Internacional
Migrantes pagam para cruzar fronteira Rússia-Finlândia
Helsinki fecha fronteiras e acusa Moscou de enviar pessoas da África e do Oriente Médio sem documentos aos postos de controle. Para fazer travessia, migrantes chegam a pagar 2.500 dólares a intermediários
A Finlândia fechou todas as fronteiras com a Rússia, com exceção da de Raja-Joosepi, no nordeste do país, alegando que Moscou estaria levando migrantes da África e do Oriente Médio de forma deliberada para fazer a travessia.
Quatro das oito passagens na fronteira russo-finlandesa já haviam sido fechadas na noite de 18 de novembro. Na noite desta sexta-feira (24/11) foi a vez de outras três passagens, que ficarão bloqueadas por pelo menos um mês.
“Vingança do Kremlin”
As autoridades finlandesas disseram que, nos últimos meses, a Rússia começou a permitir que viajantes sem documentos atravessassem a fronteira e chegassem à Finlândia e, consequentemente, à União Europeia (UE).
Para o presidente finlandês, Sauli Niinistö, o “influxo de migrantes é uma vingança do Kremlin” pela adesão da Finlândia à Otan. Moscou nega e diz que as passagens de fronteira estão sendo usadas apenas por pessoas autorizadas.
Desde agosto, 684 cidadãos do Iêmen, do Iraque, da Somália e de outros países da África e do Oriente Médio solicitaram asilo na Finlândia. Os dados foram obtidos pela DW junto à Guarda de Fronteiras finlandesa. Todos entraram no território finlandês por meio de passagens de fronteira russas sem uma permissão de entrada na UE.
A ministra das Relações Exteriores da Finlândia, Elina Valtonen, disse em entrevista à DW que a Rússia não estava mais “guardando a fronteira comum” com base nos acordos bilaterais, o que colocaria em risco a segurança nacional e a ordem pública na Finlândia.
“A Rússia parece estar incentivando a travessia ilegal das fronteiras”, afirmou Valtonen.
Dmitry Peskov, porta-voz do presidente russo Vladimir Putin, negou as acusações e disse que as passagens de fronteira “são usadas por aqueles que têm o direito legal de fazê-lo, e que os guardas de fronteira russos cumprem integralmente todas as instruções oficiais a esse respeito”.
A fronteira entre os dois países tem 1.340 quilômetros, e a paisagem inclui de florestas densas no sul a relevos acidentados no Ártico. Atualmente, há nove pontos de passagem, sendo um exclusivo para viagens de trem.
Como os migrantes chegam à fronteira russo-finlandesa
Na internet, circulam mensagens sobre como viajar da Rússia para a Finlândia sem os documentos necessários. A DW teve acesso a grupos em árabe no serviço de mensagens Telegram, nos quais são trocadas experiências sobre a travessia.
Por exemplo, no grupo Information Russia-Finland (em árabe: معلومات روسيا فنلندا), mediante pagamento, é oferecida ajuda para solicitar um visto russo. O serviço é ofertado, inclusive, por administradores do grupo.
De acordo com a proposta, da Rússia o migrante poderia cruzar a fronteira para Finlândia, acessando a UE – pelas atuais regras, os migrantes devem pedir asilo no primeiro país da UE em que chegarem.
Segundo o histórico de bate-papo, o grupo foi criado em maio de 2022 pelo usuário “Rus GT”, cujo perfil já foi excluído. Não se sabe quem estava por trás da conta.
“Ajuda” para atravessar a fronteira
Vários usuários, cujos perfis também já foram excluídos, alegaram no chat que poderiam ajudar a solicitar um visto de estudos na Rússia e, depois, a atravessar a fronteira para a Estônia ou para a Finlândia.
Um visto de estudo de três meses, a participação registrada em um curso de idioma de curta duração na Rússia e o transporte até a fronteira custariam 1.300 dólares.
Por 2.500 dólares, os migrantes em potencial poderiam obter um visto com previsão de prorrogação por um ano, além de acomodação para estudantes, seguro-saúde “para que não haja problemas na fronteira”.
No “pacote” também estaria incluído um guia que fala russo e “conhece a área melhor do que um GPS” e orientação sobre a melhor forma de solicitar asilo na União Europeia, como por “opiniões políticas, crenças ou ameaças no país de origem”.
Aluguel de bicicletas
Os meses de outubro e novembro de 2023 registraram o maior número de mensagens no chat. Por exemplo, um usuário com um número de telefone registrado em Belarus e o apelido “Abo Abdo” escreveu que poderia ajudar pessoas que quisessem ir para a Finlândia.
Primeiro, elas seriam levadas a Vyborg por “certos russos”, de onde seguiriam para a Finlândia. Mas há uma ressalva: de acordo com “Abo Abdo”, uma bicicleta é necessária para atravessar a fronteira.
De fato, a maioria das passagens de fronteira entre a Rússia e a Finlândia não podem ser cruzadas a pé, somente com um meio de transporte – isso inclui bicicletas e scooters.
Um russo que atravessou o posto de controle Värtsilä-Niirala contou à DW ter visto um micro-ônibus com placas da Rússia repleto de bicicletas. Pouco antes da fronteira, o motorista distribuiu as bicicletas para cerca de 30 pessoas.
Outro homem que testemunhou a cena relatou que as pessoas pegavam as bicicletas rapidamente e “depois seguiram um oficial russo da fronteira até o posto de controle”.
Um membro do grupo do Telegram chamado “N” disse que a polícia russa não prenderia os migrantes que aparecessem com um “intermediário”.
Outro usuário, “Torab”, enfatizou que os “intermediários” tinham algum tipo de acordo com os oficiais de fronteira russos. Eles carimbavam os passaportes dos migrantes e os enviavam para o lado finlandês, de onde os migrantes poderiam solicitar asilo. Nenhum dos usuários respondeu às perguntas da DW.
Salto no número de membros
Desde que as autoridades finlandesas anunciaram que fechariam mais postos de controle, o número de usuários de outro grupo do Telgram, esse chamado de Moscow_Finland, saltou de 30 para 170.
Face à nova situação, muitos usuários exigem que os “intermediários” garantam que eles poderão atravessar a fronteira para a UE.
“Se eu chegar na fronteira, pode acontecer de ser preso e deportado?”, questiona um dos usuários.
A resposta parece tranquilizadora: “Em dois dias, mais de 100 pessoas cruzaram a fronteira e ninguém foi deportado”, garantiu o administrador do grupo.