Judiciário
Operação contragolpe: o quebra-cabeça jurídico do “Golpe Verde e Amarelo”
A Polícia Federal entrou em cena mais uma vez com uma operação que já nasceu carregada de polêmicas e desconfianças. A chamada Operação Contragolpe mira uma “suposta” conspiração para eliminar lideranças do país, como o Lula, Alckmin e o Alexandre de Moraes. O caso tem todos os ingredientes de um drama nacional: política, leis controversas, e uma pitada de histeria coletiva. Mas será que a acusação se sustenta ou é apenas mais um capítulo de confusões interpretativas, falácias e narrativas iguais as anteriores?
Logo de cara, uma figura conhecida no debate jurídico fez questão de jogar lenha na fogueira. Janaina Paschoal, advogada e professora de Direito Penal, foi categórica: não se trata de tentativa de homicídio. Para ela, a acusação erra ao confundir intenção com execução. E no Direito Penal, isso faz toda a diferença.
O conceito central aqui é o iter criminis, um termo técnico que desenha o trajeto de um crime: cogitação, preparação, execução e, finalmente, consumação. Pensar em cometer um crime não é punível, nem comprar os instrumentos, desde que não haja ação concreta. Segundo Janaina, o caso em questão nunca passou da etapa de preparação.
Ela vai além. “Para ter tentativa, é preciso que a execução tenha começado. E mesmo assim, se alguém desiste por vontade própria, a tentativa deixa de existir”, afirmou. É um ponto técnico que enfraquece bastante a narrativa de tentativa de homicídio.
O maior paradoxo deste, caso é que as bases legais usadas na acusação foram criadas durante o governo Bolsonaro. Os artigos 359-L e 359-M do Código Penal, aprovados em 2021, endureceram as punições para crimes contra a democracia. Na época, parecia uma boa ideia para conter possíveis ameaças de opositores. Hoje, ironicamente, as mesmas regras são usadas contra as pessoas que decidirão ser de direita conservadora, aquelas que defendem Deus, a Pátria e a Família.
A confusão só aumenta quando o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente, defende os investigados com a frase: “pensar em matar alguém não é crime”. Ele está tecnicamente correto no que se refere à cogitação. Mas a lei que seu pai sancionou não deixa brechas: atos preparatórios podem, sim, ser criminalizado se colocarem em risco a democracia.
Enquanto o embate jurídico acontece, o papel da imprensa no caso também está em discussão. Janaina foi crítica ao que chamou de “sensacionalismo” da cobertura inicial. A advogada acusou os veículos de comunicação de apressarem julgamentos, rotulando os investigados como autores de uma tentativa de homicídio antes que os fatos fossem devidamente analisados.
A imprensa, sem dúvida, molda a percepção pública. Mas até que ponto o jornalismo pode influenciar um caso tão delicado? Esse tipo de abordagem, ainda que não intencional afeta diretamente os julgamentos sociais e até políticos sobre os envolvidos.
O que está em jogo aqui é muito maior do que a condenação ou absolvição dos acusados. A Operação Contragolpe é um teste para o sistema judicial brasileiro. Ela força uma reflexão: como diferenciar atos realmente perigosos de meras bravatas ou intenções mal articuladas? Como aplicar leis que, de tão amplas, acabam gerando interpretações contraditórias?
A defesa aposta na tese de que tudo não passou de conversas e planejamento, sem qualquer passo concreto. Já a acusação precisa provar que a conspiração avançou para algo mais palpável, além de justificar o enquadramento nos artigos específicos do Código Penal.
Mas, no pano de fundo, o caso escancara algo maior: um Brasil preso em sua própria polarização. Ideologias dominam debates que deveriam ser puramente técnicos. No meio disso, a justiça caminha numa corda bamba, tentando equilibrar imparcialidade e a pressão da opinião pública.
No fim das contas, o caso não é apenas sobre um suposto “golpe”. Ele fala de um país que ainda luta para consolidar suas instituições e estabelecer limites claros entre política, lei e moralidade. Qualquer desfecho que venha não será apenas jurídico. Ele terá implicações políticas e sociais que reverberarão por muito tempo.
Será que este caso será lembrado como um divisor de águas para o combate a ameaças democráticas ou apenas como mais um exemplo de interpretações desordenadas da lei? O desfecho, seja qual for, promete deixar marcas.