CONCURSO E EMPREGO
A Proposta Polêmica de Abolição do 6×1: Qualidade de Vida ou Ilusão Econômica?
O projeto da deputada Erika Hilton (PSOL-SP) de acabar com o velho esquema de trabalho 6×1 e instaurar uma jornada 4×3 – ou seja, quatro dias de trabalho por três de descanso – é daqueles que, ao mesmo tempo, atiçam o sonho dos trabalhadores e causam calafrios nos empresários. O movimento chamado de Vida Além do Trabalho, parceria de Hilton com o vereador Rick Azevedo (PSOL-RJ), quer fazer da jornada de 36 horas semanais o novo padrão no Brasil. Mas será que isso é viável ou só mais uma ideia bonita no papel?
A proposta mexe diretamente com a Constituição, querendo estabelecer uma jornada de trabalho semanal menor e com mais dias de folga. Hoje, a regra é 44 horas por semana, com direito a um domingo livre. O que Hilton e Azevedo defendem é uma mudança que promete melhorar a vida do trabalhador, mas sem esquecer que isso demanda ajustes profundos. Eles acreditam que, ao dar mais tempo para o descanso, o trabalhador se torna não só mais produtivo, mas também mais motivado, o que movimentaria em teoria mais a economia. Mais dias de descanso, mais consumo, certo?
Mas e para as empresas? O impacto seria sentido direto no caixa. Setores que precisam operar 24 horas, como hospitais, supermercados e segurança, podem ter que aumentar a equipe para cobrir as novas escalas sem prejudicar o serviço. A conta não fecha tão fácil: contratar mais gente é um custo que, em muitos casos, as empresas vão querer repassar para o consumidor. Aí, o preço da ideia pode se tornar alto demais.
A PEC nem foi oficialmente protocolada e já divide opiniões em Brasília. Para começar a tramitar, Hilton precisa reunir pelo menos 171 assinaturas de deputados. Ela já conquistou 134 até agora. Só que a luta será longa e repleta de obstáculos. Primeiro passa pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que precisa validar a legalidade da proposta. Aí, vêm uma comissão especial para aprofundar o tema, depois dois turnos de votação na Câmara e, caso sobreviva, segue para o Senado. Ou seja, pode levar anos até que algo concreto aconteça.
Uma questão que muitos levantam: e quem depende de serviços essenciais 24/7? Ninguém quer hospital fechando as portas para cumprir escala claro. Mas, se a PEC passar, a solução estaria em ampliar a equipe. Os turnos de trabalho mudam, mas o serviço continua. Só que, na prática, isso representa um aumento de custos inevitável para setores como saúde, segurança e transporte. Para as pequenas e médias empresas, isso é ainda mais complicado. Será que esses negócios conseguiriam arcar com novos funcionários para dar conta de um 4×3?
Entre os políticos, as opiniões estão divididas. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), ainda não apoia abertamente, mas observa o debate com cautela. Ele menciona que acordos coletivos entre sindicatos e empresas poderiam encontrar soluções mais equilibradas, com uma redução talvez para 40 horas, algo que, segundo ele, é mais viável e menos radical. Já José Guimarães, líder do governo, vê com bons olhos a PEC, afirmando que é hora de dar mais tempo livre para o trabalhador.
Até o PT, no entanto, se mostra dividido. Rick Azevedo reclamou da falta de apoio dentro do próprio partido, mostrando que, apesar das intenções, nem todos estão prontos para abraçar a ideia. Entre os trabalhadores, a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) defende a proposta, dizendo que a tecnologia e a automação justificam essa nova abordagem: com mais máquinas e inteligência artificial, por que o trabalhador humano ainda precisa de jornadas tão longas?
O setor empresarial, por sua vez, vê a proposta com ceticismo. Entidades como a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) temem que essa mudança crie um abismo nos custos operacionais. Paulinho da Força, deputado e líder sindical, embora defensor dos direitos trabalhistas, também se posiciona contra a PEC nesse formato. Ele e outros críticos afirmam que a medida pode forçar demissões e até falências em setores que não conseguiriam se adaptar financeiramente à nova realidade.
Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, é direto ao ponto: segundo ele, a proposta é um sonho bonito, mas irrealista. Os custos podem ser insustentáveis para muitas empresas. O cenário não é tão simples quanto parece e, caso a PEC vá para frente, esse embate será intensificado.
Os apoiadores da PEC acreditam em benefícios para a economia com a jornada reduzida: mais dias de folga, mais consumo, um ciclo que geraria novos empregos e fortaleceria o mercado interno. Experiências-piloto em algumas empresas brasileiras, com a semana de quatro dias, mostraram resultados animadores. Menos faltas mais produtividades e um ambiente de trabalho mais saudável. Mas, até que ponto esses exemplos isolados podem ser ampliados para todos os setores?
A realidade é que, em alguns países, como a Islândia e a Espanha, experimentos semelhantes renderam frutos. Mas o Brasil tem uma economia bem diferente. Sem apoio governamental direto ou uma regulamentação flexível, a transição para um modelo assim pode trazer mais complicações do que soluções.
A ideia de Hilton, embora ousada, enfrenta uma longa estrada e uma forte resistência. Por enquanto, o projeto traz mais perguntas que respostas. Se aprovado, ele pode redefinir as relações de trabalho no Brasil, mas a dúvida é: o país está pronto para uma revolução dessas? Ou estamos diante de mais um daqueles projetos que acabam servindo só para polemizar e gerar discussões vazias?
A PEC 4×3 não passa de um esboço, mas suas repercussões já afetam debates que envolvem a essência do trabalho no país. Seja como for, essa é uma discussão que não vai sumir. Fiquemos de olho no avanço das negociações, porque o impacto dessa mudança pode ser bem mais profundo do que imaginamos.