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Educação & Cultura

Educação Infantil: brincadeiras para as crianças se refrescarem no calor

Além de atividades que envolvem água e os cuidados a serem tomados em períodos de altas temperaturas, veja como abordar temas relacionados ao clima e ao meio ambiente

Uma brincadeira que envolve a água é a lavagem de brinquedos, que pode ser transformada em atividades simbólicas, como dar banho nas bonecas, fazer um lava-rápido de carrinhos ou lavar as roupinhas de bonecas

O ano de 2023 foi o mais quente já registrado na história do planeta, de acordo com relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). No Brasil, não foi diferente: no ano passado, a temperatura média ficou 0,69°C acima da média histórica. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), nove dos 12 meses de 2023 tiveram temperaturas acima da média no país.

De acordo com o órgão brasileiro, o calor excessivo pode ser explicado por uma soma de fatores. O fenômeno El Niño teve grande influência, mas as mudanças climáticas causadas pela ação humana também são determinantes para essa situação. Com alterações no meio ambiente, o planeta vem sofrendo não apenas com o aumento das temperaturas, mas também com outros eventos climáticos extremos, como as tempestades que o Sul do Brasil vivenciou em 2023 e as secas que atingiram o Norte.

calor extremo também afeta a rotina das pessoas. No caso das crianças da Educação Infantil, elas tendem a ficar mais irritadas e cansadas, apresentando alterações de humor. Nesse cenário, os professores devem tomar alguns cuidados para garantir o bem-estar e a saúde dos alunos. Os educadores também podem aproveitar a ocasião para realizar atividades específicas – como as que envolvem água – e introduzir a temática do clima, do respeito à natureza e do cuidado com o meio ambiente. 

Importância do contato com a natureza

O calor extremo pode sugerir, em um primeiro momento, que o melhor é ficar em sala de aula. Seja com a ajuda de ventiladores ou de aparelhos de ar-condicionado, presentes em algumas redes de ensino, os ambientes internos, quando bem arejados, podem parecer mais frescos do que os externos.

Mas, na Educação Infantil, as áreas externas permitem que as crianças tenham contato com diversos elementos, o que é essencial para o seu desenvolvimento. A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê, entre outros, os direitos de brincar e explorar, o que inclui a vivência em ambientes externos e o contato com a natureza.

“A gente vê com preocupação essa tendência das escolas de manter as crianças em ambientes fechados, porque suprime o tempo que elas passam em ambientes externos. Na primeira infância, a movimentação do corpo, o convívio e as atividades ao ar livre são essenciais para o desenvolvimento”, comenta Paula Mendonça, coordenadora das áreas de Educação e Cidades no Programa Criança e Natureza do Instituto Alana.

Além da BNCC, a própria Organização das Nações Unidas (ONU), em seu Comentário Geral 26, define que crianças e adolescentes têm direito a se desenvolver em um ambiente limpo, saudável e sustentável. Publicado em setembro de 2023, o comentário foi a primeira vez em que a ONU definiu diretrizes para garantir que as crianças tenham acesso a um meio ambiente saudável, com especial enfoque nas mudanças climáticas.

“Esse contato com a natureza é tão fundamental que ele já está sendo tratado na perspectiva do direito por organismos internacionais”, afirma Paula. Além de aspectos relacionados à saúde, como o desenvolvimento do sistema imunológico e da força física e mobilidade, ao vivenciar diferentes relevos naturais, o contato com a natureza também estimula a curiosidade e a capacidade de investigação das crianças. 

“O desenvolvimento das crianças nesse contexto é totalmente potencializado, porque elas podem ter contato com árvores, bichos, texturas e sons. Ficar dentro da sala de aula limita essas possibilidades”, considera Lia Jamra Tsukumo, diretora executiva da ONG Vaga Lume, que atua com Educação na região amazônica. “Não tem nada mais saudável do que educar e fazer atividades em comunhão com a natureza”, resume.

