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Governo federal mantém baixíssima transparência no processo de liberação das emendas Pix em 2024
O governo federal iniciou o processo de liberação das emendas Pix de 2024 com elevado nível de opacidade, mantendo vícios dos anos anteriores e ignorando dispositivos mínimos de transparência, inclusive os exigidos pela Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO).
Nesta quarta-feira (8.mai.24), o painel Transferegov, de responsabilidade do Ministério da Gestão e Inovação, foi atualizado com 10,9 mil minutas de empenho das emendas Pix, totalizando R$ 7,8 bilhões para 4.604 entes (prefeituras e governos estaduais). Isso equivale a 96% do total previsto no orçamento deste ano para essa modalidade.
Nos dados tornados públicos, é impossível rastrear como os recursos serão utilizados. Não há sequer informações estruturadas sobre o objeto de gasto, que os entes beneficiados deveriam cadastrar no Transferegov como condição para receberem as emendas. Essa exigência foi inserida pelo Congresso na LDO 2024, após contribuição da Transparência Brasil.
O Transferegov informa apenas as funções e subfunções (grandes áreas de políticas públicas, como saúde, educação, transporte etc.), cadastradas pelos beneficiários em um processo que é meramente burocrático e inócuo para a fiscalização.
O município de Tartarugalzinho (AP), por exemplo, cadastrou que uma emenda de R$ 600 mil será aplicada em 74 áreas distintas, que vão desde policiamento até reforma agrária.
Isso ocorre porque o Transferegov permite que o ente beneficiário selecione o campo “Todos” na seção de escolha da área em que o recurso será aplicado.
Mesmo entre os beneficiários que preencheram o sistema corretamente, o nível de informação se resume a área e subárea, como “Educação – Ensino Infantil”. Não é possível saber se o recurso irá para a construção de uma escola ou compra de equipamentos, por exemplo.
“É lamentável e preocupante que o governo federal, novamente, tenha optado por ignorar instrumentos que permitiriam um mínimo avanço na transparência das emendas Pix, que representam uma janela escancarada para malversação dos recursos públicos”, afirma Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência Brasil.
Alerta
Na semana passada, a TB enviou ofício à Secretaria de Relações Institucionais, à Controladoria-Geral da União, e aos ministérios da Gestão e Inovação e do Planejamento e Orçamento contestando justamente as regras estabelecidas para a execução das emendas Pix 2024.
A organização apontou que a Portaria Conjunta MF/MPO/MGI/SRI-PR nº 1/2024 não traz dispositivos essenciais de transparência, controle social e fiscalização das transferências especiais, sendo omissa com exigências da LDO 2024 e da Instrução Normativa nº 93/2024 do Tribunal de Contas da União (TCU).
Cheque em branco
Segundo levantamento da TB de mai.2023, as emendas Pix consumiram R$ 13 bilhões do orçamento federal entre 2020 e 2023.
O dinheiro cai diretamente na conta dos beneficiários, que até o ano passado não eram obrigados a informar como gastaram. Na prática, bilhões da União foram pulverizados para estados e prefeituras, sem qualquer mecanismo eficaz de fiscalização.
As prefeituras de pequeno porte, onde há maior precariedade dos órgãos de controle interno e externo, são justamente as principais destinatárias.
Em 2024, por exigência da LDO e do TCU, os beneficiários são obrigados a cadastrar no Transferegov informações sobre o uso, mas apenas após receberem – e até gastarem – o recurso.
O governo federal, além de publicizar o objeto de gasto cadastrado pelos entes em cumprimento à LDO, poderia ter avançado, obtendo e disponibilizando outras informações, mesmo que parciais, para fortalecer a fiscalização do recursos antes da transferência.
Ao invés de avançar, o Transferegov retrocedeu na transparência, bloqueando o acesso aos relatórios de gestão cadastrados voluntariamente por alguns beneficiários no ano passado, com uma prestação de contas do uso da emenda.
No STF
A opacidade das emendas Pix foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Transparência Brasil, em conjunto com a Transparência Internacional e a organização Contas Abertas, enquanto amici curiae do processo que resultou na inconstitucionalidade das emendas do relator-geral do orçamento (RP9).
Para a TB, as emendas Pix, tal qual o orçamento secreto, pecam pela ausência de transparência, de critérios de distribuição, de prestação de contas e de planejamento. Por isso, na visão das organizações, governo e Congresso continuam desrespeitando a decisão do STF, que apontou ilegalidade na falta de transparência das emendas.
Em abril, o ministro Flávio Dino pediu explicações do Senado, da Câmara e da Presidência da República sobre as irregularidades apresentadas pelas organizações.