Internacional
Placa de pedra milenar revira ideias sobre papéis de gênero
Achado destruído no sudoeste da Espanha mostra figura com motivos tidos como femininos e órgãos genitais masculinos, colocando em xeque interpretações anteriores de gênero das pessoas representadas em estelas
Um grupo de arqueólogos que escavava um complexo funerário com 3 mil anos de idade no sudoeste da Espanha fez recentemente uma descoberta que poderá ter um grande impacto na compreensão dos papéis de gênero na antiga sociedade ibérica.
Durante as escavações em Las Capellanías, em Cañaveral de León (em Huelva, no sudoeste de Espanha), os arqueólogos encontraram uma placa de pedra, conhecida como estela, junto a restos humanos cremados.
A estala pesa 140 kg e mede 120cm de altura e 60cm de largura. Ela foi feita a partir de um bloco de ardósia originário da região de Cañaveral de León. Essa foi a terceira estela encontrada no local, e a segunda depois que as escavações científicas ocorreram.
Iconografia incomum
As três estelas encontradas, duas (a primeira e a última) são consideradas do tipo diademada e a segunda, encontradas em 2022, é do tipo guerreiro. Estas diademadas são aquelas que mostram um personagem com um motivo em torno do pescoço ou sobre a cabeça e geralmente são interpretadas como representadas imagens femininas.
Já características ocorridas nas chamadas estelas de guerreiro (como espadas) são normalmente interpretadas como sendo masculinas. Essas interpretações se baseiam numa porcentagem muito pequena de estas que mostram características corporais e sexuais.
Os desenhos da terceira estela de Huelva contradizem essas hipóteses, pois mostram uma figura proeminente usando cocar e colar (ou seja, diademada), além de duas espadas e órgãos genitais masculinos (típicos das estelas de guerreiro).
Os cientistas argumentam que essa iconografia é incomum e coloca em xeque interpretações anteriores do gênero das pessoas representadas nas estelas. As interpretações anteriores estariam mais relacionadas com as concepções binárias atuais de gênero do que com as sociedades pré-históricas, afirma.
“A terceira estela de Cañaveral de León muda tudo”, afirmaram os pesquisadores. “Ela combina características dos tipos diademada e guerreiro, mostrando que os papéis sociais representados por essas iconografias padronizadas eram mais fluidos do que se pensavam. Além disso, como a nova estela também inclui a genitália masculina, ela demonstra que esses papéis sociais não eram restritos a um gênero específico, mas poderia estar associado a diferentes gêneros”, acrescenta.
Achado destruído numa obra
As escavações no local aconteceram depois que um operário encontrou por acaso a primeira estela durante uma obra numa rodovia, em 2018.
Depois disso, em junho de 2022, uma equipe das universidades de Sevilha e Huelva (na Espanha), Durham e Southampton (no Reino Unido) e Gotemburgo (na Suécia) iniciou as escavações, descobrindo um grande complexo funerário cuja cronologia pode abranger, numa avaliação preliminar, as idades do Cobre, do Bronze e do Ferro.
Já em 2022, os pesquisadores descobriram uma necrópole de onde veio a primeira estela e, num dos túmulos, encontrados na segunda estela. A terceira foi encontrada no local há cerca de um mês e é a primeira com essa representação iconográfica única.
Os pesquisadores acreditam que a localização de Las Capellanías também é significativa, pois poderia indicar uma rota que ligava importantes bacias hidrográficas do sul da Espanha, o que sugere que as estas, além de terem uma função funerária, poderiam ter servido também como marcos territoriais.
As três estas últimas descobertas no sítio arqueológico de Cañaveral de León já estão expostas no Museu de Huelva.
