Internacional
Chefe humanitário da ONU alerta que situação no Oriente Médio pode deixar “marca permanente na humanidade”
No Conselho de Segurança, Martin Griffiths fez apelo por medidas urgentes para encerrar conflito; ele destacou situação humanitária em Gaza e contínuos bloqueios a entrada de ajuda; secretária-geral assistente do escritório de direitos humanos da ONU, Ilze Brands Kehris, alertou para potenciais crimes de guerra de evacuações compulsórias
O que acontece desde 7 de outubro é uma “mancha em nossa consciência coletiva” e, sem o fim da violência, se tornará uma “marca permanente na humanidade”. A avaliação é do chefe de ajuda humanitária da ONU, Martin Griffiths, sobre o conflito no Oriente Médio.
Nesta sexta-feira, ele reforçou seu apelo por um cessar-fogo em Gaza durante sessão do Conselho de Segurança, pedindo que os membros tomem medidas urgentes para encerrar a guerra. Ele e a secretária-geral assistente do escritório de direitos humanos da ONU, Ilze Brands Kehris, falaram ao órgão sobre a crescente tensão na região.
O subsecretário-geral para Assuntos Humanitários e Coordenador de Ajuda de Emergência, Martin Griffiths, informa sobre a situação humanitária em Israel e no Território Palestino Ocupado
Horror no norte de Gaza
Na reunião, Griffiths destacou que a guerra não considera o impacto nos civis em Israel e nos Territórios Palestinos Ocupados, com operações militares em andamento e um alto número de vítimas, principalmente mulheres e crianças.
Ele aponta o deslocamento forçado de 1,9 milhão de civis em Gaza, ou 85% da população, como resultado do conflito. O chefe humanitário afirma que as pessoas são forçadas a fugir repetidamente com os bombardeios e vivem em “condições terríveis”, com abrigos superlotados, alimentos e água acabando e o risco de fome crescendo a cada dia.
Ele também repetiu seu apelo por uma conformidade muito maior com o direito internacional humanitário, incluindo a proteção de civis e da infraestrutura de que dependem; o fornecimento do essencial para a sobrevivência; a facilitação da assistência humanitária na escala necessária; e o tratamento humano e a libertação imediata de todos os reféns.
Com a violência em Gaza chegando à marca dos 100 dias, ele lembra que 23 mil pessoas foram mortas e mais de 58 mil feridas desde 7 de outubro. Na data, atos de violência do Hamas deixaram 1,2 mil mortos no sul de Israel, além de levar mais de 240 pessoas reféns.
Violência crescente no Oriente Médio
Além da situação em Gaza, a sessão aconteceu após novos episódios de violência ao longo da fronteira entre Israel e Líbano, bem como ataques dos rebeldes houthis no Iêmen ao transporte marítimo internacional no Mar Vermelho.
Na noite de quinta-feira, os Estados Unidos e o Reino Unido retaliaram bases houthis no Iêmen, uma escalada diretamente relacionada aos eventos em Gaza, onde os rebeldes apoiam o Hamas.
No início desta semana, na quarta-feira, o Conselho realizou consultas a portas fechadas, onde considerou um relatório do secretário-geral sobre a implementação da resolução 2712, que, entre outros pontos, solicitava “pausas humanitárias urgentes e prolongadas” em Gaza, bem como a libertação imediata de reféns.
Também na quarta-feira, o Conselho de Segurança de 15 membros adotou uma resolução condenando veementemente os ataques dos rebeldes houthis na costa do Iêmen. A resolução foi aprovada com 11 votos a favor e quatro abstenções: China, Rússia, Argélia e Moçambique.
A reunião desta sexta-feira foi convocada pelo novo membro do Conselho, a Argélia. O embaixador argelino afirmou que pretende representar a voz árabe nos assuntos mundiais neste momento crucial no Conselho.
Os ataques a navios comerciais no Mar Vermelho perturbaram gravemente o transporte marítimo internacional (arquivo)
Direito humanitário internacional
Outro ponto abordado pelo chefe humanitário da ONU na sessão foi a dificuldade da entrada dos comboios de ajuda, especialmente no norte do enclave. Para ele, as recusas da liberação dos caminhões são uma “falta de respeito pelo sistema humanitário e coloca em risco qualquer movimentação dos trabalhadores humanitários”.
Além disso, Griffiths enfatizou que as pessoas deslocadas de Gaza devem ser autorizadas a retornar, conforme exige o direito internacional. Ele expressou preocupação com declarações de ministros israelenses que incentivavam a transferência em massa de civis para outros países, muitas vezes chamada de “realocação voluntária”. Ele rejeitou firmemente qualquer tentativa de alterar a composição demográfica de Gaza.
Crimes de guerra
Em seu discurso, a secretária-geral assistente de Direitos Humanos, Ilze Brands Kehris, começou destacando a necessidade de responsabilização pelos ataques terroristas de 7 de outubro contra civis israelenses, ela afirmou que “seu horror não será esquecido”.
Ela explicou que a situação em Gaza não é apenas um subproduto do conflito, mas uma consequência direta da conduta dos combates. Ilze Brands Kehris mencionou o deslocamento iniciado em 12 de outubro, com as autoridades israelenses ordenando que os palestinos ao norte de Wadi Gaza se movessem para o sul.
Apesar de Israel alegar que era por segurança, ela levantou preocupações sobre a conformidade com o direito internacional: evacuações compulsórias que não atendem às condições necessárias para a legalidade potencialmente configuram transferência forçada, o que é um crime de guerra.
A secretária-geral adjunta para os Direitos Humanos do Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Ilze Brands Kehris, discursa na reunião do Conselho de Segurança sobre a situação no Oriente Médio, incluindo a questão palestina
Cisjordânia
Ela falou ainda sobre um aumento “dramático” na violência de colonos e forças de segurança israelenses na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e sobre declarações de alguns membros da liderança de Israel incentivando o reassentamento permanente de palestinos no exterior.
Para Ilze Brands Kehris, essas declarações alimentaram o temor de que os palestinos estejam sendo deliberadamente expulsos de Gaza e não poderão retornar, algo que não deve ser permitido.
Ela também enfatizou a necessidade imediata de um cessar-fogo e a libertação incondicional dos reféns como passos cruciais para uma solução duradoura.
“A violência atual ocorre no contexto de décadas de violações dos direitos humanos”, disse, acrescentando que, para qualquer solução duradoura para a crise, as causas fundamentais devem ser abordadas, incluindo “responsabilização por violações cometidas em e desde 7 de outubro e nos muitos anos anteriores”.