Atividades para as crianças se refrescarem no calor

Além de potencializarem o desenvolvimento infantil, as atividades ao ar livre e em contato com a natureza — seja em um gramado, em local com vegetação, na água ou em qualquer outro espaço natural presente na escola — são excelentes formas de as crianças se refrescarem no calor.

Por conta das altas temperaturas, as atividades que envolvem água acabam sendo as preferidas pelos professores. Lívia Arruda, professora na EMEI  Armando de Arruda Pereira, em São Paulo (SP), conta que, para planejar atividades externas durante o verão, costuma adaptar a rotina, incluindo a água.

“A dica é pensar em coisas que são próprias da Educação Infantil, como o jogo simbólico e as experiências sensoriais, e incluir o elemento água nessas propostas. Essas atividades dão uma boa refrescada, e as crianças se engajam bastante”, diz a professora.

Para Paula Sestari, professora de apoio pedagógico no CEI Castelo Branco, em Joinville (SC), e colunista da NOVA ESCOLA, é importante os professores priorizarem ambientes com sombra e darem liberdade para as crianças. “O espaço externo deve ser usado mais para a interação, por isso é interessante apostar em brincadeiras de escolha livre, nas quais as crianças possam brincar e explorar. Mas, quando quiserem sentar e descansar, tenham essa opção na sombra”.

A seguir, confira algumas opções de brincadeiras para a Educação Infantil durante o período de calor:

Lavar brinquedos

Uma brincadeira interessante que envolve a água é a lavagem de brinquedos, que pode ser transformada em atividades simbólicas, como dar banho nas bonecas, fazer um lava-rápido de carrinhos ou lavar as roupinhas de bonecas e outros bichinhos.

Lívia detalha que, quando faz essa brincadeira, o primeiro passo é separar os brinquedos da escola que estão precisando de uma lavagem. Depois, ela costuma pegar várias bacias e reúne as crianças em grupos, para que elas lavem os itens com água e sabão. Também é importante destinar um local para a secagem, como um varal, se for o caso de lavar roupinhas.

Um aspecto a ser pensado ainda no planejamento é se a brincadeira vai ser só de molhar as mãos na lavagem ou se vai terminar com um contato maior com a água, como banho de esguicho, ou permitir que as crianças entrem nas bacias. Se for o segundo caso, é importante combinar com as famílias previamente para elas enviarem trocas de roupas.


No momento da brincadeira, Lívia gosta de trazer elementos para conversar com as crianças. Quando elas estão lavando roupinhas, por exemplo, a professora costuma cantar a cantiga “Lava, lava, lavadeira”.

“É uma música da tradição popular que imita gestos, então é super legal para as crianças se envolverem e para conversarmos sobre aspectos da história e cultura. Eu converso com as crianças sobre quem lava as roupas delas em casa e conto sobre a lavadeira, que a maioria dos estudantes não conhece nesse nosso contexto de São Paulo”, conta. “Mostro imagens e explico que é uma prática que existia antigamente e que ainda está presente em alguns locais e culturas.”

Brincadeira de ir à praia

Outro jogo simbólico que Lívia garante que os pequenos adoram é o dia de praia, no qual os alunos vão de roupa de praia à escola, e as professoras preparam um cenário que imita o local. Para planejar essa atividade, é interessante conversar com as crianças antecipadamente.

A professora costuma fazer uma roda de conversa perguntando quem já foi à praia e quais objetos são próprios desse local, como guarda-sol, bola e roupa de praia. Depois, é hora de fazer um combinado com as famílias, para que elas enviem algumas coisas simbólicas e também biquíni, maiô ou sunga e uma troca de roupa.

Na hora de organizar o cenário, é importante utilizar algum elemento azul (como um pedaço de tecido) que simule o mar e adicionar guarda-sóis pelo ambiente. Durante o período reservado para a atividade, a ideia é deixar as crianças brincarem livremente. A depender do espaço que a escola dispõe, é legal terminar a brincadeira com um banho de esguicho ou de bacia para refrescar. Se não for o caso, uma opção mais simples é utilizar borrifadores para os pequenos poderem se molhar durante a brincadeira.

