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Fim do ano legislativo dispara corrida por votação de urgências na Câmara
Com o fim do ano legislativo se aproximando, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), intensificou o uso de regimes de urgência para acelerar a tramitação de propostas. Embora esse mecanismo seja previsto no regimento, sua banalização e uso indiscriminado têm gerado críticas de parlamentares e especialistas, que apontam o enfraquecimento das comissões temáticas e imprevisibilidade na pauta legislativa.
Nas últimas semanas, por exemplo, foram aprovados diversos requerimentos de pedidos de urgência, incluindo oito em apenas um dia, 13 de novembro, quando a sessão do plenário foi suspensa após as explosões na Praça dos Três Poderes.
Dentre os assuntos que tiveram a urgência aprovada estavam a reserva de 30% das cotas em concursos públicos para negros, indígenas e quilombolas; a criação de uma empresa pública de projetos espaciais (Alada) para a execução de projetos de grande escala na área espacial; e a criação de uma Política Nacional de Economia Solidária (PNES); além de outros temas.
O uso do instrumento do regime de urgência, que permite saltar etapas regimentais e levar projetos diretamente ao plenário da Câmara, tornou-se frequente nas últimas legislaturas. Segundo um estudo realizado pelo Ranking dos Políticos, com base em informações das votações, mais de 60% das matérias deliberadas entre 2008 e março de 2024 foram apreciadas com urgência, um índice sem precedentes no Legislativo.
Entre os projetos mais relevantes que avançaram por essa via em 2024 estão a regulamentação da reforma tributária, o fim gradual da desoneração da folha de pagamentos e as novas regras para as emendas.
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Uso excessivo de urgências para acelerar discussões banalizou instrumento, diz estudo
Conforme o levantamento do Ranking dos Políticos, entre 2008 e março deste ano havia 2.368 proposições tramitando sob regime de urgência na Câmara. Entre os projetos encontram-se desde temas de relevância nacional, como financiamento estudantil e prevenção de desastres, até propostas controversas, como a criação de datas comemorativas.
Juan Carlos Gonçalves, diretor do Ranking dos Políticos, avalia que está havendo um aumento no uso das urgências durante a presidência de Lira, algo que está diretamente ligado ao estilo de liderança do alagoano e à dinâmica do Centrão, grupo político que ele comanda.
“O que temos observado é um uso cada vez mais pragmático das ferramentas regimentais para atender a interesses do governo e das lideranças partidárias. Muitas vezes, os debates nas comissões são suprimidos para conferir celeridade a pautas de interesse político, o que gera críticas quanto à qualidade das decisões legislativas”, afirmou Gonçalves.
O consultor político Luiz Felipe Freitas, da Malta Advogados, lembra que o protagonismo do presidente da Câmara, com maior poder sobre a decisão de pautar matérias em ritmo acelerado, começou na gestão de Eduardo Cunha, ex-presidente da Casa, cassado por mentir aos colegas sobre contas no exterior e denunciado por envolvimento em esquemas de corrupção na Petrobras.
“Desde então alterações regimentais ou atropelos passaram a ser mais notórios”, salienta o consultor político, afirmando também que o uso mais frequente das urgências ganhou destaque com o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, em meio à pandemia da Covid-19, colocou em votação várias matérias legislativas sob urgência.
“Depois disso, uma ‘chuva de urgências’ passou a ser incluída na Ordem do Dia do plenário da Câmara, inicialmente com propostas relevantes para atender questões de calamidade pública, mas depois abarcando uma série de projetos estranhos e sem nenhum tipo de apelo imediato que justificasse a urgência”.
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Urgências esvaziam comissões e atropelam debates, criticam parlamentares
O regime de urgência é um mecanismo legislativo previsto no regimento interno da Câmara dos Deputados e foi projetado para agilizar o processo de tramitação das proposições no Legislativo, pois permite que algumas exigências, prazos ou formalidades sejam dispensados, possibilitando que determinadas matérias sejam apreciadas e votadas mais rapidamente ao serem levadas diretamente ao plenário, sem passar pelas comissões.
Porém, o uso excessivo do instrumento, em casos que não necessariamente demandem uma resposta rápida dos parlamentares, como medidas emergenciais ou crises, acabou esvaziando as comissões permanentes da Casa. Na avaliação dos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, assim como de parlamentares, virou tendência entre os profissionais que atuam com lobby buscar as urgências e acelerar o processo legislativo.
As urgências também demonstram uma concentração maior de poder nas mãos do presidente Arthur Lira, ou dos que assumirem o comando da Casa – caso do candidato Hugo Motta (Republicanos-PB), que já está sendo cobrado por deputados para rever alguns procedimentos atualmente muito utilizados por Lira.
Antes de declarar apoio a Motta, o líder do PL, Altineu Côrtes, disse que os parlamentares cobraram do candidato a revisão das urgências, assim como o fim das sessões virtuais e uma maior previsibilidade da pauta da Câmara dos Deputados.
“Os próprios parlamentares pedem mudanças em relação ao rito da Casa, em relação à questão das urgências, solapando muitas vezes comissões temáticas, gerando imprevisibilidade de pautas. Isso foi apresentado ao Hugo, que de fato era uma crítica muito recorrente à gestão do Lira”, ressaltou o líder do PL na Câmara.
Muitos deputados também se irritam em plenário ao tentar retirar de pauta os tão frequentes requerimentos de urgência, alegando que a discussão é açodada e que, muitas vezes, nem têm conhecimento do texto de determinado projeto em votação, o que compromete o debate.
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Com o recesso se aproximando e o relógio legislativo correndo, a “temporada de urgências” promete continuar movimentando a Câmara dos Deputados nas próximas semanas. É o que avalia o professor de Ciências Políticas das Faculdades Ibmec de Belo Horizonte, Adriano Cerqueira.
“O regime de urgência é uma forma que Lira tem adotado para tentar dar um jeito de cumprir acordos que ele faz com esses dois lados que se digladiam na Câmara dos Deputados, os blocos da oposição e do governo”, explica.
“O Lira assumiu uma postura de maior independência em relação a esses dois blocos e, nas negociações que faz com eles, se compromete a colocar em regime de votação determinados projetos”, pontua Cerqueira. Ele pondera, porém, que não há garantia de que projetos colocados em regime de urgência sejam votados – alguns, inclusive, acabam sendo tirados de pauta posteriormente.
“Lira, no fim do seu mandato, está tentando pautar alguns projetos que estavam engavetados e colocando-os para apreciação dos deputados, para que, em plenário, eles decidam se vão ou não dar encaminhamento”, conclui.
Ao adotar essa postura, para o professor, Arthur Lira acaba atendendo aos interesses de diversos setores sem se comprometer com uma eventual rejeição, já que sempre pode alegar que pautou determinada matéria, mas que esta não avançou por decisão da maioria dos deputados.