Judiciário
O que é o marco temporal das terras indígenas e por que voltou a discussão?
De um lado, os povos indígenas defendem que, em caso de existência de limitação temporal para a demarcação das terras indígenas, o melhor seria a Constituição não ter sido promulgada. Por outro lado, os proprietários afirmam que a Constituição elencou uma série de novos direitos indígenas e a sua promulgação (5/10/88) é o momento limite para a existência de demarcação.
O que é o marco temporal?
É o recorte para definir que os povos indígenas apenas poderão ocupar as terras que ocupavam ou disputavam a sua posse (renitente esbulho como sinônimo de conflito possessório) na data da promulgação da Constituição.
O que é o fato indígena?
É a teoria da tese do marco temporal, em que existe um fato para determinar o direito de demarcação, o fato é a promulgação da Constituição.
E o contrário? O que seria? A tese do indigenato.
Nessa tese, não há como determinar o momento em que os indígenas possuem ou não direito sobre as terras, levando em consideração que a propriedade da terra indígena é imemorial, ou seja, anterior à própria criação do Estado brasileiro. A relação não é a mesma das outras populações, a relação é espiritual e antropológica, em que aquele “pedaço de terra” não é “um pedaço de terra”, mas “o pedaço de terra”.
Mas e a Constituição, o que ela diz do assunto?
Diferente das comunidades quilombolas em que se determinou a propriedade com emissão de títulos pelos estados (artigo 68, ADCT), aos povos indígenas destinou-se a posse permanente com utilização exclusiva e a propriedade como bem da União (artigo 20, inciso XI, e artigo 231, CF).
Entretanto, não está expresso se a sua promulgação é ou não limite para a demarcação, mas tão somente que “a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição” (artigo 67, ADCT), o que, naturalmente pela discussão, não ocorreu por completo.
O tema retornou ao debate após a decisão do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade de um marco temporal para a demarcação das terras indígenas ser derrubada pela reação do Poder Legislativo com a Lei 14.701/23, que definiu a existência do marco temporal.
Em menos de um mês do julgamento do STF, a reação legislativa (efeito backlash) recolocou o tema em discussão e cinco ações foram propostas no STF para discutir a constitucionalidade ou não da Lei do Marco Temporal (ADI 7.582, ADI 7583, ADI 7.586, ADO 86, ADC 87).
No momento, a agenda da Corte Constitucional está concentrada na série de audiências de conciliação sobre o tema, enquanto algumas comunidades indígenas protestam em Brasília e proprietários, políticos, empresários, ativistas defendem suas posições em diversos locais.
A Constituição é a arena de disputas, mas não é o único campo de interpretações
O Supremo Tribunal Federal não reconheceu o limite temporal e adotou a teoria do Indigenato, mas não acatou a ideia da relação imemorial que vai além do vínculo tradicional.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos adota a teoria do Indigenato e a propriedade imemorial das terras indígenas, ao considerar que o artigo 21 da CADH (Convenção Americana sobre Direitos Humanos) que tutela sobre o direito de propriedade deve ter uma interpretação evolutiva que diferencia da propriedade privada.
O Poder Legislativo adota o limite temporal e o Marco Temporal pela promulgação de uma lei expressa em afirmar que “são terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas na data da promulgação da Constituição Federal” (artigo 4º, Lei 14.701/23).
O assunto é evidentemente complexo.
Os especialistas se dividem.
Não há resposta concreta.
O juiz responsável pela condução das audiências de conciliação (Diego Veras) propõe uma solução intermediária: não afirmar a existência ou não do marco temporal.
Seja pela existência ou não do marco temporal, o diálogo institucional entre as esferas do poder público juntamente com as populações é o caminho mais viável e plausível para solucionar uma problemática que prejudica todas as partes envolvidas, independentemente da posição.
Aos povos indígenas, a terra ou a compensação.
Aos proprietários, a terra ou a indenização.
Para mais conhecimento, citamos disputas em terras indígenas em diferentes países da região, na Corte IDH: Caso Mayagna Awas Tingi vs. Nicarágua, Caso Comunidade Moiwana vs. Suriname, Caso Comunidade Yakye Axa vs. Paraguai, Caso Povo Saramaka vs. Suriname, Caso Povo Kichwa Sarayaku vs Equador, Caso Povos Kaliña e Lokono vs. Suriname, Caso Sawhoyamaxa vs. Paraguai, Caso Povo Indígena Xukuru vs. Brasil, Caso Bacia do Rio Xingu vs. Brasil.
- Aline Cristina Braghinié sócia do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados, pós-graduada em Direito Econômico pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP) e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e pós-graduanda em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC Minas.
- Matheus Henrique Diasé sócio do CM Advogados.