Internacional
Mesmo após sua morte, Alberto Fujimori ainda polariza o Peru
Ex-presidente, morto aos 86 anos, foi condenado por crimes contra a humanidade e corrupção. Para uns, ele salvou país do colapso, mas para outros, é um autocrata que pisoteou a democracia para se manter no poder
O ex-presidente do Peru Alberto Fujimori morreu nesta quarta-feira (09/11) em Lima, aos 86 anos. A morte após “uma longa batalha contra o câncer” foi confirmado por sua filha e herdeira política Keiko Fujimori, que foi três vezes candidata a presidente.
“Depois de uma longa batalha contra o câncer, nosso pai, Alberto Fujimori, acaba de partir para encontrar o Senhor. Pedimos àqueles que o amavam que nos acompanhem com uma oração pelo descanso eterno de sua alma. Muito obrigada, pai”, postou Keiko Fujimori na rede social X, em uma mensagem que ela assinou junto com seus irmãos Hiro, Sachie e Kenji.
Fujimori morreu na casa de sua filha Keiko, onde estava sendo tratado, após deixar a prisão em dezembro de 2023, após uma polêmica decisão judicial. Em maio, Fujimori revelou que havia sido detectado um tumor maligno na sua língua. Em 2018, ele já havia sido diagnosticado com um tumor no pulmão.
Apelidado de “El Chino” (o chinês) apesar de ser descendente de japoneses, por causa de suas características orientais, ele governou o Peru com mão de ferro entre 1990 e 2000.
Sua morte continua a dividir os peruanos. Para seus apoiadores, Fujimori é o homem que salvou o país do colapso econômico e do terrorismo, mas para seus detratores ele é um autocrata que pisoteou as instituições democráticas para se manter no poder. Um relatório de 2004 da Transparência Internacional classificou o ex-chefe de Estado em sétimo lugar entre os dez líderes mais corruptos do mundo.
Alberto Fujimori nasceu em 28 de julho de 1938 em Lima, onde seus pais se estabeleceram vindos do Japão. Formou-se como agrônomo em 1960 e lecionou na Universidade Agrária do Peru antes de entrar para a política. Em 1974, Fujimori se casou com Susana Higuchi, também de origem japonesa, com quem teve quatro filhos: Keiko, Hiro, Sachi e Kenji.
Nas eleições presidenciais de 1990, o desconhecido “chino” conseguiu derrotar o favorito, Mario Vargas Llosa. “Fujimori representava algo fora do sistema político estabelecido, do qual Vargas Llosa estava mais próximo, e estava menos ligado ao que estava acontecendo na época”, disse à DW José Alejandro Godoy, cientista político da Universidade Católica do Peru e autor de um livro sobre o ex-presidente.
Além disso, lembra Godoy, Fujimori conseguiu formar uma aliança com os setores evangélicos e, sobretudo, com os pequenos e microempresários, em um país onde estes últimos são maioria.
O autogolpe e o Sendero Luminoso
Desde o seu frenético início político, o estilo de Fujimori foi marcado pela controvérsia. O país que herdou de Alan García (1985-1990) estava econômica e socialmente falido, devastado por uma inflação anual de 7.000% e pela crescente atividade dos grupos terroristas Sendero Luminoso e Movimiento Revolucionario Túpac Amaru (MRTA).
O seu rigoroso plano anti-inflacionário causou descontentamento entre os setores sindicais e o Parlamento. Após a retirada do apoio do Poder Legislativo, Fujimori passou a governar por decreto até que, em 5 de abril de 1992, com o apoio do Exército, deu um autogolpe de Estado, dissolveu o Parlamento e interveio no Poder Judiciário.
Segundo o cientista político Godoy, Fujimori tinha dois motivos para dar o autogolpe. “A primeira questão foi mais estrutural e a segunda foi uma questão de mensagem. O sistema político peruano não foi capaz de responder aos dois principais desafios de 1980, por um lado, a profunda crise econômica e, por outro, a violência de dois grupos subversivos com milhares de mortos.”
Bettina Schorr, cientista política do Instituto Latino-Americano da Universidade Livre de Berlim, afirma que, neste contexto de crise, Fujimori viu a necessidade de uma nova Constituição, mas também, como outros líderes, sucumbiu à tentação de se perpetuar no poder. “Sem uma mudança na Constituição, isso não teria sido possível. Fujimori precisava desmantelar todas as regras políticas que existiam e fazer novas”, afirma a especialista alemã.
