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Lula vai ao nordeste reagir a avanço de Bolsonaro e amenizar impacto dos cortes no Bolsa Família
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viajará para Salvador, Recife e Fortaleza nesta semana com objetivo fazer acenos ao eleitorado do Nordeste brasileiro. Será o inicío de uma série de viagens a todos os estados brasileiros ao longo do primeiro semestre. Com a turnê nacional, Lula tentará vincular a retomada e entrega de obras a palanques de pré-candidatos petistas e aliados, de olho nas eleições municipais deste ano. Além disso, também quer fechar alianças com outras siglas para facilitar o trânsito de pautas de interesse no Congresso Nacional.
Analistas ouvidos avaliam que dar a largada das viagens nacionais no Nordeste é mais uma forma de tentar fortalecer a base eleitoral que Lula tem na região. Ainda assim, com a dificuldade do partido para se consolidar em algumas capitais da região, a ida a esses locais também serve para que o presidente não só sele alianças, mas também busque minar avanços da direita.
Para isso, o PT vai usar os recursos destinados para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no orçamento deste ano, um total de R$ 54 bilhões, para tocar diversas obras e tentar alavancar candidaturas, firmar ou fortalecer alianças com partidos do centro, e tentar aumentar sua representatividade. O PAC também tem previstos financiamentos, investimentos de estatais e da iniciativa privada – ao todo, incluindo os recursos da União, a estimativa é de R$ 1,7 trilhão para o Programa, com execução de R$ 1,3 trilhão prevista até 2026, ano das próximas eleições presidenciais.
Na contramão da investida petista, está o avanço alcançado da direita nas eleições municipais em 2020 e os cortes de 8,4 milhões de beneficiários do Bolsa Família em 2023, sendo 3,6 milhões somente no Nordeste.
Cortes no Bolsa Família e correção de rota em ano eleitoral
Apesar dos cortes no Bolsa Família, Valdir Pucci, diretor-geral e professor dos cursos de Direito e Ciência Política da Faculdade Republicana, avalia que Lula deve manter sua base eleitoral no Nordeste. Ele argumenta que a base nordestina foi amplamente construída nos dois primeiros mandatos de Lula na presidência, quando, na visão da população local, ele teria contribuído para o crescimento da região. Além disso, o foco agora se volta para a agenda nacional em razão das eleições municipais.
“É claro que o corte ou o cancelamento de inscrições do Bolsa Família, tende, em certa medida, a atingir a imagem do presidente e do seu governo, mas isso não significa que causará uma perda de apoio do Lula no Nordeste. O Lula tem uma base bastante sólida na região, e mesmo com todo o passado que o PT teve de crise econômica, de mensalão, ele conseguiu manter essa base eleitoral e ela não vai se perder tão facilmente assim”, afirma Pucci.
Para o especialista, a opção de Lula de deixar de ir à reunião do G20, grupo que reúne as maiores econominas do mundo, trata-se de um ajuste de rota para a eleição de outubro. O foco no pleito eleitoral oorre após o PT amargar o pior resultado histórico nas eleições municipais em 2020, quando chegou ao Executivo de apenas 183 cidades, sem ter sido eleito para a prefeitura de nenhuma capital.
Em 2012, quando atingiu o ponto máximo de sua influência, o partido chegou a governar 638 municípios em todo o país. Ou seja, nas duas últimas eleições municipais, em 2016 e 2020, o PT perdeu 71% das prefeituras conquistadas em 2012.
Alianças para conter a direita e o bolsonarismo
Por outro lado, partidos de centro-direita e da direita apresentaram crescimento ou mantiveram sua participação. O Partido Liberal (PL), do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o Progressistas (PP) tiveram grande crescimento dentre os partidos de direita, chegando 349 e 701 prefeituras em 2020, respectivamente. Em relação ao número de prefeituras que cada partido tinha em 2012, houve crescimento de 26% para o PL e de 47% para o PP. Já o Republicanos saiu de 80 prefeituras em 2012, para 216 em 2020, um aumento de 170%.
