Judiciário
Revista íntima, STF e os limites constitucionais
Julgamento que acontece no Supremo é emblemático
O tema da revista íntima está em discussão no Supremo Tribunal Federal através da análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959.620/RS, representativo do Tema 998 da sistemática de repercussão geral, em especial, acerca da legalidade das provas obtidas. Nove ministros já votaram e há consonância sobre a violação dos preceitos constitucionais que deveriam ser protegidos para os familiares dos encarcerados que os visitam nos presídios brasileiros.
A dissonância reside no fato de que quatro dos ministros entendem que nem toda revista íntima é ilegal, vexatória e degradante. Por conseguinte, faz-se necessário estabelecer uma excepcionalidade, subsidiariedade e, principalmente, a especialidade da revista e, mais, o visitante deve concordar com a mesma.
Com o pedido de vista do ministro Cristiano Zanin ainda não há formação de maioria, inclusive até a conclusão do julgamento algum ministro pode modificar seu entendimento, como foi o caso do ministro André Mendonça que, inicialmente, era contrário à revista íntima, e agora apoia a divergência, para casos excepcionais.
Inicialmente cumpre esclarecer que a revista íntima em nada se confunde com a revista para visita íntima, afinal, a primeira tem sido aplicada nos presídios brasileiros para todo e qualquer visitante de um preso. Já para o segundo caso, há limitações, tanto das unidades, quanto dos visitantes para os encontros com cunho sexual.
A revista íntima consiste no visitante retirar toda a sua roupa e ser inspecionado por um agente penitenciário. No caso das mulheres a verificação é degradante porque há a obrigatoriedade de se agachar diante de um espelho e abrir suas partes íntimas mais de uma vez, em locais cuja higiene e limpeza são questionáveis e, não raro, a revista é feita com mais de uma pessoa simultaneamente.
E, mesmo que uma visitante esteja menstruada, a verificação é feita e o constrangimento é evidente, ainda mais porque não são todas as penitenciárias que possuem agentes penitenciários femininos. Ademais, até crianças de colo podem ser submetidas à revista íntima e fraldas são retiradas e a submissão delas à violação de sua dignidade fica notória.
O relatório Revista vexatória: uma prática constante indica que a quase totalidade dos familiares são mulheres. A realidade dos parentes dos presos é dura, com obstáculos, viagens, dificuldades financeiras, algumas unidades prisionais são distantes das residências e ao chegar ainda se soma ao constrangimento da revista íntima.
A procura por produtos ilegais, drogas, objetos perigosos e, inclusive, componentes eletrônicos são alguns dos elementos buscados na revista. Entretanto, segundo dados da rede de Justiça Criminal, o índice de visitantes com itens não autorizados fica em torno de 1%. Segundo o mesmo estudo, em 2018, em Brasília, foram realizadas 90.153 visitas com 195 apreensões.
Assim, se questiona, quais os limites da revista íntima? Para o imaginário popular de alguns, não há que se ter benefício em visita e que a verificação por parte dos agentes penitenciários é legítima. O que não significa que a permissividade seja plena. Há limites, especialmente os constitucionais, que devem ser respeitados.
Respeito à dignidade humana, imagem, honra e intimidade são alguns dos preceitos constitucionais, reiteradamente vilipendiados quando das revistas íntimas. E no sopesamento dos direitos fundamentais, quem deve ser protegido? O visitante ou o Estado? Eis a pergunta que o Supremo, sabiamente, não se preocupou em responder. Não existe, entretanto, na Constituição Federal. Para se proteger o universo prisional não se deve autorizar a violação de direitos.
Destacamos no voto do relator: “É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos”.
De tal sorte que é obrigação dos estados prover elementos alternativos à revista corporal. O principal deles é o scanner corporal, no qual se avalia o visitante vestido por um aparelho que o analisa. O custo do mesmo é elevado e são poucas as unidades prisionais que possuem o equipamento. Além disso, não basta a aquisição do aparelho em si, porque se pode obter outro problema com seu uso indiscriminado por pessoas não preparadas.
A aplicação do scanner corporal é relativamente simples, todavia, a interpretação dos resultados não o é. Eis a carência da capacitação. O correto é um técnico em radiologia aferir os resultados, no entanto, o custo da manutenção do mesmo é proibitivo para os recursos penitenciários correntes, logo, muitos diretores optam por “capacitar” agentes penitenciários para executar a tarefa.
Cursos rápidos não credenciam nenhum agente penitenciário a diferenciar uma mancha detectada pelo aparelho de um gás estomacal ou de um objeto, por conseguinte, não são esparsos os casos de revista íntima inócua por falso positivo do aparelho, ou melhor, por interpretação equivocada do agente.
Ainda que seja obrigação do Estado evitar a entrada de objetos ilícitos nos presídios a fim de se garantir a segurança pública e prisional, além de proteger a vida, integridade física e a saúde dos encarcerados, bem como dos agentes penitenciários e demais funcionários, não se pode usar de quaisquer métodos e meios para tanto. Os direitos fundamentais devem ser respeitados e a capacitação dos agentes para a interpretação dos resultados dos scanners deve ser real.
A realidade presente aponta para a violação sistemática da dignidade humana dos visitantes. Até existem scanners em algumas penitenciárias, claramente, em número inferior ao necessário e, com isso, o desrespeito segue sendo a regra.
A Procuradoria-Geral da República emitiu parecer no qual se depreende: “A revista íntima será constitucional como medida excepcional e subsidiária, quando embasada em elementos concretos indicativos da existência de uma possibilidade real de tentativa de ingresso com material de entrada proibida ou cujo porte seja ilícito”.
O julgamento dos limites da revista íntima pelo STF é emblemático, primeiro para definir se a mesma poderá ou não ser aplicada. Segundo, se para casos excepcionais, as provas obtidas em decorrência das revistas íntimas poderão ter validade, quais os limites, circunstâncias e condições.
O Estado democrático de Direito tem de cumprir seu papel, por conseguinte, é obrigação estatal equipar suas unidades prisionais com aparelhos radiológicos como os scanners corporais.
Se há recursos para tanto, se a União fará a compra e os doará em seguida, não importa, pois, o concreto é que a Constituição Federal determina que sejam respeitados os direitos tidos como fundamentais e com a decisão que está por vir do STF caberá aos estados e ao governo federal viabilizar os meios necessários para prover a efetiva dignidade humana, o respeito à honra, intimidade e vida privada daqueles que irão visitar seus entes queridos.