de uma ano, cujo acordo não precisa ser acompanhado de motivação, mas para ter eficácia, requer homologação judicial depois de ouvido o Ministério Público; b) a litigiosa, ou não consensual, efetivada por iniciativa da vontade unilateral de qualquer dos consortes, ante as causas previstas em lei.”
Com base no art. 1.571 do Código Civil incisos I,II,III, IV e parágrafo primeiro, o vínculo matrimonial, somente é dissolvido pelo divórcio ou pela morte de um dos cônjuges. A separação judicial, embora coloque termo à sociedade conjugal, mantém intacto o vínculo matrimonial, impedindo os cônjuges de contrair novas núpcias. Pode-se, no entanto, afirmar que representa a abertura do caminho à sua dissolução.
Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
I – pela morte de um dos cônjuges;
II – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.
§ 1º – O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.
O conceito de divórcio nada mais é do que a dissolução da sociedade conjugal, bem como, do vínculo matrimonial, ou seja, do casamento válido, que se opera mediante a uma sentença judicial, podendo assim, depois de decretada, realizar um novo casamento.
O texto original da Constituição previu a dissolução do casamento civil pelo divórcio, mas exigia a separação judicial prévia por mais de um ano ou a comprovação da separação de fato por mais de dois anos. A Emenda Constitucional (EC) 66/2010 suprimiu a exigência, porém não houve alteração no Código Civil no mesmo sentido.
Extrai-se daquela norma constitucional instituída pelo constituinte derivado:
Art. 1º O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 226. ………………………………………………………………………
…………………………………………………………………………………………….
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”(NR)
Pode haver divórcio e partilha de bens a posteriori?
Depois de realizado o divórcio (judicial ou em cartório) e averbada a certidão no registro civil de pessoas naturais, a partilha de bens pode ser feita de duas formas: Em cartório ou judicialmente, através da ação de partilha de bens.
Tem-se da legislação civil:
Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.”
O divórcio é um direito que pode ser exigido a qualquer tempo e por qualquer motivo (mesmo que não seja fundamentado), por ser tratar de algo intrínseco a vontade pessoal, não podendo o outro cônjuge se negar a aceita-lo. Na verdade, a resistência a ele obriga o procedimento a ser feito de forma judicial, o que pode demorar a ser feito, principalmente quando não há consenso em relação a partilha.
Porém, até que seja definida a ação de partilha de bens após a separação, ambos os cônjuges devem prestar contas sobre os bens dos quais tem a posse.
IV – A SEPARAÇÃO JUDICIAL NÃO É REQUISITO PARA O DIVÓRCIO
O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, na sessão do dia 8.11.23, que as normas do Código Civil que tratam da separação judicial perderam a validade com a entrada em vigor da Emenda Constitucional (EC) 66/2010. Segundo a decisão, depois que essa exigência foi retirada da Constituição Federal, a efetivação do divórcio deixou de ter qualquer requisito, a não ser a vontade dos cônjuges.
O Recurso Extraordinário (RE) 1167478 (Tema 1.053) contesta uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que manteve sentença decretando o divórcio sem que tenha havido a separação prévia do casal. Segundo o TJ-RJ, a EC 66/2010 afastou essa exigência, bastando manifestar a vontade de romper o vínculo conjugal. No recurso ao Supremo, um dos cônjuges alega que a alteração constitucional não afasta as regras do Código Civil.
Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Luiz Fux, no sentido de que a alteração constitucional simplificou o rompimento do vínculo matrimonial e eliminou as condicionantes. Com isso, passou a ser inviável exigir separação judicial prévia para efetivar o divórcio, pois essa modalidade de dissolução do casamento deixou de depender de qualquer requisito temporal ou causal.
Em seu voto, o mnistro Fux observou que a alteração constitucional buscou simplificar o rompimento do vínculo, eliminando as condicionantes. Com o novo texto, a dissolução do casamento não depende de nenhum requisito temporal ou causal, o que torna inviável exigir a separação judicial prévia para efetivar o divórcio.
O ministro André Mendonça abriu uma divergência parcial e votou para garantir a separação judicial como instituto autônomo, apesar de também considerar que não há a exigência para o divórcio. Ele foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
O ministro Edson Fachin apontou para o caráter de liberdade que deve existir nas relações, sem que ninguém deva permanecer casado por obrigação.
— Casar é um ato de liberdade, é uma escolha, é um ato que constitui uma comunhão de vida. Manter-se casado também há de ser um ato de liberdade, por isso que divorciar-se é um direito potestativo. E esse exercício de comunhão de vida é que dá sentido maior a noção de família, que é a noção de afeto que sustenta a comunhão de vida — disse.
O Plenário entendeu que, com a alteração do texto constitucional, a separação judicial deixou de ser uma das formas de dissolução do casamento, independentemente de as normas sobre o tema terem permanecido no Código Civil. Para o colegiado, a figura da separação judicial não pode continuar a existir como norma autônoma.
A tese de repercussão geral fixada para o Tema 1.053 é a seguinte:
“Após a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio, nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico. Sem prejuízo, preserva-se o estado civil das pessoas que já estão separadas por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de um ato jurídico perfeito”.