O analista político Lucas Pinheiro, especialista em gestão pública, afirma que havia um forte sentimento antipestista na população nas últimas eleições municipais. Ele explica que após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e das ações da Operação Lava Jato, o PT se radicalizou, distanciando-se de um discurso de centro-esquerda e partindo para discursos mais radicais de esquerda. “Isso afasta o eleitor municipal, que não se importa com ideologia, mas com a vida prática da cidade. Eleitor municipal não tem ideologia, tem demandas pragmáticas do cotidiano da sociedade. Ganha a eleição quem souber identificar demandas reprimidas e recorrentes e colocá-las na agenda de decisão”, salienta.
Em razão do aumento da rejeição ao partido e do consequente avanço de popularidade do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados, o PT não tem apostado em confrontos diretos para ampliar seu poder regional. Ao invés disso, a estratégia é buscar a composição de chapas para a prefeitura com partidos que gozam de prestígio em cada localidade
Pinheiro afirma que essa é uma abordagem pragmática do partido, que desde a eleição de Lula entendeu que a chave para minimizar o antipetismo é formar uma ampla aliança com os mais variados partidos e lideranças. “É isso que deve acontecer em 2024, um PT menos ideológico e mais pragmático”.
O analista político e assessor na Malta Advogados, Luiz Filipe Freitas, avalia que essa estratégia está sendo amplamente utilizada pela legenda. “Essas eleições vão ser muito importantes, talvez seja o pleito municipal mais importante de toda a história recente, por todo o contexto político que se está vivendo. Então, vai ser comum o Lula fazer essas agendas e essas alianças. Primeiramente para, digamos, minar o seu adversário, as indicações que o Bolsonaro possa fazer”, explicou.
Bahia: PT governa o estado, mas tem dificuldades em Salvador
A estratégia é especialmente importante em algumas capitais nordestinas. Não por acaso, Lula inicia sua agenda nacional em Salvador, Recife e Fortaleza, as capitais mais populosas e com grande influência na região. Segundo Freitas, existe a pretensão do partido de investir fortemente na composição de chapas eleitorais, pois, apesar de ser forte nas eleições para o governo dos estados da região, de forma geral, o PT encontra dificuldade para se consolidar em algumas capitais nordestinas.
Salvador é um bom exemplo. O atual prefeito, Bruno Reis (União-Brasil), é correligionário e conta com o apoio de ACM Neto – ex-deputado federal (2003 a 2012), e ex-prefeito de Salvador (2013 a 2020) – na disputa pela reeleição. Em 2022, ACM Neto contou com o apoio do então presidente Jair Bolsonaro, mas perdeu a eleição para o Executivo estadual para o candidato petista Jerônimo Rodrigues – o PT venceu as últimas cinco eleições para o governo da Bahia.
Na opinião de Freitas, apesar de o grupo de ACM Neto ter perdido força no estado, isso pode não se refletir na capital. “Existe a pretensão do PT de conseguir a capital, essa meta, esse sonho”. No entanto, o partido ainda não anunciou um nome oficial para concorrer à prefeitura soteropolitana. Em novembro, o senador Jaques Wagner (PT-BA) anunciou a pré-candidatura do deputado estadual Robinson Almeida (PT-BA). Wagner gerou uma saia justa com a base do atual governador, que pretende lançar seu vice, Geraldo Júnior (MDB), como candidato à prefeitura e esperava contar com a parceria petista.
Fortaleza e Recife: dissidência do PDT e aliança com o PSB
Em Fortaleza, o analista afirma que também há dificuldades para o PT. O atual prefeito, José Sarto (PDT), lançou candidatura à reeleição, conforme defendido pelo ex-governador Ciro Gomes, contrariando seu irmão, o senador Cid Gomes, que apostava em uma parceria da legenda com o PT.
Até o momento, o PT tem algumas possibilidades de candidato na capital do Ceará, mas nenhuma foi consolidada, ainda que a visita de Lula possa indicar qual será a estratégia nessa cidade.
