Judiciário
Mesmo com DNA negativo, homem pagará pensão até fim de ação negatória de paternidade
A paternidade e suas obrigações só são afastadas se demonstradas, a um só tempo: i) a inexistência de origem biológica (DNA negativo); ii) ausência de estado de filiação socioafetiva e; iii) demonstração inequívoca de vício de consentimento do pai registral no momento do registro
De início, frise-se que nos termos do artigo 1.603 do Código Civil, “A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil”.
Conforme já escrevi, no Brasil a legislação e a jurisprudência reconhecem e privilegiam o vínculo de afinidade e afetividade presentes nas relações socioafetivas como parentesco e motivo autorizador, inclusive, para a adoção independentemente de prévia inscrição em cadastros de adotantes, bem como para o reconhecimento da maternidade e paternidade socioafetiva pela via administrativa ( aqui, as possibilidades de adoção/ reconhecimento).
Inclusive já decidiu o STF que “a paternidade socioafetiva se sobrepõe a biológica”, conforme Recurso Extraordinário (RE) 898060, com repercussão geral reconhecida, que deu origem ao “Tema 622” supra ( leia aqui).
Diante disso, o STJ sedimentou o entendimento de que, em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o sucesso da ação negatória de paternidade, depende da demonstração, a um só tempo:
i) da inexistência de origem biológica (DNA negativo); ii) de que não tenha sido constituído o estado de filiação socioafetiva e; iii) demonstração inequívoca de vício de consentimento do pai registral no momento do registro.
Julgados do STJ: 2023, AgInt no REsp 1755970/ MG; 2022, AgInt no AREsp 1931045/ SP; 2021, REsp 1814330/ SP; 2021, REsp 1829093/ PR; 2016, REsp 1333360/ SP; 2016, AgInt no AREsp 697848/ SC; 2015, AgRg no REsp 1482906 / PR; 2015, REsp 1352529/ SP e; 2012, REsp 1059214/ RS).
Portanto, é de rigor a Improcedência da Ação Negatória de Paternidade, ainda que com DNA negativo, quando presente a Paternidade Socioafetiva ou ausente vício de vontade do pai registral.
Aqui, meu modelo de petição inicial de Ação Negatória de Paternidade.
Dito isso, passo a analisar o caso concreto:
Homem é cobrado em ação de cumprimento de sentença no valor de R$ 11.595,35, referente pensão alimentícia em atraso, em trâmite na Terceira Vara de Família da comarca de Goiânia.
Em sua defesa o executado apresentou embargos à execução, alegou ter registrado a credora como filha, mas que não é genitor biológico da criança.
Juntou exame de DNA realizado pela via judicial, em ação negatória de paternidade em trâmite, demostrando não ser o pai biológico da exequente e pugnou pela improcedência da execução.
Ao analisar os pleitos da parte executada, o magistrado singular proferiu a seguinte decisão quanto ao mérito:
“(…) no tocante à AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE que se encontra em trâmite, na qual já houve realização de exame de DNA que atestou a ausência de vínculo biológico entre as partes, ressalto que tal fato não afasta – por si só – a responsabilidade como pai registral e até socioafetivo, cuja questão será dirimida na ação competente. Desse modo, somente após a sentença proferida que reconheça a ausência de paternidade de forma que influa nos efeitos registrais da infante é capaz de desobrigar o executado quanto aos alimentos que lhe cabe. Assim, não há o que se falar em suspensão da execução até o julgamento da ação negatória de paternidade ou extinção desta apenas pela ausência de vínculo biológico, porquanto a responsabilidade ao executado permanece (…)”.
Inconformado, o executado interpôs Agravo de Instrumento 5672087-29.2023.8.09.0051, ao TJGO, reiterando “não ser pai da agravada e que realizou seu registro a fim de evitar maiores problemas com sua genitora”. Acrescentou que se trata de “registro viciado (erro/ignorância), sem valoração em verdade e que nunca participou da vida da menor”.
Solicitou, entre outras coisas, a redução do valor da dívida alimentar, o parcelamento do saldo devedor, e alegando que existe uma ação negatória de paternidade em trâmite que, segundo ele, demonstraria que não possui vínculo biológico com a criança. Requereu, ao final, a suspensão da execução ou sua extinção, sob o argumento que a prisão civil por dívida alimentar seria uma coerção baseada em um débito inexistente.