Brincadeiras com tinta

As atividades com pintura, que são bastante comuns na Educação Infantil, podem se tornar mais refrescantes se envolverem a água. Para isso, algumas opções são: pincel só com água para as crianças “pintarem” partes do pátio da escola, como chão e paredes; aquarela; tinta guache diluída em borrifador.

Embora essas brincadeiras não tragam tanto o contato direto com a água, para se tornarem mais refrescantes as crianças podem participar da preparação das atividades, ajudando o professor a separar a água ou diluir a tinta, por exemplo.

Brincadeiras com gelo

Outra opção, ainda pensando na pintura, é diluir tinta e congelar, criando uma espécie de gelo colorido que pode ser usado pelas crianças para fazerem pinturas. Dessa forma, elas conseguem sentir a temperatura gelada do material e produzir obras artísticas diferentes das criadas com pincel.

Ainda envolvendo gelo, é possível programar uma atividade na qual os pequenos escolhem algumas coisas para serem congeladas – pode ser desde pequenos brinquedos até elementos da natureza, como folhas e flores. Na hora de preparar a brincadeira, os alunos podem ter contato com a água, supervisionados pelo professor, para inserir as coisas em recipientes que serão posteriormente levados ao congelador ou freezer.

Depois de congelados, os materiais podem ser disponibilizados para as crianças brincarem. Além de refrescar, essa brincadeira permite que os alunos percebam o gelo derreter, tenham contato com diferentes texturas e explorem elementos da natureza.

Pontos de atenção no calor

Durante as atividades em áreas externas, sobretudo em contato com a natureza, é essencial que os professores fiquem atentos a alguns cuidados relacionados à saúde das crianças. Veja algumas dicas:

Hidratação: atente se as crianças estão bebendo água, principalmente durante as atividades ao ar livre. Mantenha lembretes visuais, como cartazes, que façam os alunos se recordarem de beber água,

Alimentação: em dias de forte calor, a gestão escolar deve promover uma alimentação mais leve para as crianças.

Sombra: se as áreas externas não tiverem sombras naturais, é importante que o professor pense nisso na hora de levar as crianças para fora. Uma opção é criar cabaninhas com tecidos, para que elas possam descansar na sombra. E, se possível, priorizar locais com árvores e menos cimentados.

Protetor solar: a escola deve orientar que as famílias passem protetor solar nas crianças e/ou mandem o produto na mochila dos alunos.

Bonés e chapéus: outros tipos de proteção, como bonés e chapéus, também são muito importantes em atividades ao ar livre. Para isso, é fundamental manter a comunicação e os combinados com as famílias. 

Repelente: outro ponto de atenção é o aumento nos casos de dengue durante o verão. Por isso, oriente os pais e responsáveis sobre o uso de repelentes adequados para a faixa etária.

Horário: os professores devem planejar as atividades ao ar livre priorizando os horários de início da manhã ou final da tarde. Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, o período de maior incidência de raios UVB é entre 10h e 16h. 

Atividades leves: em atividades externas, as crianças devem ter a oportunidade de descansar e fazer atividades mais leves. No caso de brincadeiras mais intensas, priorize ambientes cobertos, mantendo uma boa ventilação.

Como garantir o bem-estar no calor

Diante do constante aumento das temperaturas globais, é essencial ir além das brincadeiras refrescantes e começar a pensar também em ações de médio e longo prazo para tornar as escolas lugares que propiciem bem-estar às crianças e à comunidade escolar.

Paula Mendonça, do Instituto Alana, afirma que os gestores públicos devem considerar a adaptação dos espaços externos das escolas às mudanças climáticas. Isso passa por transformações como o plantio de árvores, a diminuição dos espaços com concreto (que tornam os ambientes mais quentes) e a geração de mais sombreamento natural. “Essa ‘naturalização dos pátios escolares’, como a gente vem chamando, tem sido uma medida de enfrentamento à crise climática, visando garantir o direito das crianças de ficar em áreas externas.”

