Judiciário
A liberdade de expressão e o ataque à imunidade parlamentar
Em alguns casos, atuação do Judiciário coloca em risco a liberdade de expressão de parlamentares e interfere nas competências do Legislativo
A liberdade de expressão é um direito que precisa de mais atenção no Brasil. Algumas ações do Judiciário têm contribuído para o enfraquecimento desse princípio, além de afetar negativamente o accountability e o sistema de freios e contrapesos do país. Em certos casos, a atuação do Judiciário interfere nas competências do Legislativo e, recentemente, episódios têm colocado em risco a liberdade de expressão de parlamentares, assegurada por lei.
De fato, a liberdade de expressão é um direito muito complexo que, desde a Antiguidade, demanda debates sobre sua amplitude. Na democracia contemporânea, esse direito é a base e a garantia de que os cidadãos possam expressar suas ideias, inclusive as de oposição. Na verdade, a presença de vozes dissidentes é essencial para o funcionamento da democracia, pois é através desse processo que o debate público pode florescer e oferecer autonomia individual, pluralidade de ideias e atuar como uma válvula de escape para conflitos.
A liberdade de expressão, que permite o livre discurso e o confronto de ideias, é um dos principais pontos que diferencia um regime democrático de um autoritário. Não é por acaso que, quando a democracia é ameaçada por agentes autoritários, a liberdade de expressão seja um dos primeiros direitos a ser suprimido — como ocorre em países como Rússia, Hungria e China, entre outros.
Embora seja um direito fundamental, a liberdade de expressão não está isenta de limitações — desde que sejam claras, específicas e pontuais. A democracia brasileira considera razoáveis algumas restrições, como nos casos em que o discurso fere a honra e a imagem de um indivíduo. No entanto, a situação é diferente quando se trata de um parlamentar, pois a Constituição garante imunidade parlamentar, protegendo as opiniões dos congressistas, conforme o artigo 53.
Esse dispositivo existe justamente por se tratar de interesse público: líderes políticos, de qualquer espectro, devem ter a garantia de realizar oposição e expressar suas ideias, ainda que sejam duras, como forma de participação no debate público. A Constituição também declara que, caso o parlamentar quebre o decoro, o próprio Legislativo pode tomar as medidas cabíveis, como a cassação do mandato.
Há quem diga que a imunidade parlamentar deve ser restrita e não deve proteger quaisquer expressão dos congressistas, como comentários em redes sociais ou em situações em que este não esteja exercendo o cargo. Outros juristas acreditam que essa limitação pode impactar negativamente o exercício do cargo haja vista que é difícil mensurar o que é ou não é atuação política, da mesma forma que fiscalizar a expressão pode levar à censura prévia.
O problema central é que, nos últimos tempos, a atuação dos Poderes tem estado em desequilíbrio. Os conflitos inerentes ao sistema de freios e contrapesos — fundamentais para limitar os poderes e evitar abusos em uma democracia — vêm se intensificando, comprometendo a atuação das instituições. O Judiciário tem ocupado um espaço excessivo nas relações de poder, e algumas das consequências desse avanço afetam a liberdade de expressão e, em última análise, o direito à imunidade parlamentar.
O caso mais recente que exemplifica essa situação é o inquérito, realizado pelo ministro Flávio Dino, envolvendo o deputado Marcel Van Hatten, do partido Novo, acusado de crime contra a honra pelo delegado Fabio Shor. O deputado realizou um discurso na Câmara acusando o delegado de “bandido”, o que desencadeou o processo. Este caso, assim como outros, elucidam a atuação do Judiciário para além de suas atribuições. Sendo mais um episódio que entra para a lista de decisões “excepcionalíssimas” realizadas pelo Judiciário.
A liberdade de expressão é de fato um direito inalienável e, quando o interesse público está envolvido, o alerta deve ser muito maior. Neste caso, há um rito que a Constituição já destinou em casos que mesmo com a imunidade parlamentar, o legislativo pode agir em situações que julguem a presença de quebra de decoro ou ofensas, não sendo atribuição do Judiciário.
Portanto, um dos elementos que fortalece uma democracia são suas instituições. Se estas passam a não funcionar conforme o império da lei, ignorando ritos fundamentais, o sistema de freios e contrapesos enfraquecem, resultando em perigos para a saúde da democracia e seus valores como a liberdade de expressão.