Em sua visita à capital cearense, é esperado que o presidente participe do lançamento da pedra fundamental das obras do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Os ministros da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, e da Educação, Camilo Santana, também estão cotados para participar da cerimônia.
Em Salvador, o presidente assinará acordo de parceria com o Senai para a implementação do Centro Tecnológico Aeroespacial da Bahia (Senai-Cimatec).
Em Pernambuco, a agenda prevê uma visita à refinaria Abreu e Lima e ao Porto de Suape, além da troca do Comando Militar do Nordeste, que será realizada na sexta-feira (19), em Recife.
Segundo Freitas, a situação do PT em Recife é mais favorável que em Salvador e Fortaleza, pois há alinhamento ideológico entre o PT e o PSB, do prefeito João Campos. “Tem um acordo preestabelecido com o João Campos e o PT tenta emplacar o vice na chapa do atual prefeito, porque existe a pretensão dele se lançar governador em 2026. Acredito que, até lá, já vai ter idade e experiência para isso. Então, obviamente, o vice vira prefeito, e o PT ficaria como titular da pasta”.
Alianças municipais e o apoio no Congresso
Ainda que as prefeituras sejam relevantes, o apoio angariado de partidos de aliados regionais também faz parte de outra estratégia do governo federal: facilitar o seu trânsito junto ao Congresso Nacional. Ainda que tenha conseguido apoio de siglas e parlamentares do Centrão durante o ano de 2023, a gestão Lula enfrentou oposição e precisou negociar muito e liberar o pagamento de emendas para conseguir a aprovação de suas principais medidas.
Para este ano, os congressistas previram um calendário para liberação de emendas parlamentares, o que limitaria a margem de negociação e manobra do governo. Ainda que tenha sido vetado por Lula, o Congresso ainda pode derrubar o veto e insistir na medida. Diante de uma possível restrição de seu poder de barganha junto ao Parlamento, as parcerias municipais podem dar novo fôlego ao governo petista.
Segundo Freitas, o PT tem buscado participar das coalizões e entrar nas chapas como vice-prefeito para, posteriormente, conseguir mais apoio dentro do Congresso Nacional. “Os prefeitos, as prefeituras, a Frente Nacional dos Prefeitos têm muita força dentro do Congresso, então se você conseguir ter maioria de prefeitos, se conseguir fazer uma aliança bem interessante, é possível aprovar uma agenda política de forma um pouco mais facilitada”, afirmou.
Ele ainda explica que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), assim como outras figuras de peso dentro do Congresso Nacional, se dizem e são considerados municipalistas, tendo na atuação voltada para os municípios uma de suas principais bandeiras. “Então, é uma agenda muito importante, com os parlamentares, com os líderes e, por isso, vai ser uma estratégia usada pelo PT e pelo governo em si”.
Um dos argumentos utilizados pelos parlamentares para a aprovação do calendário de emendas foi o de dar maior previsibilidade para os investimentos realizados nos municípios, os quais configuram sua base eleitoral.
Figuras nacionais não garatem vitórias municipais
Mesmo com todo o empenho do PT e de Lula em alavancar as alianças regionais, Lucas Pinheiro destaca que, em razão das características do pleito muncipal, o apoio de uma figura nacional, como a do presidente, não garante a eleição de um prefeito.
“É importante ressaltar que figura nacional não garante eleição municipal. Não se pode esperar uma polarização nacional na eleição municipal que é voltada inteiramente para os problemas da cidade”, disse.
O analista afirma que é natural que tanto Lula quanto Bolsonaro queiram influenciar as eleições municipais e que, certamente, a região Nordeste é a que está no maior raio de influência do PT. Ainda assim, é possível que os aliados de Bolsonaro cheguem a uma estratégia para vencer no Nordeste.
Segundo ele, da mesma forma que ocorre com o PT, os candidatos mais alinhados a Bolsonaro não vencerão a eleição com base em discursos puramente ideológicos, mas devem identificar as demandas reais da população e da cidade, além de apresentar soluções viáveis para essas questões.