O relator do caso, desembargador Fabiano Abel de Aragão Fernandes, manteve a decisão de primeira instância, destacando que “o agravo de instrumento se limita a verificar o acerto ou desacerto da decisão agravada e que a existência de uma ação negatória de paternidade em trâmite, mesmo com exame de DNA negativo, não suspende automaticamente a obrigação alimentar. Isso se deve ao fato de que a responsabilidade alimentar decorre não apenas do vínculo biológico, mas também do registro civil e da paternidade socioafetiva, cujos efeitos só podem ser alterados por decisão judicial definitiva na ação negatória”.
Citou ainda jurisprudência daquela Corte de Justiça, no mesmo sentido:
“(…) AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME NEGATIVO DE DNA. SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. (…) 3. Embora o exame negativo de DNA seja uma prova contundente, por si só, não desconstitui o vínculo de parentesco, assumido voluntariamente pelo recorrente, fato que somente se concretiza após decisão definitiva acerca do pedido negativo de paternidade. 4. Não vislumbrado o requisito da verossimilhança das alegações, capaz de autorizar, de plano, a suspensão do dever do agravante de prestar alimentos ao agravado, que é menor e incapaz de prover seu próprio sustento, a manutenção da decisão que indeferiu a tutela de urgência é medida que se impõe. 5. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO, AI 504358530.2019.8.09.0000, 3ª Câmara Cível, julgado em 27/05/2019, DJe de 27/05/2019).
O parecer ministerial não destoou, sendo encampado pelo v. acórdão. Colhemos as seguintes passagens:
“(…) considerando o princípio do melhor interesse da criança, não podendo ela ficar desassistida e que a presunção de paternidade persiste até que ali seja decidido definitivamente a questão, com a consequente anulação do registro ou manutenção, caso seja comprovado o vínculo biológico, não merece reformas a decisão atacada. Além disso, a sentença de ação negatória de paternidade possui natureza desconstitutiva (constitutiva negativa), ou seja, surte efeitos irretroativos (ex nunc), de modo que a relação de parentesco porventura desmantelada restará válida até o trânsito em julgado da referida sentença.
Portanto, eventual dever de alimentar havido pelo Agravante em favor da Agravada permanece hígido até que a relação de parentesco seja efetivamente desconstituída, quando então extinta referida relação jurídica, o que não ocorreu. Assim, não se observando qualquer mácula na decisão vergastada, sua manutenção é de rigor.
Oportuno ao tema, os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2234792 – GO (2022/0336516-7) DECISÃO Trata-se de agravo interposto por E S DE C contra decisão que não admitiu recurso especial. O apelo nobre, fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, desafia acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás assim ementado: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. PRELIMINARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. ERRO DE PROCEDIMENTO. JULGAMENTO SIMULTÂNEO COM NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ALIMENTOS DEVIDOS DE PAI PARA FILHA MENOR IMPÚBERE. CRITÉRIOS DE PARAMETRIZAÇÃO. NECESSIDADE PRESUMIDA. CAPACIDADE COMPROVADA. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. (…) Com efeito, no tocante à negativa de prestação jurisdicional, verifica-se que o tribunal de origem motivou adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese, conforme se verifica do seguinte trecho do acórdão:”(…) Na espécie, verifica-se que o dever de prestar alimentos impostos ao embargante advêm da presunção de veracidade da certidão de nascimento coligida aos autos, a qual atesta a relação de parentesco entre as partes. Noutro pórtico, ainda que a negatória de paternidade intentada pelo embargante seja procedente, é certo que seus efeitos serão futuros (ex nunc), ou seja, o dever de alimentar reconhecido nestes autos persistirá até o trânsito em julgado da sentença lavrada naquela ação. Por conseguinte, os efeitos esperados da reunião dos processos não se faz presente no caso concreto, uma vez que as decisões não correm o risco colidirem entre si em razão de o dever de alimentar do pai persistir enquanto não desconstituída esta relação jurídica. Com o enfrentamento das questões fulcrais da lide – o que, frisa-se, não importa na obrigatoriedade do juízo refutar a todos os argumentos da parte –, e ainda assim os argumentos constantes da decisão não se mostram corretos na visão do embargante, não quer dizer que eles não existam, posto que a omissão não se confunde com fundamentação contrária aos interesses da parte”(fls. 1.383, e-STJ- grifouse) Não há falar, portanto, em existência de omissão apenas pelo fato de o julgado recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte. (…) (STJ, AREsp n. 2.234.792, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 01/06/2023.)
