Internacional
Cada vez menos americanos confiam nos resultados das urnas
Desconfiança com relação aos resultados tem crescido nos últimos anos, especialmente entre os republicanos. No estado decisivo da Geórgia, apoiadores de Trump controlam a junta eleitoral
O número é recorde: mais de 310 mil eleitores depositaram seu voto só em 15 de outubro, o primeiro dia de votação antecipada no estado da Geórgia, no sul dos EUA. Isso é mais do que o dobro do que no primeiro dia de votação antecipada das eleições de 2020.
Nos Estados Unidos, dia de eleição não é domingo nem feriado, mas sempre uma terça-feira. E nesse dia é comum longas filas se formarem do lado de fora das seções eleitorais. Quem não tem tempo para ficar horas na fila, ou por qualquer outro motivo não puder votar no dia da eleição, que neste ano será em 5 de novembro, pode antecipar seu voto na maioria dos estados.
Se dependesse só da vontade da junta eleitoral da Geórgia – a autoridade responsável pela realização das eleições nesse estado – os funcionários eleitorais teriam muito trabalho depois de 5 de novembro. No final de setembro, a junta eleitoral aprovou uma regra segundo a qual as cédulas de votação deveriam ser contadas manualmente no estado.
Isso leva mais tempo, reconhece Janelle King, uma dos cinco membros da junta. Mas ela não quer que a autoridade “priorize a velocidade em detrimento da precisão”.
Quem é mais confiável?
A ideia de que um ser humano pode contar melhor do que uma máquina pode fazer sentido para alguns, mas isso simplesmente não é verdade, diz Rachael Cobb, professora de Ciências Políticas da Universidade de Suffolk, em Boston. “Pessoas cometem erros, isso é humano. As máquinas também cometem erros, mas podemos testá-las, verificá-las e consertar o que levou ao erro”, diz.
Em geral, uma pessoa comete mais erros porque, ao contrário das máquinas, em algum momento ela se cansa, explica Cobb, que pesquisa a organização de eleições.
Essa deve também ter sido a opinião do juiz que barrou a contagem manual na Geórgia. Ele afirmou que nenhum treinamento para os funcionários eleitorais estava planejado e que uma mudança no procedimento tão perto da eleição levaria ao caos. Assim, os votos da eleição presidencial na Geórgia serão, como de costume, contados de forma eletrônica.
Confiança em queda
Esse vai-e-vem ilustra um problema que já existe há anos nos EUA: cada vez menos americanos acreditam que tudo está em ordem nas eleições realizadas em seu país. Numa pesquisa feita pelo instituto de pesquisa Gallup em setembro de 2024, 19% dos entrevistados disseram não ter nenhuma confiança na lisura da eleição e na legitimidade do resultado. Em 2004, esse número era de só 6%.
A desconfiança é mais generalizada entre os republicanos – apenas 28% confiam que tudo vai transcorrer de forma correta durante a eleição de 2024. Em 2020, esse número era de 44%. Quatro anos antes, quando o republicano Donald Trump venceu a candidata democrata, Hillary Clinton, uma maioria de 55% dos republicanos acreditava que a eleição se deu de uma maneira justa e correta.
“Se o seu candidato vence, você tende a presumir que tudo correu bem na eleição”, observa Cobb.
O fato de a confiança dos republicanos ter caído significativamente desde 2020 se deve muito à acusação, feita por Trump e seus apoiadores, de que a eleição de 2020 foi “roubada” dele por meio da manipulação dos resultados. Essa teoria da conspiração já foi desmentida por recontagens meticulosas e muitas decisões judiciais, mas até hoje Trump se recusa a reconhecer que perdeu.
Junta eleitoral da Geórgia
Entre os apoiadores de Trump que continuam a se aferrar a essa mentira eleitoral estão também três dos cinco membros da junta eleitoral da Geórgia. Essa maioria num estado onde Trump e sua rival democrata, Kamala Harris, estão disputando voto a voto pode se mostrar crucial em novembro.
Há quatro anos, a Geórgia foi um dos estados onde a diferença na contagem foi tão pequena que resultou em várias contestações e onde os republicanos insistiram numa recontagem até que o resultado final pudesse ser certificado. A junta eleitoral tem muito poder nesse processo – e, desde maio deste ano, a maioria de seus assentos é ocupada por apoiadores de Trump.
Não há como provar isto, mas Cobb suspeita que a tentativa desses três membros de introduzir uma contagem manual pode ter sido uma estratégia política. “Dizer que o método usado até agora é ruim e precisa ser mudado com urgência semeia desconfiança, mesmo que o novo método não seja melhor”, diz a cientista política.
Seguindo a decisão judicial, a contagem será eletrônica, como antes. Mas, se os números forem desfavoráveis a Trump, as declarações da junta eleitoral provavelmente lançarão, mais uma vez, dúvidas sobre os resultados na Geórgia.
Influência no resultado da eleição
Um órgão ocupado por apoiadores de Trump e que é encarregado de contar e certificar os resultados eleitorais de um estado pode influenciar o resultado da eleição presidencial em todo o país?
“Se a margem [de vitória] for grande e se for impossível para o perdedor obter o número necessário de votos, mesmo com uma recontagem, então [uma autoridade majoritariamente favorável a Trump] não faz diferença”, diz Cobb.
Mas a Geórgia é um swing state (um estado onde tanto democratas como republicanos podem vencer) e em 2020 o então candidato democrata, Joe Biden, venceu por apenas 0,2 ponto percentual. Se o resultado da eleição na Geórgia acabar por decidir se Harris ou Trump vai chegar à Casa Branca – o que não está fora de cogitação – a situação muda totalmente de figura.
Cobb lembra que, na verdade, as eleições nos EUA são bem organizadas. “Os funcionários eleitorais trabalham duro para garantir que tudo dê certo no dia da eleição”, enfatiza. “Temos muitas leis neste país que garantem que a identidade de todos os eleitores seja verificada, que seus votos sejam contados e que a intenção do eleitorado se reflita nos resultados.”