Em setembro de 1992, Abimael Guzmán, líder da guerrilha maoísta Sendero Luminoso, foi preso. Fato que Fujimori soube capitalizar, apesar de ser mérito da polícia de inteligência que trabalhava de forma independente. Desta forma, a luta contra o terrorismo tornou-se o seu lema principal e, finalmente, levou-o a vencer as eleições de 1995.
Durante a sua segunda presidência, a aliança de Fujimori com as Forças Armadas foi consolidada, e as reclamações de diversos setores da sociedade peruana contra a consolidação de um regime civil-militar ficaram cada vez mais fortes. Muitos analistas independentes já alertavam que o controverso Vladimiro Montesinos, conselheiro de Fujimori e chefe do Serviço de Inteligência, era quem tinha o poder nas sombras.
Fuga para o Japão e renúncia por fax
Nas eleições de 2000, Fujimori concorreu novamente, apesar de a Constituição proibir dois mandatos presidenciais consecutivos. O então presidente alegou que, como tal regulamento entrou em vigor durante o seu primeiro mandato, esta nova candidatura seria a sua primeira reeleição.
Depois de um primeiro turno turbulento, o candidato da oposição Alejandro Toledo, que ficou em segundo lugar com 40% dos votos, renunciou à participação no segundo turno por considerá-lo fraudulento. Isto não impediu a “reeleição” de Fujimori em 28 de maio de 2000, sem rival e sem observadores.
Porém, um mês e meio depois de assumir pela terceira vez o cargo de presidente, um grande escândalo envolvendo Montesinos abalou o país. O chefe do Serviço de Inteligência foi filmado entregando maços de dinheiro a um parlamentar da oposição. Em outros vídeos divulgados posteriormente pela imprensa, mais políticos, empresários e personalidades foram vistos recebendo dinheiro de Montesinos. Poucos dias depois, Fujimori foi forçado a convocar novas eleições.
Em meio à profunda crise política, Fujimori aproveitou sua viagem à cúpula econômica da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) em Brunei para depois viajar ao Japão, de onde enviou por fax sua renúncia em 19 de novembro de 2000. O Congresso peruano não aceitou a renúncia e o destituiu por “incapacidade moral permanente”. Valentín Paniagua assumiu em seu lugar.
Nova tentativa e condenações
O governo japonês reconheceu a sua nacionalidade japonesa, o que lhe deu o direito de permanecer no Japão e de não ser extraditado. Houve pedidos de prisão ordenados pela Interpol e pedidos de extradição por crimes contra a humanidade e corrupção ordenados pelo Peru. Apesar disso, Fujimori anunciou sua intenção de concorrer novamente à presidência do Peru em 2005. Isto foi negado pelo Tribunal Constitucional porque a sua inabilitação política vigorava há dez anos.
No final de 2005, Fujimori desembarcou inesperadamente em Santiago do Chile, sendo preso pouco depois pela polícia chilena a pedido do governo peruano. Dois anos depois, o ex-presidente foragido foi extraditado para Lima, onde em 7 de abril de 2009 recebeu pena de 25 anos de prisão por dois massacres ocorridos em 1992. Nessa operação, 25 pessoas morreram nas mãos de um esquadrão militar secreto chamado Grupo Colina.
Entre os outros crimes pelos quais Fujimori foi condenado estavam peculato e corrupção. “Devido às violações dos direitos humanos e ao desmantelamento das instituições democráticas, acredito que as sentenças contra Fujimori foram justas. Mas há casos pelos quais ele não poderia ter sido condenado, como esterilizações forçadas de mulheres. Esse é o caso mais grave de todos os que tinha pendentes”, diz Godoy.
Durante o governo Fujimori, milhares de peruanas, que viviam principalmente em regiões mais pobres e com maior concentração indígena, foram submetidas a laqueaduras forçadas.
No entanto, apesar de todas as evidências, o ex-autocrata peruano ainda tem muitos simpatizantes no Peru. “Parte da nossa sociedade tem uma certa cultura autoritária e quer líderes que ofereçam, acima de tudo, mão forte. Fujimori conseguiu se apropriar do sucesso do combate ao terrorismo, da melhoria econômica e teve uma política mais populista”, afirma Godoy.
Nessa mesma linha opina a cientista política Schorr, que acredita que sua filha Keiko “de alguma forma quer perpetuar esse legado com posições e ferramentas parecidas”.