Internacional
Advogada quilombola defende na ONU enfrentamento do racismo estrutural
Vercilene Dias, da comunidade quilombola Kalunga, no Brasil, pediu por mais participação do grupo na formulação de políticas públicas; segundo ela, direitos constitucionais não são devidamente efetivados, com 94% dos territórios ancestrais ainda fora dos registros oficiais do governo
A advogada brasileira Vercilene Dias foi a primeira mulher quilombola a discursar em um Fórum Político de Alto Nível da ONU. A intervenção ocorreu no painel sobre combate à pobreza na edição de 2024 do evento, que ocorre na sede das Nações Unidas, em nova Iorque, com duração até quinta-feira.
Ela considera que sua presença no centro da diplomacia internacional contribui para trazer “visibilidade para comunidades discriminadas pelo trabalho e pela descendência”, como é o caso dos quilombolas.
Enfrentamento do racismo estrutural
Vercilene acredita que é preciso ir além. Em entrevista para a ONU News, ela afirmou que populações que sofrem com o racismo estrutural e a negação de direitos devem ter voz na formulação de políticas públicas.
“Um dos maiores desafios da gente hoje, enquanto quilombola, é de também vencer essas barreiras do racismo estrutural, do racismo institucional. É justamente ocupar espaços nos órgãos de governo onde acontece a tomada de decisões com relação à política pública de forma geral”.
Os quilombolas são descendentes das comunidades dos quilombos, considerados núcleos de resistência à opressão da escravidão no Brasil. Segundo Vercilene, a Constituição brasileira de 1988 reconhece os direitos desta população, inclusive aos territórios ancestrais. No entanto, ela ressalta que existe uma luta constante para que esses direitos “sejam efetivados na prática.”
Lentidão na titulação de terras
“O Brasil ainda precisa avançar muito. Recentemente os dados de um estudo feito pela Conaq constatam que no ritmo que a gente está praticando para reconhecimento de territórios quilombolas, para titulação de terras quilombolas, só com os processos que a gente tem abertos no Incra, que são cerca de 1,8 mil, nessa autarquia brasileira que cuida da titulação de territórios quilombola, a gente demoraria mais de 2 mil anos para ter a titulação daqueles processos que estão abertos”.
De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, Conaq, onde Vercilene atua como coordenadora jurídica, existem 6 mil comunidades no Brasil e mais de 1,3 milhão de quilombolas.
No entanto, a advogada afirmou que 94% dos territórios estão fora dos registros oficiais do governo. O dado surgiu de um censo conduzido recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Ibge, o primeiro a ser realizado pelo Estado brasileiro com foco nesta população.
Vercilene Dias/Arquivo Pessoal
Quilombo Kalunga, em Goiás, no Brasil
Rede de advogados quilombolas
Além de ter sido uma das primeiras de sua comunidade a acessar o ensino superior, Vercilene foi a primeira quilombola a se tornar mestre em direito no Brasil. Ela também é fundadora da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Quilombolas, Renaaq, formalizada em 2020.
Segundo Vercilene, a iniciativa é “resultado de uma luta anterior para inclusão da população negra nas universidades públicas”. A advogada e mestra em direito compartilhou que a rede começou com cinco profissionais do ramo e hoje tem 32, sendo a maioria mulheres, incluindo a primeira quilombola a se tornar promotora.
Segundo ela, a rede surgiu como forma de articular esses advogados para uma luta coletiva e para a troca de experiências de atuação em cada comunidade espalhada pelo Brasil.
Vercilene Dias é da comunidade Kalunga, em Goiás, que é foi a primeira a ser reconhecida pela ONU no Brasil. A advogada recorda do processo concluído em 2019, e afirma que trouxe visibilidade internacional para os territórios quilombolas em todo o país, enfatizando o papel que as comunidades desempenham na proteção do meio ambiente. Ela defendeu que os quilombolas sejam mais mencionados em documentos oficiais das Nações Unidas.