Internacional
O Grupo Wagner e os interesses russos na África
Mercenários russos estão presentes há anos na região e influenciam economias locais. Grupo reforçou laços com Moscou e ampliou leque de serviços, oferecendo até mesmo “pacotes de sobrevivência de regimes”
Um grupo mercenário russo que leva o nome do compositor predileto de Adolf Hitler e cujo emblema é uma caveira – é assim que o Grupo Wagner moldou sua imagem, ao menos nos últimos anos. As aparências, porém, ocultam uma parte significativa das atividades da organização. Trata-se de uma rede amplamente ramificada que também se envolve nas economias locais; em particular, na África, sempre em defesa dos interesses da Rússia.
Desde a morte do líder Yevgeny Prigozhin em junho de 2023 em um misterioso acidente aeronáutico, pouco depois de ele desafiar abertamente a autoridade do presidente russo, Vladimir Putin, o Grupo Wagner passou a atuar de maneira mais próxima às estruturas do Estado russo.
Agente não oficial do Kremlin
“O Grupo Wagner é absolutamente essencial, por ser complementar aos canais diplomáticos oficiais”, afirma à DW Hager Ali, pesquisadora do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga).
Ela explica que, além de equipar as Forças Armadas e se envolver em iniciativas diplomáticas como o grupo do Brics+ – bloco geopolítico liderado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, os mercenários assumem atividades que o governo russo não pode realizar em nível de Estado. “Um Exército formal está sujeito a um grupo de regras completamente diferente do que ocorre com uma organização militar privada.”
Após a morte de Prigozhin, algumas unidades do grupo foram transferidas para a chamada Corporação da África – nome que também faz alusão ao nazismo. Essa nova organização é subordinada ao Ministério russo da Defesa.
“O Estado russo queria obter controle sobre os mercenários, sem mexer nas estruturas pessoais que já existiam nos países. Dessa forma, a Corporação da África passou a ser uma holding, por assim dizer, que foi tomada pelo Wagner”, diz à DW Ulf Laessing, diretor para a região do Sahel da Fundação Konrad Adenauer.
O Wagner é um meio utilizado pelo governo russo para espalhar propaganda antiocidental nas comunidades africanas, mas não é o único. Moscou também usa as redes sociais e a mídia tradicional. Há ainda instituições culturais como a Casa Russa em Bangui, a capital da República Centro-Africana (RCA), onde 500 pessoas aprendem o idioma russo.
Há também apresentações teatrais e musicais, diz à DW o diretor da Casa Russa, Dmitri Sytyi, que se apresenta como um “embaixador informal da política russa”, embora os Estados Unidos e a União Europeia (UE) o considerem um alto oficial do Grupo Wagner, incluindo-o em suas listas de alvos de sanções internacionais.
Sytyi, de 35 anos, alega estar sendo usado como bode expiatório, enquanto a UE o acusa de cometer graves violações dos direitos humanos na RCA. A ONG Human Rights Watch, por exemplo, o associou à pratica de tortura e assassinatos e denunciou a impunidade no país aos criminosos do Grupo Wagner.
Como o grupo Wagner atua na África
Poucos países do continente africano possuem laços tão estreitos com o Grupo Wagner como a RCA. Os mercenários fazem a segurança do presidente Faustin-Archange Touadéra e dão apoio às tropas do governo em seus esforços para manter o controle no país, em meio à guerra civil. Segundo relatos na imprensa, existem no país entre 1,5 mil e 2 mil combatentes do grupo.
A RCA assinou em 2018 um tratado oficial de segurança com a Rússia. Um aeroporto militar está atualmente sendo reformado para se tornar uma base russa.
Provavelmente em contrapartida aos serviços de segurança, empresas pertencentes à rede do Wagner exploram uma mina de ouro no país centro-africano e extraem madeira de alto valor das florestas tropicais. Outras produzem cerveja, comercializam vodca em Bangui ou realizam negócios com açúcar.
O Wagner também tem papel ativo no conflito na Líbia que, assim como a RCA, também possui um centro estratégico para as atividades russas no Sudão. Antes mesmo do início da guerra, o grupo já mantinha contatos com os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF) sudanesas.
Ao mesmo tempo, o Kremlin se mantém próximo à outra parte no conflito, as Forças Armadas Sudanesas (SAF), que são importantes para Moscou em termos de comércio e de interesses relacionados a uma base naval no Mar Vermelho.
A nova estruturação do Grupo Wagner como Corporação da África permite ao Kremlin avançar com uma estratégia mais clara, segundo Hager Ali. A Rússia pode, por um lado, acessar recursos através do Wagner. “Por outro lado, pode também usar os canais diplomáticos oficiais para manter ou até mesmo aprofundar sua presença na África”, diz a pesquisadora.
Dessa forma, a Rússia, que depende de moeda estrangeira em sua guerra contra a Ucrânia, pode se beneficiar em dobro com a comercialização de novos sistemas de armamentos de sua indústria bélica e com o envolvimento do Wagner na transferência de conhecimento.
Venda de pacotes de “sobrevivência de regimes”
Há ainda outros focos de atividade do Wagner na região do Sahel. Em Mali, Burkina Fasso e no Níger, estão no poder governos golpistas antiocidente que contam com o apoio russo. “A ideia original no Mali era introduzir o Grupo Wagner e substituir o Ocidente para combater e adquirir armas”, afirma Ulf Laessing. Ele diz que esse objetivo, contudo, acabou mudando. Por exemplo, o líder do golpe em Burkina Fasso, Ibrahim Traoré, cercou-se de guarda-costas russos.
Também no Níger há sinais de que o Wagner estaria fornecendo seu “pacote de sobrevivência de regimes”. “Lá também está a Corporação da África. Não há sinais de que estejam envolvidos em combates, mas estou convencido de que eles estão lá para proteger o regime, especialmente porque os russos anunciaram a instalação de sistemas antiaéreos. Eles não precisam combater os jihadistas”, diz Laessing. Para ele, a RCA é uma amostra de como o Wagner ajuda um presidente a se manter no poder.
Hager Ali também enxerga essa influência. “Isso pode incluir expertise e experiência, assim como o apoio direto na repressão a possíveis insurgências em meio à população civil, na extração de recursos naturais, e assim por diante.”
É possível que, no futuro, outros chefes de Estado africanos recebam ofertas para adquirir os pacotes de sobrevivência do grupo Wagner.