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A invenção do estetoscópio foi motivada pela vergonha
Quando imaginamos um médico, algumas coisas sempre estão na imagem, como o jaleco e o estetoscópio. É quase impossível imaginar um médico sem essa ferramenta, utilizada em todo tipo de consultório, mesmo nos mais simples. Mas você já parou para pensar como os médicos faziam antes do estetoscópio? E quem foi o gênio que inventou esse aparelho?
Vamos responder a essas questões de forma bem direta: antes do estetoscópio, os médicos já auscultavam o peito dos pacientes há séculos — mas faziam isso colocando o ouvido direto no local que queriam auscultar, encostando no paciente. Isso só mudou no século XIX, quando um médico francês, René Laennec, criou o primeiro tipo de estetoscópio que conhecemos.
Mas por mais que essas perguntas iniciais tenham sido respondidas, ainda há muitos detalhes interessantes nessa história. Afinal, você sabia que um dos principais motivos para a invenção desse aparelho foi a vergonha?
Um médico envergonhado
René Laennec nasceu em fevereiro de 1781, em Quimper, uma pequena cidade da Bretanha, a cerca de 500 quilômetros de Paris. Como sua família já tinha tradição na medicina e o jovem René demonstrou aptidão para a profissão, ele logo foi para a capital francesa estudar na École de Médecine.
Lá, René pode aprender com grandes referências da época, como Jean-Nicolas Corvisart, que era médico pessoal de ninguém menos que Napoleão Bonaparte. A partir disso, René Laennec foi se desenvolvendo na profissão, principalmente pela produção científica: ele fazia pesquisas sobre doenças pulmonares, que exigiam que ele auscultasse pacientes.
Antes da criação de Laennec, os médicos costumavam colar seus ouvidos no peito do paciente para tentar escutar alguma coisa. Além de parecer um pouco estranho, hoje em dia, de fato era um método pouco eficaz. Com frequência, os médicos chegavam a diagnósticos incertos — ou simplesmente não conseguiam diagnosticar qualquer doença.
Mas para Laennec, ainda existia a questão da vergonha. Especialmente quando a paciente era uma mulher e o médico era obrigado a pressionar sua cabeça contra os seios dela. Trata-se de uma cena inusitada, realmente.
Até que em 1816, quando trabalhava em um hospital de Paris, Laennec teve que auscultar uma paciente jovem e obesa. Então, poderia ser constrangedor para a senhorita que um médico se aproximasse tanto de seus seios — e de qualquer maneira, a constituição corporal da paciente dificultaria identificar os ruídos respiratórios corretamente.
Nesse momento, René se recordou de umas crianças que brincavam com cilindros ocos para fazer barulhos e resolveu enrolar um pedaço de papel para tentar escutar melhor o coração da moça. E funcionou muito bem!
Na verdade, o médico descobriu que essa técnica amplificava os ruídos, permitindo que todos os ruídos respiratórios e as batidas do coração fossem auscultados com mais clareza. Assim, o estetoscópio começou a ser inventado.
Do tubo de madeira aos estetoscópios modernos
Feito de madeira e latão, este é um dos estetoscópios originais do médico francês René Laennec
Depois dessa experiência, René criou seu primeiro estetoscópio “de verdade”: era um tubo de madeira com 25 centímetros de comprimento e 5 de largura. Em uma das extremidades, havia um disco que era colocado sobre a pele do paciente. Já o nome, estetoscópio, vem do grego: stethos significa peito e skopein quer dizer examinar.
Com sua invenção, René Laennec fez diversas pesquisas sobre auscultação, associando ruídos a doenças e contribuindo para o avanço dessa prática.
Trata-se de um aparato bem mais simples que os atuais — mesmo assim, ele representou uma revolução na forma como os médicos auscultavam seus pacientes. Já na década seguinte, a de 1820, o estetoscópio já tinha se espalhado por toda a Europa e outros inventores começaram a buscar maneiras de melhorar o aparelho.
Em 1851, o médico irlandês Arthur Leared criou o primeiro estetoscópio biauricular, permitindo que o médico auscultasse com os dois ouvidos e isolasse os ruídos externos. Depois, George Cammann, um médico norte-americano, aperfeiçoou o design de Leared, criando o padrão de estetoscópios que os pacientes viram por décadas.
Contudo, o modelo que conhecemos hoje, mais leve e flexível, só surgiu nos anos 1960. Seu inventor é o Dr. David Littmann, cardiologista e professor da Universidade de Harvard — que patenteou o design e vendeu para a 3M. No fim dos anos 1970, a companhia lançou uma versão 2.0 do estetoscópio Littmann, com um diafragma de resina e silicone que torna ainda mais fácil capturar os sons.
Mais recentemente, na virada do milênio, surgiram os estetoscópios inteligentes. Além de transmitir os sons do peito do paciente, eles se conectam com computadores e aplicativos. Assim, é possível fazer exames mais detalhados e armazenar as informações dos pacientes.
Uma bela trajetória para uma invenção que começou com a vergonha de um médico francês.