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2360322 – GO (2023/0151292-1) EMENTA CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. SUSPENSÃO POR MEIO DE LIMINAR CONCEDIDA EM AÇÃO RESCISÓRIA DOS EFEITOS DA SENTENÇA QUE NEGOU A PATERNIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO APOIADO EXCLUSIVAMENTE EM PRINCÍPIO FUNDAMENTAL GARANTIDO PELO ART. 227 DA CF. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO POR MEIO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 126 DO STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL. (…) (e-STJ, fl. 1571) O acórdão estadual, ora recorrido, negou provimento ao agravo do recorrente por entender que nos termos da Constituição Federal devem ser preservados os direitos da criança e do adolescente, nos termos estabelecidos em seu art. 227, confira-se: O ato ora agravado, restabeleceu a obrigação alimentar, uma vez que houve decisão na rescisória suspendendo os efeitos da sentença que julgou procedente a ação negatória de paternidade e que dava sustento à exoneração dos alimentos. Esclarecida tal questão, cumpre dizer, que com a Constituição Federal de 1988, as crianças e adolescentes passaram a ser tratados como sujeitos de direito. A partir de então, foram introduzidos no ordenamento jurídico pátrio os princípios da proteção integral, prioridade absoluta e do melhor interesse. Em apertada síntese, tais princípios aduzem que o Estado deve se valer de mecanismos jurídicos voltados à tutela da criança e adolescente, pois estes devem ser tratados com total preferência, devendo, ainda, serem buscadas soluções que proporcionem maiores benefícios aos menores. Deste modo, considerando a suspensão determinada na ação rescisória e o princípio do melhor interesse da criança, não podendo ela ficar desassistida, a presunção de paternidade persiste até que ali seja decidido definitivamente a questão, com a consequente anulação do registro ou manutenção, caso seja comprovado o vínculo biológico. (e-STJ, fls. 1581/1582-sem destaques no original) A ementa do referido julgado ficou assim redigida: (…) Como se percebe, o Tribunal estadual decidiu apoiado em fundamento constitucional não impugnado mediante recurso extraordinário aplicando-se à espécie o Enunciado nº 126 da Súmula do STJ. (…) (STJ, AREsp n. 2.360.322, Ministro Moura Ribeiro, DJe de 31/08/2023).
Sob esses argumentos, o TJ/GO negou provimento ao recurso, mantendo a obrigação alimentar até decisão final na ação negatória de paternidade.
O acórdão restou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALIMENTOS. PLEITO DE SUSPENSÃO. INDEFERIDO. PEDIDO DE EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. REJEITADO. IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DA JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE PROVA. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA NA FASE RECURSAL. DECISÃO MANTIDA. 1. Trata-se o agravo de instrumento de recurso cuja análise pela instância revisora cinge-se à verificação do acerto ou desacerto da decisão agravada. 2. Em que pese realizado exame de DNA na ação de investigação, a alteração dos efeitos registrais somente surtirá efeitos após a sentença que reconheça a ausência de paternidade, capaz então de desobrigar o executado quanto aos alimentos devidos, não havendo se falar em suspensão dos atos executórios e do próprio cumprimento da sentença originária. 3. Indubitável que o executado reconhece a cogência da sentença exequenda, cuja exigibilidade abarca a quitação das prestações vencidas e vincendas, porquanto realizou o pagamento da pensão mesmo após a impugnação judicial da paternidade. 4. Não demonstrada a ilegalidade da decisão que indefere o pleito de suspensão/extinção da execução de alimentos, mantendo hígido o dever de o agravante prestar alimentos à agravada, menor, presumidamente incapaz de prover seu próprio sustento, impositiva sua confirmação. 5. Incumbe à parte recorrida, quando formulada em sede de contrarrazões a impugnação à gratuidade da justiça deferida ao recorrente, demonstrar a capacidade econômica do beneficiário. Não se desincumbindo de tal ônus, mantêm-se a benesse. 6. Inviável a fixação de honorários sucumbenciais na fase recursal, porquanto não foram arbitrados na origem. 7. Indevida a condenação em custas recursais, quando o recorrente é beneficiário da gratuidade da justiça. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO (TJGO, Agravo de Instrumento nº 5672087-29.2023.8.09.0051, 5ª Turma da 7ª Câmara Cível, julgado em 29/3/2024).
Fontes: TJGO, Migalhas, Blog Wander Fernandes Advocacia.