Mesmo que essa mudança não seja proposta pelas gestões públicas, a própria gestão escolar pode tomar iniciativas mais simples para adaptar os espaços, aponta Paula. Nesse sentido, é muito importante conscientizar e sensibilizar as famílias e a comunidade escolar a respeito das mudanças climáticas, para que todos estejam “na mesma página” em relação ao entendimento de que é necessário que os espaços externos sejam modificados.

“Sensibilizar a comunidade de pais para a importância da natureza para as crianças e para a questão das mudanças climáticas é um passo grande para que eles entendam a importância da experiência infantil com a natureza”, destaca Paula. “Pensar nessa transformação do espaço é um bom convite para engajar a comunidade escolar para pensar como a gente pode agir junto na adaptação desse espaço, seja com o plantio de árvores ou com a colocação de mobiliário do lado de fora, por exemplo”.

O calor enquanto pauta

Além de pensar em adaptações para o bem-estar, é também papel da escola olhar para o calor extremo como uma oportunidade de abordar a temática das mudanças climáticas e do meio ambiente não só com as famílias, mas principalmente com as crianças. “Estamos formando uma geração que vai enfrentar ainda mais do que a nossa esse desafio das mudanças climáticas”, ressalta Paula Mendonça.

Tratando-se da Educação Infantil, esse trabalho deve ser feito de forma bastante lúdica, com uma linguagem simples. O próprio contato com a natureza, por si só, já é uma boa forma de desenvolver nos alunos uma certa intimidade com o meio ambiente que, ao longo da vida, tende a se transformar em cuidado e proteção.

“Se dentro da escola esse contato não é possível, é interessante frequentar lugares próximos, como parques e praças, nos quais as crianças possam ter essa experiência com a natureza no cotidiano escolar. A escola é aquele lugar que ela frequenta todo dia, então essa é uma forma de manter essa vivência na memória afetiva”, comenta a coordenadora do Instituto Alana.

Na prática, Lívia conta que utiliza essa abordagem de desenvolver nos pequenos a ideia de amor, cuidado e respeito à natureza. “Eu tento sempre começar pelo assunto que está mais próximo. Por exemplo: ao invés de falar logo de início sobre o desmatamento na Amazônia, foco na importância das árvores ao nosso redor”, exemplifica. “Depois , busco aprofundar a conversa, explicando que as árvores nos dão a sombra e ajudam na temperatura do ambiente, portanto cortá-las gera mais calor. Abordar diretamente o aquecimento global, por exemplo, pode ser muito abstrato para eles”.

Outra prática que Lívia adota é prestar bastante atenção aos assuntos trazidos pelos estudantes. Por vezes, as crianças ouvem notícias e ficam curiosas para saber mais sobre assuntos relacionados ao meio ambiente. Nesses momentos, a escuta da professora garante uma oportunidade de falar sobre o tema e explicar alguns conceitos, sempre com linguagem simples. 

Acontecimentos do cotidiano e ludicidade

A professora Paula Sestari também aproveita essas oportunidades do dia a dia: quando acontece uma tempestade, por exemplo, é um bom momento para abordar fenômenos climáticos extremos.

Além disso, Paula aposta na ludicidade para explicar para as crianças temas ambientais. Um recurso bastante utilizado na escola é a horta presente no local. “Falamos muito sobre como a incidência de sol afeta as plantas e hortaliças. Nós também trabalhamos a questão do calendário, analisando quais são as plantas mais adequadas para cada época do ano, levando em conta o calor.”

Outras formas usadas por ela para explicar as consequência do calor excessivo são experiências com elementos da natureza, como aquela em que se utiliza uma lupa para focalizar raios solares sobre uma folha, por exemplo, e queimá-la.

Lia, da ONG Vaga Lume, afirma que é importante que os professores proporcionem essas experiências. “O contato com a natureza cria a percepção da importância daquele ambiente, de que aquele lugar onde a criança está é fundamental para ela poder viver. Mais importante ainda é a criança se reconhecer nesse ambiente, perceber o impacto que mudanças ambientais têm no dia a dia dela e do grupo.”

Nova Escola

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